A chegada da Estrada de Ferro Mogyana a Uberaba em 1889, após esforço político, foi vista pela elite como um símbolo de modernidade, conectando a cidade ao progresso das grandes metrópoles.
Olá! Sou a Princesa do Sertão! Mas hoje em dia o povo me conhece mais como Uberaba mesmo.
O Berço da princesa: kayapós, quilombolas, guerras e aldeamentos
O Sertão da Farinha Podre foi uma terra muito hostil aos colonizadores até o final do século 18, momento de ocupação do território que hoje se chama Uberaba. A região era defendida da colonização por bravos guerreiros kayapó, e os territórios que ligavam o centro da capitania a esse sertão eram permeados por grandes quilombos, como o famoso Quilombo Campo Grande. Os portugueses não conseguiam se estabelecer aqui sozinhos com tanta resistência. Depois de uma série de campanhas militares para ocupar a região em meados do século 18, a coroa portuguesa decidiu fundar por aqui os aldeamentos, ou seja, trouxe aliados indígenas de outras regiões do país para ocupar o sertão e resistir aos kayapós. Assim a região foi ocupada, e, ainda no mesmo século, na busca pelo ouro, surgiu ali o julgado de Nossa Senhora do Desterro (Desemboque), nas cabeceiras do antigo Rio das Velhas e, posteriormente, o arraial de Santo Antônio e São Sebastião do Uberaba, nas proximidades do rio de mesmo nome.
Nascimento
O primeiro grande arraial daqui, na verdade, foi o Nossa Senhora do Desemboque, que vivia da extração do ouro. Com a decadência do garimpo, parte dos moradores liderada pelo Major Antônio Eustáquio da Silva Oliveira se deslocou para as terras mais a oeste, onde foi criado o arraial de Santo Antônio e São Sebastião de Uberaba. A comunidade vivia da extração do ouro; a localização privilegiada, nas margens dos rios e dos caminhos que ligavam São Paulo ao oeste de Minas Gerais e à Província de Goiás, fez a região ocupada se tornar rapidamente um ponto extraordinário de comércio. Já em 1820, estabeleceu-se no arraial uma freguesia. Em 1836, o povoado tornou-se a Vila de Santo Antônio de Uberaba e conquistou a autonomia de município. Duas décadas depois, em maio de 1856, foi elevada à categoria de cidade. Foi o rápido crescimento no meio dessa terra, antes tão hostil, que justificou o apelido de Princesa do Sertão.
“Estava uma linda tarde, vaporenta e melancólica, como só as há naquelas descampadas e formosas regiões uberabenses. (…) Em frente da casa se desenrolava mágico e sublime o panorama das solidões sem-fim numa sucessão interminável de plainos, florestas, colinas e espigões, cujas formas iam morrer indecisas ao longe engolfadas nas ondas de um vapor dourado. O arpejo tão lânguido, tão cadenciado do sabiá harmonizava-se docemente com aquele místico e voluptuoso remanso, que envolvia toda a natureza. Também cantava ao longe o boiadeiro que vinha tocando as manadas para os currais, e o chiado monótono dos carros, que cortavam os chapadões carregados de fartas colheitas…”
Bernardo Guimarães, no conto “A filha do Fazendeiro”, publicado em 1872.
Solidões sem-fim em intermináveis descampados
Em 1872, quando Bernardo Guimarães escrevia o conto “A filha do fazendeiro”, provavelmente o escritor não imaginava que, em menos de vinte anos, os chiados dos carros de boi começariam a ser substituídos pelo cintilar das locomotivas e por todo o ideário de “progresso” e de “civilização” que traziam consigo da Europa. A cidade já apresentava em sua arquitetura elementos urbanos; já era crescente o desejo pelo propagandeado “progresso” que vinha do estrangeiro e da capital. No entanto, seu sobrenome ainda carregava a marca de origem: o sertão, que era cada vez mais visto como algo do passado, oposto ao desejado futuro.
Passaporte para o “progresso”
Por ser um ponto de trânsito que recebia comerciantes do mundo a fora, as elites daqui cada vez mais se encantavam com as histórias de “futuro” vindas de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Londres e de Paris. Queriam que a Princesa do Sertão abandonasse seus traços de origem e se parecesse cada vez mais com essas grandes cidades. É aí que a Estrada de Ferro passa a ser vista como o passaporte para o “mundo civilizado”, trazendo todo o seu conforto, sua elegância e, é claro, sua capacidade de exportação e importação de produtos a custos menores e mais rapidamente do que o faziam os carros de boi. No entanto, trazer a ferrovia aqui, para o meio do Sertão da Farinha Podre, não era tarefa fácil. Foi necessário um intenso trabalho político para que, em 1889, os trilhos da Mogyana chegassem ao centro de Uberaba – e fossem recebidos com festa.