A celebração é uma tradição de mais de um século, ocorre anualmente sempre no dia 13 de junho. Junto às atividades típicas da festividade, como novenas, missas, apresentações musicais e barracas de comida, destaca-se a encenação da Cavalhada. Esse evento dramatiza uma batalha entre dois exércitos, representando os Cristãos e os Mouros, em uma evocação dos antepassados portugueses que colonizaram o Brasil no século 16.
“A festa começa na quinta-feira e, durante todo o mês de maio, já há barraquinhas todos os fins de semana. Arrecada-se muito dinheiro para poder, inclusive, fomentar a festa. Então, durante todo o mês de maio, há barraquinhas, e, em um período de 13 dias antes do dia de Santo Antônio, realiza-se uma trezena. E então acontece a festa, começando na quinta-feira. Na sexta-feira, ergue-se uma bandeira, e, no sábado, outra. As bandeiras são de Santo Antônio e de São Sebastião. Há também um período de 2 horas de cavalhada no sábado, a partir das 13h, e outro no mesmo horário no domingo.”
José Martins dos Santos, morador de Mateus Leme.
Os distritos de Mateus Leme (Azurita e Serra Azul), também possuem alguns festejos tradicionais. Há pelo menos cem anos é realizada, em Azurita, a festa de Reinado em honra a Nossa Senhora do Rosário. Ela acontece em agosto sendo realizada pela Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário – Azurita/Mateus Leme. Em novembro acontece uma outra festa de Reinado realizada pela Guarda de Moçambique de Nossa Senhora das Graças – Azurita/Mateus Leme. Além do Reinado, há também uma festa dedicada a São Sebastião, em 20 de janeiro, e a Folia de Reis, que acontece no dia 24 para o 25 de dezembro. Já em Serra Azul, se celebra a festa de São José em homenagem ao padroeiro do distrito e a Festa do Leite, com o propósito de valorizar e impulsionar a produção leiteira local.
“A Festa do Leite começou com os produtores distribuindo leite para a população. Um dia, de bebedeira no bar, falaram assim: “Vamos distribuir leite com toddy para esse povo tudo aqui. Vamos fazer uma festa! A gente faz um desfile de carroça!”. Então, juntaram, fizeram e começou assim.”
Rosana Aparecida da Silva, neta de ferroviário.
A Cavalhada em Mateus Leme remonta a década de 1870. Inicialmente, era realizada por famílias que buscavam expressar sua devoção a Santo Antônio e a São Sebastião, como forma de agradecimento por graças alcançadas. As despesas da festa eram custeadas pelas próprias famílias, responsáveis por sua realização, contando também com contribuições de fazendeiros, da comunidade local e com a arrecadação de leilões de animais. A cavalhada tornou-se parte integrante e significativa da celebração conjunta em honra aos dois santos.
“A cavalhada é junto com a festa. A cavalhada é no campo de futebol: os cristãos e os mouros entre lutas. Os cristãos convertem os mouros, a princesa converte o pai dela e ele vira cristão. Tem a banda e tudo mais… a festa é linda!”
Nelly Rocha Oliveira, filha de ferroviário e moradora de Mateus Leme.
“A festa foi bastante incrementada, porque, em 1927, 1928, de acordo com o que as pessoas mais velhas relatam, havia a Cavalhada, mas sem muitos adereços. Houve melhorias nos enfeites ao longo do tempo.”
José Martins dos Santos, morador de Mateus Leme.
“Meu pai faleceu no dia da Cavalhada, no último dia, no domingo. E eu me lembro que eu tinha acabado de fazer 12 anos… eu me lembro que vários soldados da Cavalhada, também o rei Mouro e o rei Cristão, foram lá no velório. À noite eles estavam indo para a procissão, para o encerramento da festa, aí passaram lá no velório e eu lembro disso até hoje.”
Walkíria das Dores Silva, moradora de Mateus Leme.
“Como referência de paisagem a Serra do Elefante é a identidade de Mateus Leme, e como referência de cultura popular é a Cavalhada. Mateus Leme é a Terra da Cavalhada e da Serra do Elefante!”
Rosana Aparecida da Silva, neta de ferroviário.
A cavalhada feminina também representa as batalhas travadas entre mouros e cristãos em nome da fé. A criação da cavalhada feminina foi uma forma de ampliar e incluir a participação das mulheres de Mateus Leme nas tradições culturais do município, pois até então as mulheres não podiam correr a cavalhada. A primeira vez que ela ocorreu foi em 8 de dezembro de 2002, e geralmente acontece todos os anos no mês de outubro, mês de Nossa Senhora Aparecida, que é a bandeira da cavalhada feminina. Em meados de 2007, foi criada a Associação da Cavalhada Feminina de Mateus Leme para fortalecer a festividade e ampliar a participação da comunidade.
OS MOUROS
12 guerreiros vestidos de marrom com seus cavalos enfeitados de marrom e vermelho.
OS CRISTÃOS
12 guerreiros vestidos de branco com seus cavalos enfeitados nas cores branco e azul.
2 Imperadores com vestimentas impecáveis e luxuosas, mantendo expressões sérias para demonstrar sua autoridade e sabedoria.
Carlos Magno
Rei da França e imperador de um grande território europeu, tinha como objetivo converter ao cristianismo os povos considerados pagãos.
Rei Mouro
O Almirante Balão, era líder de um povo não-cristão, originário da África Setentrional.
Balão, o Mouro, tinha dois filhos, Floripes e Ferrabrás, que desejavam se converter ao cristianismo. Para concretizar esse desejo, Ferrabrás abandonou sua terra natal, converteu-se e passou a viver no reino de Carlos Magno. Para impedir que Floripes também fugisse, seu pai a submeteu à vigilância constante.
Almejando converter todos os mouros ao cristianismo, Carlos Magno enviou ao Rei Mouro uma embaixada diplomática, prometendo-lhe um acordo de convivência pacífica em troca de sua conversão. O Rei Mouro recusou a proposta, considerando-a uma grande afronta, e declarou guerra, resultando em várias batalhas.
Durante um passeio de Floripes com seu pai, Carlos Magno a viu pela primeira vez e se encantou por sua beleza e graça. Posteriormente, Floripes conseguiu uma chance de pedir proteção a Carlos Magno, que a “resgatou” e levou para seu castelo, provocando novas batalhas.
Balão desafiou novamente Carlos Magno e, em um confronto pessoal, foi derrotado, ajoelhando-se diante do imperador e se rendendo. O Rei Mouro e seus soldados foram levados ao castelo de Carlos Magno, na presença de Floripes. Carlos Magno e o Rei Mouro entram em um acordo temporário, estabelecendo um período de trégua nas batalhas.
Durante esse período de trégua eles praticam juntos um esporte chamado “tiração de argolinhas”, onde os cavaleiros saem em disparada com uma lança em punho, desafiando-se a acertar um adereço pendurado. É preciso muita habilidade para acertar, e aqueles que triunfam oferecem a argola ao público, que retribui com presentes.
Após o período de trégua os mouros continuam a defender sua religião e as batalhas retornam. Novamente, os mouros foram derrotados e levados ao castelo dos cristãos, à presença de Floripes, que passara a se chamar Maria, após seu batismo na fé cristã.
Neste momento, houve uma discussão entre o Imperador Carlos Magno, o Rei Mouro, a Princesa Maria e o Barão Miguel. O Barão Miguel era apaixonado por Maria e, durante a discussão, tentou convencer Carlos Magno de que Maria também correspondia a esse amor. Maria negou as afirmações do Barão Miguel e terminou a amizade com ele, mas Miguel insistiu em tê-la para si e ameaçou Carlos Magno com um punhal. Carlos Magno se defendeu disparando um tiro no peito de Miguel. Por fim, os mouros, considerando-se vencidos, fizeram as pazes com os cristãos e se convertem à fé cristã.
Essa narrativa é um exemplo de discurso cristão elaborado com o objetivo de convencimento e conversão. Ela retrata a luta entre cristãos e mouros, destacando a superioridade moral e militar do lado cristão. Carlos Magno é apresentado como um imperador sábio e poderoso, com um objetivo nobre de converter ao cristianismo os povos que ele considerava pagãos. A narrativa enfatiza a resistência e eventual derrota dos mouros, que acabam se rendendo e aceitando a fé cristã. Além disso, a conversão de personagens chave, como Ferrabrás e Floripes, reforça a mensagem do cristianismo como uma fé irresistível e superior. Tal discurso é projetado para enfatizar os valores cristãos, em detrimento dos valores das demais religiões, e persuadir os ouvintes da inevitabilidade e justiça da conversão dos não-cristãos.
Texto: Larissa Roberta Pereira e Gislaine Gonçalves
Referências: Texto construído a partir de diferentes materiais pesquisados na Biblioteca Pública Municipal Geraldo Alves de Oliveira e outros textos (ver: referências bibliográficas).
Imagens: Cavalhada em Mateus Leme, parte da Festa de Junho. A autoria da 5ª foto é de José Martins dos Santos. A autoria das demais fotos é desconhecida. As imagens foram capturadas entre 1950 e 2004 e fazem parte do Acervo da Biblioteca Municipal Geraldo Alves de Oliveira.
Mateus Leme possui grande diversidade de templos católicos e protestantes. A construção de igrejas católicas remonta ao início da formação do povoado. A Igreja Matriz de Santo Antônio, concluída em 1790, possui altares, entalhes e painéis no estilo rococó. Relatos orais sugerem a existência de uma capela anterior a Igreja Matriz, no mesmo local, datando de 1748. Entre 1976 e 1986, a igreja foi restaurada com recursos da Prefeitura Municipal, do IEPHA e apoio da comunidade. Ela foi tombada a nível estadual em 1977, e, a nível municipal em 2005. Em 2023, o telhado da matriz de Santo Antônio foi restaurado com recursos da prefeitura e da diocese de Divinópolis. Além da Matriz, dedicada ao padroeiro da cidade, destacam-se também: a capela dedicada à Nossa Senhora Aparecida, no alto da Serra do Elefante; a igreja dedicada a São Sebastião, em Azurita; e a capela de São José em Serra Azul. Entre os templos protestantes encontra-se a Primeira Igreja Batista de Mateus Leme.
“As edificações têm grande importância na história da cidade. A Igreja Matriz de Santo Antônio foi uma das primeiras edificações de Mateus Leme. Hoje é Patrimônio Cultural, reconhecido pelo Iepha-MG. Temos também, a Matriz de São Sebastião, em Azurita; a Matriz de São José, no distrito de Serra Azul; e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Azurita. Os templos religiosos são templos de acolhimento, mas também de socialização dos frequentadores. Por exemplo, na igreja de Nossa Senhora do Rosário, tem uma festa dedicada a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito; na Matriz de Santo Antônio, é celebrada, em junho, a festa do padroeiro da cidade, que é Santo Antônio, com o co-padroeiro São Sebastião.”
Rosana Aparecida da Silva, neta de ferroviário.
Mateus Leme conta com diversos Terreiros, espaços de fé, de preservação e de valorização das culturas e das religiosidades afro-mineiras, como o Candomblé e a Umbanda. Se destacam o Terreiro de Candomblé Bakise Bantu Kasanje, o Terreiro de Candomblé e Umbanda N’zo Nguzu Kukia, e a Associação Cultural e Tradicional de Matriz Africana Bakise Mona Ixi.
O N’zo Nguzu Kukia, foi fundado por Nengua Dandalumuenu, em 2012, e se localiza no bairro de Nossa Senhora do Rosário, atualmente tem 40 filhos que participam ativamente. Já o Bakise Bantu Kasanje, cujo nome significa “Santuário do Povo Kasanje (província Angolana)”, foi fundado em 1984, por Marcos Adelino Ferreira, o Tat’etu Arabomi e se fixou em Mateus Leme, em 1996. Por fim, a Associação Cultural Bakise Mona Ixi, fundada por Wellington Luiz de Castro Soares, o Tat’etu Ximeango, este começou a funcionar como terreiro de Umbanda em 2013, e, a partir de 2021, passou a funcionar também como terreiro de Candomblé. O terreiro hoje se mantém com a colaboração dos associados, do pai de santo, dos filhos de santo e dos fiéis.
“Nossa cultura resiste e vive a África; somos descendentes de povos negros que foram escravizados, por isso, na minha casa eu permito que tirem fotos e que façam gravações. Fazemos isso aqui para não ficarmos mais escondidos. Chega de ficar escondido, chega de ter medo. Nós temos o nosso espaço e vamos ocupá-lo. E se você tem algum receio de sofrer algum tipo de intolerância religiosa e não participa de nossas tradições, saiba que sem luta não há a extinção da prática que se perpetua há tantos anos”.”
Tata Ximeango (Wellington Luiz de Castro Soares), Líder espiritual e Pai de Santo, em reportagem ao jornal de Juatuba e Mateus Leme, 2023.