As histórias da descoberta de Águas Santas
Diversas são as narrativas da descoberta. Em uma das histórias, dizem que José Rodrigues de Miranda descobriu uma mina de água nessa região no século 19 e construiu um tanque com a água que descia da serra, criando o “Ranchinho”, onde os moradores nadavam. Em outra versão, contam que um jovem saiu de casa para comprar remédio para a mãe. No caminho encontrou amigos e se esqueceu da missão. Como não teria mais tempo para comprar, encheu um frasco com água que descia da Serra e levou para sua mãe, que foi curada do mal que sentia. Há ainda a história do carioca farmacêutico Antônio Gonçalves Araújo Penna, que atendia nativos no fim do século 19. Um dia recebeu um escravizado com grandes feridas nas pernas e nos pés. Receitou uma pomada e solicitou que lavasse bem a ferida. O escravizado lavava suas feridas com a água da mina. Depois de um tempo ele foi curado. Araújo Penna ficou surpreso, pois a pomada não traria tanto efeito. Ele analisou a água e constatou que a mina tinha poder curativo.
Impressões de Águas Santas na segunda metade do século 19
Em 1868, a viagem do naturalista e estudioso inglês Richard Francis Burton a Minas Gerais certifica a existência da mina de água na região e suas propriedades medicinais. Em seu relato de viagem é mencionada a presença das “termas de São José” localizadas por detrás da Serra de São José: “Para além dos morros setentrionais, ficam as Caldas ou Termas São José, mais conhecidas como Águas Santas. Segundo Mrs. Copsy, as fontes têm uma temperatura de 22,2° e são ricas em carbonato de sódio; comparou-se às de Buton (33,3° F), boas para o reumatismo e ricas em muriato de magnésio e sódio.”
Já o escritor carioca Carlos Laert, em visita a Minas Gerais por volta de 1893, escreveu sobre o cotidiano de São João del-Rei e Tiradentes com suas impressões: “A parte norte, que vai se elevando, conduz às Águas Santas, local rodeado de montanhas, de uma água das quais desce o córrego, a que se atribuem propriedades medicinais. Das fontes que lhe dão origem uma é férrea, e as outras termais.”
Primeiros moradores de Águas Santas
No início do século 19, os primeiros moradores do então vilarejo de Águas Santas de São José foram os descendentes de portugueses José Rodrigues de Miranda e sua esposa, Delfina Maria de Boa Morte, que vieram da cidade de Barbacena. Nesse local, Capão do Urubu foi o nome dado à chácara em que o casal viveu com seus 11 filhos. A chácara era localizada aos pés da Serra de São José, no lado direito do hoje Balneário das Águas Santas e da Capela de Nossa Senhora da Saúde. Com o passar do tempo, o vilarejo, então chamado de Águas Santas de São José, em menção às águas termais e à Serra de São José, se tornaria somente Águas Santas.
Balneário das Águas Santas
Teve origem na descoberta de fontes de água mineral. Posteriormente, no final do século 19, o farmacêutico Antônio Gonçalves Araújo Penna construiu o balneário para oferecer tratamento gratuito nas águas termais. A responsabilidade de administrar o balneário ficou a cargo de José Rodrigues Miranda, que criou um lago para passeios de barco na década de 1920. Havia instalações sanitárias separadas para homens e mulheres, além de duchas. Na década de 1930, o lago foi desativado e substituído por uma piscina de cimento com áreas rasas e profundas, além de um trampolim de madeira. Ao longo do tempo, foram realizadas melhorias, incluindo uma piscina revestida de azulejos, duchas, banheiros e um bar.
Diversos foram os responsáveis por zelar pelo balneário. Pertencente a prefeitura, em 1972, essa entidade doou a Estância Balneária Araújo Penna ao Estado de Minas Gerais, sob a administração da Hidrominas. Atualmente, a Companhia de Desenvolvimento de Minas (Codemge) é a proprietária do complexo hidromineral.
Estação das Águas Santas – O trem das lavadeiras
Última parada do ramal do mesmo nome, a Estação foi construída para levar os moradores da comunidade local e de São João del-Rei para desfrutar das águas termais. Sua inauguração ocorreu em 1911, e a estação permaneceu em operação até 1966. Após sua desativação, a Estação foi demolida, e o local foi inundado por um lago artificial. Ao chegar à estação final, o maquinista desembarcava os passageiros e depois iniciava o procedimento de virada da locomotiva por meio do girador. A estação ficava próxima ao Balneário das Águas Santas, onde lavadeiras e passadeiras utilizavam o transporte ferroviário para levar trouxas de roupas até São João del-Rei. Por esse motivo, esse ramal ficou conhecido como “Trem das Lavadeiras”. Atualmente, em frente ao balneário fica a asa das Águas, de responsabilidade do Instituto Estadual de Florestas, que preserva a história e a geodiversidade das unidades de conservação da APA São José e Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José.
A Capela Nossa Senhora da Saúde
Tem sua origem com a chegada da família Araújo Penna à Fazenda das Águas Santas, em 1889. A pedido do farmacêutico Antônio Gonçalves Araújo Penna, foi inaugurada em 1915 uma capela dedicada à Nossa Senhora da Saúde, pois sua esposa havia se recuperado de uma doença. Em 1920, após a morte de Araújo Penna, sua esposa e filhos doaram a capela aos frades franciscanos de São João del-Rei. Até a década de 1960, moradores dos atuais bairros de São João del-Rei de Giarola e Colônia do Marçal utilizaram o serviço ferroviário do ramal Águas Santas também para participar das missas na capela e festas religiosas, como a festa em honra a São Pedro e São Paulo em 29 de junho, com missas solenes, procissões e barraquinhas, onde eram vendidas as mexericas da Família Longatti e os doces da família de Francisco Rodrigues de Carvalho, Senhor Chico, morador do local.
“O pai da Dona Delfina foi uns dos primeiros moradores de Águas Santas, o José Rodrigues de Miranda. Não existem informações escritas sobre o Zé Rodrigues de Miranda. Os poucos dados colhidos são registros da certidão de óbito e as informações orais dos netos da Delfina Passos Vieira e o Francisco Rodrigues, que era o primo dela que morava aqui também, que eu não vi. A família morava aqui; a família é grande.
Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, bibliotecária aposentada, pesquisadora e moradora de Águas Santas.
“O Araújo Pena praticamente descobriu o Balneário. Ele era carioca; tinha uma situação de vida muito boa, porque na época o povo daqui era miserável. Ele fez a piscina para o pessoal nadar, construiu os banheiros. Com o tempo, depois foi mudando de gestão e melhorando a estrutura do Balneário. […] A gente passeava em Águas Santas, vinha de carro com meus irmãos. Eu sou caçula, então meus irmãos mais velhos sempre tiveram carros.”
Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, bibliotecária aposentada, pesquisadora e moradora de Águas Santas.
“Tinha a queda-d’água que formava o lago, tinham as pessoas que se banhavam ali e tinham curas de doença de pele. Fez a piscina de cimento ácido, porque antes a gente machucava, arranhava, sabe? Mas a piscina era rasa e tinha uma parte funda, que chegava de repente. Você ia até lá no fundo, quase morria de susto.”
João Bosco Barbosa, aposentado, filho de Chefe da Estação de São João del-Rei.
“O trem era o meio de transporte para o pessoal de Águas Santas. O trem saia de São João del-Rei, parava em Chagas Dória, depois passava na frente da Igreja de Matozinhos, seguia reto, passava no pontilhão, sob o rio das Mortes, já no caminho para Águas Santas. Não tinha ônibus direito naquela época; inclusive, o pessoal fazia a pé ou de trem. O ônibus era muito raro.”
Carlos Fernando Santos Braga, administrador e morador de Águas Santas.
“Tem várias histórias, várias lendas das pessoas que iam passando no riacho, que tinha a perna doente e aí de repente a perna ficou boa. Tem a chegada do Araújo Pena e, a partir disso, foi descobrindo o poder das águas daqui.”
Carlos Fernando Santos Braga, administrador e morador do bairro de Águas Santas.
“As pessoas iam para o balneário para nadar. Nas Águas falavam que a água era benta, passava nas pernas, tomava ducha no corpo. Vinha muita gente pegar a água, vinham de São João. Era uma água boa para a saúde, curava as pessoas. Aí era muito bom, ajudava muito. Daí depois acabou isso, de ir pegar água.”
Maria Trindade Rezende Souza, moradora do bairro César de Pina.
“Eu ia uma vez por mês em Águas Santas para ir à missa. Ia todo mundo da região daqui. A gente pegava o trem para ir e voltar. Quando acabava a missa, Seu Chico estava lá vendendo seus biscoitos e, principalmente, pudim – aqueles pudins que tremia, a gente até ficava doido com aquilo. A gente ia na Igreja de Nossa Senhora da Saúde também nos dias de Festa de São Pedro e São Paulo. Íamos todos de trem.”
Ivone da Conceição Longatti, moradora do bairro Colônia do Giarola de São João del-Rei.
“Nós usávamos o trem para ir à missa, nas Águas Santas, na Igreja da Nossa Senhora da Saúde. A gente ia de trem, pegava o trem aqui na Estação de César de Pina e ia. Aí o dia que a gente não tinha dinheiro pra poder ir no trem, a gente ia a pé. Mas a gente pegava a linha e ia e depois a gente voltava do Balneário. O Balneário ficava entre a linha e a estação.”
Maria Trindade Rezende Souza, moradora do bairro César de Pina.
Filhos e netos de Sr. Araújo Penna e Dona Joanna ao lado dos banheiros públicos do Balneário, datado de 1909. Autoria desconhecida, 1909. Acervo Família Araújo Penna. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Fachada da Capela Nossa Senhora da Saúde. Autoria desconhecida, 1989. Acervo Família Araújo Penna. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Capela Nossa Senhora da Saúde, restaurada. Autoria desconhecida. Década de 1990. Acervo Família Araújo Penna. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Pontilhão sobre o rio das Mortes no ramal de São João del-Rei à Águas Santas. Autoria desconhecida, década de 1940. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Balneário de Águas Santas.
Autor desconhecido, década de 1980. Acervo Luiz Cruz.
Balneário de Águas Santas. Autor desconhecido, década de 1980. Acervo Luiz Cruz.
Vista do balneário – década de 1960. Autoria desconhecida. Acervo Família Abreu. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Missa ao ar livre na Capela Nossa Senhora da Saúde. Autoria desconhecida, 1960. Acervo Família Rodrigues de Carvalho. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Crianças na borda da piscina do balneário – década de 1950. Autoria desconhecida, sem data. Acervo Luiz Antônio Ferreira. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Estação das Águas Santas com crianças e os frades franciscanos. F. Franciscano, 1948. Acervo de Fernando Braga. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Piscina e trampolim no balneário – década de 1960. Autoria desconhecida. Acervo Família Abreu. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Balneário das Águas Santas na década de 1940. Autoria desconhecida, sem data. Acervo Família Antônio Hipólito e Maria José Moura do Nascimento. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.
Estação Águas Santas. Autoria desconhecida, década de 1950. Livro Águas Santas, memórias de uma época em nossos corações, Maria do Carmo Lopes de Oliveira Braga, 2019.