Com o crescimento urbano, a Estação Central de Uberaba foi transferida em 1948 e novamente em 1962. Apesar das mudanças, as estações continuaram sendo pontos de encontro que impulsionavam o comércio e a vida noturna local.
Olá, eu sou o Bossu d’uberaba, ou, em português, o corcunda de Uberaba. Sou personagem de uma revista em quadrinhos de Paris de 1924. Minha saga foi proteger os passageiros de um trem de duas onças que adentraram os vagões.
Era localizada na rua Menelick de Carvalho, 53, bairro Boa Vista. Ficava logo ao fim da cidade, no final da movimentada rua Arthur Machado. Além da estação, havia ainda uma grande oficina e uma garagem (rotunda) de locomotivas. O amplo pátio à sua porta recebia cotidianamente dezenas de comerciantes e agricultores, que traziam suas mercadorias em carros de boi para escoar Brasil afora. A estação trouxe consigo um aumento no comércio local e a vinda de imigrantes de diversos países que, em geral, procuravam se instalar próximos à estação, o que fez a cidade se expandir no seu entorno.
“Em 1944, na época da guerra, eu embarquei nessa estação aí pra ir em Uberlândia. Estava cheio de soldado com metralhadora e fuzil na porta da estação. Foi em 44. Aí eu fui até Uberlândia e voltei com o meu pai; eu tinha quatro anos. Ela ficava onde a rua Menelick de Carvalho é, mas agora sobrou só um pedaço do armazém lá, não sei o que virou.”
História de Onírio Reis Barbosa, engenheiro ferroviário aposentado.
“O comércio era muito ativo ali próximo da praça da Mogiana, com pensões, restaurantes, bares, vendas, lojas, mas também marmorarias, máquina de beneficiar arroz (principalmente). Próximo a minha casa, havia três máquinas de beneficiar arroz, todas de imigrantes espanhóis, italianos, libaneses – pra você ver o quanto a Mogiana era importante para o desenvolvimento da indústria e do comércio em Uberaba.”
Depoimento de Jorge Alberto Nabut, jornalista, escritor uberabense morador das proximidades da praça da Mogyana.
Uberaba na revolução de 1930
A Estação Central de Uberaba foi palco de acontecimentos importantes, como a reunião de soldados para a revolução de 1930. O período histórico e político do Brasil chamado de Primeira República, também conhecido como República do Café com Leite, tinha como principal característica a alternância dos poderes entre Minas Gerais e São Paulo. Essa fase durou até 1930, quando ocorreu o golpe político de Getúlio Vargas que impediu a posse de Júlio Prestes, candidato eleito. Em algumas cidades do país ocorreram confrontos armados, e uma delas foi Uberaba.
“Na Revolução de 1930 eu não era vivo, mas me contaram que o pessoal ficava na ponte da Rio Grande, aqui em Igarapava, indo para São Paulo. Então, na época da guerra, ficavam soldados do lado de São Paulo e do lado de Minas dando tiro um no outro. Então os perfis metálicos da ponte têm muitos furos; você vai lá você vê os furos de fuzil. Batia na chapa, uns furavam, outros não chegavam a furar, mas ficava um rombo na chapa, sabe. Aqui em Uberaba eles fizeram até um tanque de guerra para enfrentar os soldados que vinham de São Paulo. Hoje o tanque está no Museu da Polícia do Estado, em Belo Horizonte. O rio tinha 330 metros. Eles ficavam dando tiro de lá e de cá, mas não mataram ninguém.”
História de Onírio Reis Barbosa, engenheiro ferroviário aposentado.
O centro fica grande demais para conter a estação
O crescimento da malha urbana no entorno levou a Mogyana a buscar outro lugar para a estação central de Uberaba. A primeira estação foi demolida em 1948 e transferida para onde hoje fica o Arquivo Público Municipal. Essa nova estação funcionou por 14 anos como uma estação de passageiros, até a inauguração da terceira estação em 1962, localizada onde hoje é a sede da Guarda Municipal.
Embora as duas estações centrais construídas em sequência tenham procurado se afastar um pouco da cidade, elas permaneceram lugar de encontro. O comércio na região se desenvolveu com muitas lanchonetes e bares, e houve uma época em que a atividade noturna no entorno era especialmente agitada.
“A estação da Menelick de Carvalho foi ficando meio que acanhada, faltando espaço para se desenvolver. Para os moradores da Arthur Machado, a mudança de lugar da estação foi um transtorno, porque ali você tinha pensão, hotel (…). Pelas leituras que fiz nos jornais, tinha até abaixo-assinados para que a estação não saísse dali, mas não teve jeito.”
Depoimento de João Eurípedes de Araújo, historiador do Arquivo Municipal de Uberaba e filho de ferroviário.
Peirópolis
A estação de Peirópolis era parte do ramal original da Catalão. Foi a primeira construída em território uberabense, em 1889, sob o nome de Paineiras. O nome “Peirópolis” veio depois, em homenagem ao imigrante espanhol Frederico Peiró, que se mudou para lá em 1896 e Iniciou a mineração de calcário, atividade econômica principal de Peirópolis durante muito tempo, além de ter construído armazéns para os produtos agrícolas locais, disseminado o espiritismo e fomentado a criação da primeira escola, erguida pelos trabalhadores da caieira. Das imediações de Peirópolis saía um ramal que ia até o distrito de Ponte Alta, onde uma grande fábrica de cimento foi inaugurada em 1954. O transporte desse cimento para as obras da usina hidrelétrica de Jaguara desempenharia papel trágico no acidente ocorrido nessa linha em dezembro 1970. No ano seguinte ao acidente, os trens de passageiros pararam de passar na região; em 1976, por outros motivos, os trens de carga também pararam de passar por esse ramal.
Dinossauros embaixo do trilho
Em 1945, em uma retificação do traçado da linha férrea, foram descobertos vários fósseis de dinossauros, o que trouxe atenção nacional e internacional para Uberaba. A descoberta inicialmente ocorreu na Estação Mangabeira, mas foi a região de Peirópolis que ficou em evidência devido à abundância de fósseis. Assim, passou a ser conhecida como “terra dos dinossauros” e recebeu o famoso paleontólogo Llewellyn Ivor Price para a análise dos fósseis encontrados.
“Quem achou foi o doutor Price, paleontólogo. Eu o conhecia, ele não saía daqui. Conheci muito. Ele dormia aqui em casa; o papai sempre falava pra ele ficar aqui. Papai falava com ele assim: “Se a gente conversar em osso você fica, não é?”, aí ele dizia: “Se falar em osso eu fico.”
História de Lia Peiró Tormin, moradora da região de Peirópolis.
O desligamento da linha
O desligamento da linha em Peirópolis se deu, entre outras coisas, devido a um traumatizante acidente que ocorreu em 28 de dezembro de 1970. Nos anos 1980, a população começou a se mobilizar na Associação dos Amigos do Sítio Paleontológico de Peirópolis, reivindicando proteção e investimento para os fósseis do local. Foi somente após a desativação da linha que ali passava, e o consequente declínio econômico da região, que o sítio paleontológico de Peirópolis passou a receber os devidos cuidados. Hoje em dia, a antiga estação abriga o Museu dos Dinossauros e recebe pesquisadores do mundo todo para pesquisas paleontológicas em parceria com a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Histórias de Peirópolis
Os primeiros ovos de Peirópolis
“Ali em Mangabeira, pra cima da estação, no quilômetro 536, ali, foi achado o primeiro ovo de dinossauro, né? Os funcionários acharam, entregaram pro chefe de estação, ele passou para o engenheiro Abel Reis e aí ele mandou lá pra um museu em São Paulo.Eu achei o segundo… Aí o segundo deixei em casa; meu filho fez uma limpeza no quintalem um cômodo de despejo lá em casa, viu aquela pedra redonda, não sabia e jogou fora. Hoje eu dava pra Peirópolis, para ir pro museu.”
Depoimento de Onírio Reis Barbosa, engenheiro ferroviário aposentado.
Só olhando os rapazes
“Peirópolis pra mim na época do trem de ferro foi muito bom. A gente era turminha de mocinha, o trem de ferro vinha, todo mundo ia pra estação pra ver os rapazes, e eu era uma delas, eram umas 30, 40. Quando a gente escutava o apito dele, todo mundo corria e nós ficava lá, só olhando os rapazes abanando a mão e era um tempo muito bom. A gente não tinha malícia com ninguém, não, sabe? Era aquela turma abençoada que todo mundo saía, ia pro baile, ninguém tinha malícia com ninguém, não pensava coisa errada. Peirópolis tinha muito baile naquela época. Aqui era todo sábado nas fazendas. Aí minha tia vinha para levar a gente. Então, essa perda do trem de ferro para todos os lugares foi muito grande. Muito grande mesmo, que não deveria ter acontecido.”
História de Darci Helena Nicolau, moradora de Peirópolis.
Ovo enrolado na palha
“Aqui, antes do trem partir, ficava uma pessoa do lado de fora pra vender um doce. Vendia ovo, sabão, docinho, pé de moleque, na vendinha, né? O rapaz ficava de fora, que era filho do chefe da estação, uma blusa branca com dois bolsos na frente e um caixote. O sabão e o ovo ficavam dentro do botequim, lá dentro da janela. Aí, se alguém quisesse, descia do trem depressa e ia lá e comprava. Os ovos eram enrolados na palha, que vendiam pela janela. Quando a estação fechou, essa mercearia também fechou, foi embora.”
História de Darci Helena Nicolau e Marcelo, moradores de Peirópolis.
Que que você quer com a minha filha?
“No ano passado faleceu um senhor aqui de Peirópolis que me contou a história da primeira namorada dele. Ele disse que, quando o trem apitava, faltando mais ou menos uns 10 km para chegar aqui, ele corria para a estação como todo mundo. As pessoas que estavam dentro do trem deixavam o braço para fora para acenar para eles, e ele viu essa menina que sempre passava com o braço para fora também. Ele era muito tímido para mexer com a moça, então ele corria e batia no braço dela. A menina não entendia nada e contou para o pai dela, que em uma das vezes que o trem iria passar cercou o menino. “Que que você quer com a minha filha? Você só bate nela, o que que ela fez com você?”. Ele, muito tímido, explicou gaguejando que queria namorar com a moça. Eles viveram juntos por 60 anos.”
História de Marcelo Nicolau, morador de Peirópolis.
Estação assombrada
“Quando menino, nós ganhamos uma bola de basquete e jogávamos futebol com ela dentro do prédio abandonado onde era a estação. Todo mundo falava que a estação era assombrada, só a molecada tinha coragem de entrar lá dentro. Ninguém passava para lá da estação porque tinha medo; os pais não entravam para nos chamar, ficavam gritando de longe.”
História de Marcelo Nicolau, morador de Peirópolis.
Sanfoneiro na mesa e serenata improvisada
“Tinha muito baile nas fazendas. A gente ia a pé, debaixo de chuva, empolgação, molhado no barro, mas ia, né? Dançava forró, sanfona. Tinha uma mesa no meio da sala, sanfoneiros subiam na mesa para ficar mais altos. Aí ele subia: ele, a sanfona e o violão. Ali, naquela época, costumava ser assim: por exemplo, você era um rapaz e eu era moça, e você estava interessado em mim. Você ia lá e falava com a pessoa que estava cantando que estava mandando uma música para mim. Aí ele cantava a maneira que eu estava vestida, a cor do meu vestido. De repente, tirava tudo na hora assim. Aí falava, né? Para moça que tá vestindo isso e isso e isso e isso. Aí o rapaz, a gente já sabia mais ou menos quem que estava mandando aquilo lá pra nós; se a gente interessasse, a gente já dava uma olhadinha assim meio, uns olhares diferentes, né? E às vezes já chamava a gente pra dançar e dali começava, né?”
História de Maria Helena Menezes de Resende, moradores de Peirópolis.
Vagão grande pula pra fora da curva
“Arrancamos a linha velha de Uberaba até Ituverava e construímos o traçado novo daqui até Ribeirão Preto. Os raios de curva eram 280, 300 metros; a linha nova já eram 2.223 metros. Daqui até Jaguara era horrível. Só podia ir locomotiva pequena porque o raio de curva era 90 metros – se fosse um vagão grande ele “pulava” para fora da curva. Eu fiz o levantamento para a diretoria e eles perceberam o prejuízo. A manutenção era muito cara: valia mais a pena fazer uma linha nova. Em 1976, foi a leilão e a empresa Mendes Júnior arrematou e arrancou todos os trilhos do Km 0 até o 101. Metade foi para a fundição como sucata e a outra metade foi para fazer o escoramento do rio Tietê. Antes de leiloar, o presidente da FEPASA enviou ofício ao prefeito Hugo Rodrigues da Cunha, doando os trilhos para fazer o trem de turismo de Uberaba a Peirópolis, mas ele não quis e escreveu uma carta de desistência.”
História de Onírio Reis Barbosa, engenheiro ferroviário aposentado.
Buriti
Foi construída em 1895 na zona rural entre Uberaba e Uberlândia, trazendo à região diversas mercadorias e um volume de pessoas ainda não vistos na região. A partir da estação, o comércio local se desenvolveu: foram construídas a Capela de São Sebastião e uma central de Correios. Assim como outras estações rurais, a do Buriti também sediava encontros e festas culturais como as folias de reis e as catiras da região. Por ficar entre Uberaba e Uberlândia, Buriti era também importante ponto para abastecimento das locomotivas de água e de lenha. As marias-fumaças funcionavam à base de vapor, então elas precisavam, de tempos em tempos, recarregar a caldeira.
Catira do Sinhô Borges
“Reuni meus companheiros/ Para ir numa festa por aí
Dançamos a noite e o dia inteiro/ Na estação do Buriti
Na catira fomos guerreiros/ Até hoje eu não esqueci”
Composição de 1946 atribuída a Sinhô Borges
Histórias de Buriti
O maior embarcador de gado da região
“A Estação Buriti fica exatamente no meio da estaçãodo trecho entre Uberaba e Uberlândia, bem no meio. Ela tem alicerces de diversos armazéns, porque o trem trazia as ferragens, trazia o sal, trazia o açúcar, trazia essas coisas que não produziam no campo e levava a banha, levava o feijão, o arroz, levava a madeira, as coisas que o campo produzia. Então, a Estação Buriti é uma estação grande, muito exuberante, e lá era o maior embarcador de gado que tinha na região – porque o comércio de gado era muito forte, então ela tinha muito movimento. As boiadas chegavam, e aqueles vaqueiros, aquele monte de gado embarcando e saindo trem.”
História de João Gilberto Bento, morador do entorno.
Esconder no boteco pra fugir de briga
“Toda estação tinha seu time de futebol. O de Buriti tinha o aspirante (que era o dos jogadores mais novos) e o profissional (que íamos quando ficávamos adultos). Cresceu muito, era competitivo no campeonato das estações. Fomos convidados para um jogo em Uberlândia. Eu era pequenininho e foi o time adulto que jogou. Nós fomos com a minha avó para torcer. A gente fretava um vagão como se freta um ônibus hoje. Nesse jogo, surgiu uma briga, e nós, a torcida do Buriti, saiu meio corrida, porque a estação de Uberlândia era no centro da cidade e o estádio ficava do lado. Aí nós fomos para o vagão para voltar, só que não tinha trem naquele horário. Aí o pessoal falou: ‘Vocês ficam dentro desse boteco aqui porque senão vai sair briga lá fora’. E quando entramos no boteco, o povo foi encher a lata, né? Eu lembro da gente voltar de madrugada nesse vagão, todo mundo bêbado, andando em cima do vagão.”
História de João Gilberto Bento, morador do entorno.
Doido com pão
“Uma coisa que eu não me esqueço é que a gente não tinha pão francês. O pão francês era uma coisa que só tinha na cidade. Aí a minha vó me dava um dinheirinho para eu comprar o pão francês no trem: me dava umas moedinhas e eu corria lá, pequenininho, na plataforma. O trem chegava lá dez horas, vinha de Ribeirão Preto, e o cara trazia pão. Pegava nas padarias lá em Ribeirão Preto e vendia nas estações. Então o trem era também uma coisa do comércio e também de pequenas coisas da cidade. E aí ele sabia que eu ficava ali e eu ficava em um desespero que esse trem fosse embora sem levar o pão! Eu era doido com o pão, ficava pulando e gritando e eu me lembro que ele ficava sacaneando comigo, sabe? Ele ficava me deixando chegar no limite, que eu entrava em pânico. Ele me entregava o pão e ficava rindo na hora que o trem saía aí eu aliviava.”
História de João Gilberto Bento, morador do entorno.
A linha Catalão
A primeira linha a chegar na cidade pelas mãos da Mogyana. De um lado, liga Uberaba ao porto de Santos, onde a mercadoria aqui produzida pode ser levada a outras nações pelo Oceano Atlântico. De outro, liga Uberaba a Araguari e, de lá, ao Centro-Oeste e ao Norte do Brasil por outras linhas.
A linha Ibiá-Uberaba da EFOM
Além da linha Catalão da Mogyana, foco desta exposição, desde 1926, Uberaba possui também conexão com o centro de Minas pela ferrovia pelo ramal Ibiá-Uberaba, construído pela Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM).
A EFOM também daria acesso, pelo sul de Minas, à linha da Central do Brasil, que fazia ligação com o Rio de Janeiro e com o porto de Angra dos Reis. O comércio de Uberaba via nisso a possibilidade de uma concorrência com a Mogyana e o Porto de Santos, resultando na redução das tarifas de frete. Na prática, no entanto, isso não se concretizou. O despacho de mercadorias pela EFOM/Central do Brasil sempre foi precário e mais demorado do que pela Mogyana.
A estação chamada Uberaba da Oeste de Minas foi construída onde hoje é a rodoviária da cidade e, assim como a estação da Mogyana, foi palco de encontros e eventos importantes.
A constante mudança nos trilhos
Desde que o trem chegou a Uberaba, o traçado dos trilhos passou por alterações constantes por razões diversas. As primeiras alterações ocorreram pela própria extensão da chamada Linha Catalão, da Companhia Mogyana, que saía de Jaguara e passou a ir até Araguari. A chegada do ramal da Estrada de Ferro Oeste de Minas em 1926 também provocou muitas alterações. Além disso, ocorreu a troca de trilhos, a desativação de postos, como o Tiê, que eram usados para reabastecer as caldeiras das locomotivas a vapor e se tornaram desnecessários com a chegada da locomotiva diesel-elétrica. Também houve a criação de novas estações, a desativação de algumas e a transferência de outras.