HomeAmizades e causos
Amizades e causos
Remexendo as bagagens do trem encontramos muitas histórias de quem viveu nos tempos de plena atividade da ferrovia. São causos de romances, saudades, mistérios, outros que rendem boas risadas e até milagres atravessados pelo apito do trem. Se você gosta de uma boa história, então vem abrir algumas dessas bagagens e conhecer curiosidades da vida no entorno do trem.

Oi, gente! Calma, não precisa ter medo. Sou apenas uma moça que mora em uma curva, no caminho de Três Rios para Além Paraíba, e que sonha em se casar com um maquinista.

- Noiva Fantasma

Ouça no Spotify

Cruz das Almas

“O Bairro Cruz das Almas, localizado em Paraíba do Sul, recebeu esse nome por causa de uma triste história ocorrida no local. Um trem elétrico vindo em alta velocidade no trecho entre Vieira Cortês e Paraíba do Sul se chocou com um trem de carga. O acidente foi grave, e a maioria das pessoas ali presentes morreu. Depois disso, conta-se que era possível escutar vozes pedindo socorro e outras lamentações no local onde houve a batida. Os moradores acreditavam serem vozes dos falecidos, e, em homenagem a eles, foi colocada uma grande cruz no bairro, que passou a se chamar Cruz das Almas.”

História cedida por Gilson Rubens de Oliveira Strzoda. 

Um resgate inusitado

“Um dia aparentemente comum na ferrovia acabou com um acontecimento inusitado. Depois de um telefonema com pedido de socorro, os maquinistas Francisco Carlos Barreto e Sérgio Murilo foram encaminhados para resgatar alguns colegas que trabalhavam na via permanente. O controlador lhes disse “Tomem cuidado, parece que um bicho apareceu na mata”. Chegando ao local, os dois se depararam com uma cena cômica – se não fosse trágica. Seus companheiros ferroviários que haviam pedido socorro estavam agarrados no alto do poste com medo de um movimento visto na mata. Segundo eles, enquanto faziam reparos na beira da linha, um bicho começou a persegui-los, e a única alternativa encontrada foi subir nos postes pelo caminho. O evento deixou o trânsito das locomotivas parado na região de Andrade Pinto, mas, com a chegada do socorro, tudo ficou bem e os ferroviários que estavam em cima do poste foram resgatados. Até hoje não se sabe qual bicho causou essa bagunça toda, pois ele nunca foi encontrado.”

História cedida por Francisco Carlos Barreto.

Um dia sem sorte

“Os maquinistas e grandes amigos Jonas e Cebola estavam conduzindo um trem para Santos Dumont, quando a locomotiva estragou. Era só o início do que eles ainda passariam naquele dia. Com uma máquina, o controlador conseguiu puxar o trem deles para dentro do pátio para liberar a circulação das outras locomotivas. Mas, quando menos esperavam, outro trem desceu em alta velocidade e se chocou com a locomotiva em que eles estavam. Após o choque, o vagão de Jonas e Cebola desceu morro abaixo e foi parar longe. Quando finalmente conseguiram se levantar, os dois quebraram o vidro da janela do vagão para sair e buscar de ajuda. Enquanto caminhavam, encontraram no caminho o maquinista do outro trem, que explicou a causa do acidente: ele precisou frear a locomotiva em um cruzamento em direção a Benfica, mas alguém fechou a torneira do trem e o freio funcionou apenas para metade dos vagões. A outra metade descarrilhou e gerou o acidente. Diante disso, só restou aos três esperarem o resgate naquela madrugada fria de abril de 1983. Os envolvidos acabaram com alguns ferimentos, mas sobreviveram pra contar essa história.”

História cedida por Gilson Rubens de Oliveira Strzoda e Jonas Fontanelli.

Amor pela ferrovia

“Paulo era um ferroviarista apaixonado pela história do trem. Enquanto presidiu a ONG Amigos do Trem, ele trabalhou pelo sonho de ver o retorno do trem de passageiros, por meio do projeto turístico Trem Rio-Minas. A ONG liderou esse projeto, fazendo muitas viagens-teste para verificar as condições da estrada e observar quais seriam os reparos necessários. Durante uma dessas viagens (de Recreio até Cataguases), Paulo estava presente, mesmo sem poder: ele enfrentava um câncer e havia acabado de realizar sessões de quimioterapia. A viagem foi difícil, pois o trecho precisava de muitos reparos e, em uma das curvas da estrada de ferro, o trem ficou preso. Mesmo fraco por conta de sua condição de saúde, Paulo desceu do trem, pegou uma ferramenta e foi quebrando as pedras que via pela frente. Quem conta essa história é a sobrinha de Paulo, Cyntia, que hoje preside a ONG. Ela se emocionou ao ver o tio se doando daquela forma para ter de volta o trem de passageiros. Infelizmente, pouco tempo depois, Paulo faleceu e não pôde ver o desenrolar do seu projeto.”

História cedida por Cyntia Nascimento.

A onça que virou boi

Essa história é contada por Luciano assim: “Meu pai era maquinista e se chama Geraldo Barbosa. Ele conta que, por volta das décadas de 70 e 80, as tecnologias disponíveis na ferrovia eram muito diferentes. Eles tinham um telefone de caixa que sempre levavam nas viagens. Plugavam esse telefone nos postes da linha férrea para fazer a comunicação junto ao plantão na sala de operações ou algo parecido com isso. Certo dia, meu pai desceu da máquina para fazer uma ligação e comunicar que havia um trem apresentando problemas e pedir socorro. Só que, no meio da ligação, ele escutou um barulho estranho. A primeira reação dele foi subir no poste! Quando viu, já estava lá em cima e nem sabia como conseguiu subir tão alto e tão rápido. Ele estava certo de que era uma onça pronta para devorá-lo. Sem ter como pedir ajuda, já que o auxiliar de maquinista estava dentro da máquina e não o escutaria com o barulho da composição, ele precisou se virar. Começou a caçar o barulho com a lanterna no meio do mato e, de repente, percebeu que o que ele achava ser uma onça eram apenas alguns bois pastando tranquilamente”.

História cedida por Luciano Barbosa.

Dia da Saudade

O Dia da Saudade é uma festa tradicional dos ferroviários de Três Rios. Ela foi criada em 2008, quando o maquinista Francisco Barreto aposentou-se e decidiu fazer um churrasco com seus amigos maquinistas. O evento foi um sucesso e passou a ser realizado todo ano, recebendo também ferroviários de outras áreas.

O nome “Dia da Saudade” surgiu da sigla DDS, que significa “Diálogo Diário de Segurança” – prática feita todos os dias para reforçar as medidas de segurança nos trilhos. Barreto, resolveu fazer um “DDS” diferente, em que todos pudessem aproveitar um momento de lazer com churrasco e cerveja. Assim, representando esse momento de encontro dos ferroviários, a festa segue firme e forte como “Dia da Saudade”.

A celebração costuma acontecer todo dia 7 de setembro e é momento de celebrar, relembrar casos antigos e apreciar o dia junto dos antigos colegas de profissão.

Escoteiros Ferroviários da Central do Brasil 

No Brasil, havia duas Associações de Escoteiros Ferroviários. A 1ª foi fundada em Pernambuco em 1936 e a segunda pertencia à Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), criada com incentivos de Getúlio Vargas em 1942. Foi denominada Associação Geral De Escoteiros Ferroviários.  

A ligação dos escoteiros com os ferroviários foi pensada para estimular os jovens participantes do escotismo a se qualificarem como potenciais ferroviários. Apesar de terem uma vida ativa no começo dos anos 60, com o tempo, muitos grupos foram fechados ou transferidos para a União dos Escoteiros do Brasil (UEB). Grandes ferroviários como o Major Napoleão Alencastro Guimarães, diretor da estrada de ferro, e o engenheiro J. M. Andrade Sobrinho, chefe da Divisão de Ensino e Seleção Profissional da EFCB, destacaram-se como mentores dos escoteiros. 

Associação dos Escoteiros de Valença (RJ) 

Em 1978, foi inaugurada na região a Associação dos Escoteiros de Valença (RJ), conhecidos como Escoteiros Ferroviários da Central do Brasil. Ferroviários de Três Rios também se envolveram com essa Associação. Ela tinha como diretor o engenheiro Adalberto Jaime de Lóssio e Seiblitz e o chefe-escoteiro Jerônimo de Freitas Cosate. Em alguns documentos do grupo é possível encontrar o hino da EFCB.

Escoteiro caminha com as próprias pernas: o acidente de Caio Martins 

Uma história que não ocorreu em Três Rios, mas que circulou muito por todas as Associações de Escoteiros Ferroviários ao longo dos anos, foi o caso de Caio Martins. O escoteiro tinha 15 anos de idade, fazia parte do Grupo Escoteiro do Afonso Arinos e era monitor da Patrulha Lobo. No dia 19 de dezembro de 1938, durante uma excursão de BH a São Paulo, houve um acidente com o trem que levava o grupo. O motivo foi uma colisão de trens entre a Estação Sítio e João Aires. Houve muitas mortes. Os escoteiros ajudaram a fazer o resgate, confeccionando macas com tudo o que havia no local. Fizeram os primeiros socorros e aguardaram 5 horas até o resgate chegar. Um enfermeiro ofereceu uma das macas para Caio Viana, mas ele pediu para levar outra pessoa no lugar, pois “o escoteiro caminha com as próprias pernas”. Ele foi andando rumo à cidade de Barbacena – MG, mas, por causa de uma hemorragia interna, acabou não resistindo aos ferimentos. 

Clube dos ferroviários

Apelidado de Social Olímpico Ferroviário, esse clube era um dos principais locais de lazer dos trabalhadores. A propriedade, que pertencia inicialmente à Fazenda Cantagalo, foi primeiro utilizada pela Central do Brasil para a instalação da Escola profissional Jorge Franco. Depois do fechamento da escola, o espaço passou a ser utilizado para a construção do Clube. Possuía um campo, uma raia para jogo de malha e um grande espaço para eventos.

O jogo de malha

O Clube Social Olímpico Ferroviário tinha uma área destinada ao jogo de malha, principal esporte do espaço. O jogo consiste no arremesso de discos de aço ou ferro fundido, que precisam acertar pinos de madeiras. A malha é como é chamado o campo do jogo e tem 40 m x 1,30 m. Cada equipe tem oito jogadores, sendo quatro em cada extremidade da raia. Atualmente, o Clube Social Olímpico Ferroviário, filiado à Liga Sul Fluminense de Malha, participa e sedia campeonatos do esporte, recebendo times de variadas cidades do estado.

Praia nos rios

Em fevereiro de 1956, o rio Paraíba sofreu uma grande vazão que fez surgir uma área ribeirinha no final das ruas Quatorze de Dezembro e Barbosa de Andrade. A área foi apelidada de “Boca de Cano” e serviu para a diversão dos trirrienses, que passaram a realizar festas no local. Ferroviários e suas famílias também se divertiam nas prainhas nos dias de folga.

Teatro Amador em Três Rios

O movimento do teatro amador em Três Rios vem de longa data. Há registros de pessoas dedicadas a essa arte na região desde o século 20. Em 1913, foi criado o Grupo Dramático e Beneficente Dias Braga. No dia 21 de agosto de 1914, no Teatro SulAmérica, eles encenaram o drama em três atos “Condessa Diana de Rione” e a comédia em um ato “O Diabo atrás da porta”. Entre os nomes da composição cênica, destaca-se a participação do ferroviário Francisco Neves.

Banda 1º de maio

Ernesto Silvio de Mattos, Carlos dos Santos Vidal e Fiuza de Vaz Lima – respectivamente, operário, mestre e chefe do 3º depósito da Estrada de Ferro Central do Brasil em Três Rios – fundaram em 1º de maio de 1910 a Banda dos Operários. Composta por ferroviários, ela inicialmente levava esse nome, mas, pouco tempo depois, foi renomeada para Grêmio Musical 1º de Maio, em homenagem ao Dia do Trabalhador. Sua primeira apresentação pública foi realizada no dia 1º de maio de 1910 na Praça Oscar Weinschench, atual Praça da Autonomia, onde se tornaram constantes suas aparições aos domingos. A banda possuía um prédio destinado às suas atividades, inaugurado em 1937 e localizado na Rua Marechal Floriano, atual Rua Padre Conrado.

Banda ADAPTH

Os alunos do Centro de Formação Profissional, a escola da ferrovia, também foram protagonistas no mundo artístico. Cristiano Costa, Renato Estrada, Marco Ribeiro, Ivan Hiote, Wilciney, Jean Carlos e André Ribeiro (único não ferroviário) formaram a banda Adapth em meados de 1988, em Três Rios. O universo da ferrovia era a grande inspiração da banda, que foi a pioneira na cidade a gravar um LP com destaques musicais como “Thuramba Thure” do disco “De olho no mundo”.

Campo do Entrerriense

A sede do Entrerriense Futebol Clube, foi inaugurada em 1930, mas o Clube já estava em atividade desde 1925. Criado por ferroviários, os atletas realizavam os jogos no campo localizado no topo do Morro Áureo, cedido por empréstimo pela Estrada de Ferro Central do Brasil. A cessão foi feita por instância do seu agente Áureo Teixeira dos Santos, tendo como seu primeiro treinador o dr. Walter Franklin.

Compartilhe este conteúdo em suas redes sociais