Depoimento de destaque
“A estrada de ferro trouxe gente nova, movimento, contato com a capital; a cidade foi mudando de roupa e crescendo ao redor da estação.”
Marcelo Lopes Costa no livro “Azurita conta sua história”.
“A estrada de ferro trouxe gente nova, movimento, contato com a capital; a cidade foi mudando de roupa e crescendo ao redor da estação.”
Marcelo Lopes Costa no livro “Azurita conta sua história”.
A Estação de Mateus Leme, embora seja lembrada como um ponto de passagem, já foi local vibrante e cheio de vida. O silêncio do cotidiano era constantemente interrompido pelo barulho da maria-fumaça e o badalo do sino da estação. Tudo chegava e partia da estação: mercadorias, encomendas e notícias por meio do telégrafo. Muitas pessoas iam até a estação para passear, ver a chegada dos trens e o fluxo de viajantes.
“Minha lembrança mais antiga da estação é de quando eu era pequena e ia na Estação de Mateus Leme passar telegramas. Naquela época era comum você passar um telegrama quando era convidada para um casamento, mas não podia ir. Eu via o telegrafista batendo aquela coisinha e achava aquilo o máximo!”
Walkíria das Dores Silva, moradora de Mateus Leme.
Soledade do Pará, como era conhecido o distrito e a estação de Azurita, era um importante entroncamento ferroviário. De lá, partiam dois ramais essenciais: um em direção à Barra do Funchal, outro à Garças de Minas. A estação se tornou um espaço de encontro e convívio social. Muitas pessoas aproveitavam o movimento para vender quitutes e frutas. Ali os mais jovens aproveitavam para fazer o “footing”, ou seja, flertar e namorar.
“Uma das gratas satisfações que se tem ao revirar o passado de Azurita é constatar que um dia ela floresceu. Teve vida movimentada com cinema, peças de teatro, banda de música, gente influente, festas e um bom restaurante.”
Marcelo Lopes Costa no livro “Azurita, conta sua história”.
As casas dos trabalhadores ferroviários eram construídas muito próximas às estações, para que eles pudessem atender facilmente às demandas urgentes. Havia várias dessas casas em frente à estação de Azurita. Em Mateus Leme também havia algumas ao redor da estação, porém em menor quantidade. Os funcionários que ali moravam exerciam, principalmente, as funções de engenheiro, agente de estação, chefe de estação, telegrafista e guarda-chaves.
“Eu nasci nessa casa que era da Rede. Tinha a casa do agente de estação, chefe de estação, subestação. E era assim… Só gente da Rede, que trabalhava na estação.”
José Maria Filho, filho de ferroviário.
“A minha esposa, por exemplo, morou muitos anos nessas casas. O meu sogro trabalhava na estação e, geralmente, aquelas casinhas eram para quem trabalhava lá.”
Walter Antônio Ramos, ferroviário aposentado.
O restaurante ganhou destaque na década de 1930, quando Vitorino Jardim obteve sua concessão. Vitorino atuou como chefe de cozinha no Palácio da Liberdade em 1906, onde construiu uma rede de contatos influentes, o que facilitou a concessão do restaurante. No relatório da RMV de 1938, o arrendamento do restaurante por Vitorino é mencionado entre os contratos daquele ano. Ele fez do local uma referência em Minas Gerais, unindo a qualidade da comida à localização estratégica da Estação, atraindo figuras influentes.
Vitorino montou um restaurante de alto nível, nos moldes do cerimonial do Palácio da Liberdade, que tanto conhecia: louça inglesa, talheres de alpaca, e garçons muito bem-vestidos de casaca e gravata borboleta.
Marcelo Lopes Costa no livro “Azurita conta sua história”.
“Eu tenho muita recordação de lá, porque quando a gente passava, era aquele cheiro de pastel. O restaurante era do italiano, o Sr. Stefano. Ele fazia os pastéis, a especialidade dele era mais os pastéis, o pastel era inigualável.”
Maria Aparecida Rios, filha de ferroviário e antiga moradora do Horto da Liberdade.
“Tinha de tudo, lanche, almoço. Era bom demais, cheio de passageiro. Era o dia inteiro. O cozinheiro, que era dono lá, era um italiano que também tinha um pomar de pera. Ele mesmo vendia as peras.”
Mário Camilo Ferreira, ferroviário aposentado.
Moacyr Jardim, filho mais velho de Vitorino Jardim, fundou a Associação em 1931 como um centro de ajuda comunitária. Em 1933, ela se tornou a “Associação Lítero-Beneficente Santa Terezinha”, promovendo atividades culturais com biblioteca, grupo de teatro e banda. Vitorino Jardim doou um terreno próximo à Estação, onde a sede foi projetada para a realização de eventos, filmes, teatro e ensaios musicais. Hoje a associação leva o nome de Moacyr Jardim em sua homenagem.
“Esse Moacyr Jardim era um cara bom! Ele tinha até uma biblioteca e emprestava livro pro povo.”
Mário Camilo Ferreira, ferroviário aposentado.
“O prédio da associação, tinha estrutura de teatro, com palco e camarins, foi cenário de incontáveis peças encenadas por membros da comunidade, sem falar nas centenas de filmes exibidos.”
Marcelo Lopes Costa, adaptado do livro “Azurita conta sua história”.
Próximo às estações ferroviárias, havia cooperativas e armazéns onde os funcionários e suas famílias podiam comprar alimentos mais baratos. Em Mateus Leme, existia uma cooperativa agropecuária nos arredores da estação e em Azurita havia uma cooperativa da Rede Ferroviária, que ocupou dois espaços distintos. Além de alimentos, eram vendidos remédios, roupas e calçados, cujos valores eram descontados diretamente dos salários dos ferroviários que os compravam.
A primeira cooperativa de Azurita foi construída por Manoel Lemos, por volta de 1920. Era uma casa de dois andares com um galpão de comércio, onde, Vitorino Jardim abriu seu primeiro restaurante. Na mesma década, o imóvel foi comprado por Valentino Veneroso. Havia ali uma longa faixa de terras com um pomar, as frutas passaram a ser vendidas na estação e enviadas ao mercado da capital. Valentino montou um armazém no galpão, que depois foi alugado para a Rede Ferroviária.
“Muita coisa boa que tinha ali na estação! Você chegava lá, tinha os trens, os passageiros, tinha tudo! Inclusive, lá tinha uma cooperativa onde o pessoal comprava mantimento. A cooperativa lá era para os funcionários, eles compravam arroz, feijão, tinha carne de jabá, banha em lata, biscoito, bolacha, um monte de coisa que vendia lá. ”
Sebastião Camilo Ferreira, parente de ferroviário e antigo morador do Horto da Liberdade.
A caixa d’água, localizada perto da Estação e ao lado da cooperativa, era fundamental para o abastecimento das máquinas a vapor, as famosas marias-fumaças. Em Azurita, além de sua função essencial, a caixa d’água também fazia parte do cotidiano da comunidade. Era um ponto de diversão para as crianças que brincavam ao redor dela. Era comum vê-las se refrescavam no chuveiro de pedra acoplado à estrutura. A caixa d’água foi demolida em 2003.
“Quando a maria-fumaça parava lá para abastecer com água juntava dois, três homens para pegar a mangueira. A mangueira era de couro, com emendas amarelas de metal parafusadas. Jogava ela dentro da maria-fumaça e abria a roda d’água, que caia dentro da caldeira. Os carros de boi, vinham e empilhavam as lenhas. A maria-fumaça parava e o ajudante do maquinista jogava aquela lenha para dentro.”
Wanderlan Sousa, filho de ferroviário.