FERROVIA NO BRASIL
A primeira ferrovia do Brasil buscou interligar as áreas produtoras de matérias-primas com aos portos, para facilitar o escoamento. Em 1854, foi inaugurada a Estrada de Ferro D. Pedro II, no Rio de Janeiro, que depois passou a se chamar, em 1889, Estrada de Ferro Central do Brasil.
Em 1930, durante o governo Vargas, as rodovias ganharam prioridade sobre as ferrovias, e os investimentos estagnaram. Esse cenário mudou sob o presidente Kubitschek (1956-1961) que intensificou os investimentos ferroviários ao mesmo tempo em que estimulou a indústria automobilística e criou a Rede Ferroviária Federal S/A. Todavia, o incentivo ferroviário durou pouco. A partir da década de 1960, durante a ditadura militar, muitos ramais ferroviários foram eliminados, por serem considerados inviáveis economicamente. Em 1990, a privatização da linha férrea teve início e atualmente conta com 13 malhas regionais, operadas por concessionárias privadas ou por empresas públicas de capital aberto.
Funcionários na década de 1920 na Baroneza, primeira locomotiva a trafegar no Brasil na Estrada de Ferro de Mauá, inaugurada em 1854. João Emilio Gerodetti e Carlos Cornejo, sem data. Acervo pessoal.
O QUE CHEGA QUANDO O TREM PASSA
A ferrovia chegou ao Brasil junto às novas tecnologias e ideias incorporadas à lógica mundial durante a Segunda Revolução Industrial, como a crença na universalização do desenvolvimento econômico. A construção e a expansão dos eixos ferroviários e dos telégrafos não só reacendeu como deu bases concretas ao sonho do progresso que já fazia parte do imaginário brasileiro. As distâncias diminuíram; os interiores e as capitais foram interligados; pessoas e mercadorias podiam chegar mais longe, com mais rapidez e segurança. A comunicação foi otimizada, e o acesso à informação foi facilitado.
O TELÉGRAFO
A tecnologia das linhas férreas e trens a vapor chegou ao Brasil com outra inovação tecnológica que revolucionou a comunicação no país: o telégrafo, que permitia o envio de mensagens a longa distância de maneira rápida e eficiente. Seu funcionamento se baseia na transmissão de sinais elétricos por um fio condutor. Com a utilização do código Morse, as mensagens eram convertidas em textos legíveis.
O telégrafo foi incorporado ao funcionamento das ferrovias, permitindo a comunicação entre diferentes estações ferroviárias, o rastreamento preciso de trens, a programação eficiente de horários e a resposta imediata a eventos inesperados.
Maquinista Moacir Silveira sentado à mesa do telégrafo, no interior da Estação Tiradentes. Autor desconhecido, 1985. Acervo de Moacir Silveira.
Agente da Estação de Tiradentes, João Carlos, utilizando o telégrafo. José Geraldo Caldas, década de 1970. Acervo pessoal.
OS CORREIOS
O transporte de cartas e correspondências era feito pelo trem, que contava com um vagão próprio para isso, chamado Vagão dos Correios. As correspondências eram entregues na agência da estação e eram recolhidas pelo trabalhador dos Correios para serem levadas aos seus destinatários. O vagão dos Correios também trazia jornais e revistas vindos do Rio de Janeiro, que até 1960 foi a capital do Brasil.
“No trem tinha o carro do Correio e era um vagão separado. Eu ia lá, comprava um jornal que chamava O Jornal do Brasil e O Globo. Eu e meu pai líamos tudo. Esses jornais vinham do Rio de Janeiro. É por isso que o pessoal acima de 50 anos por aqui em Minas e principalmente em São João del-Rei torce muito mais para times cariocas do que para times mineiros… A gente só tinha notícia do Rio de Janeiro.”
Waldonier Trindade Fonseca, funcionário público de São João del-Rei e filho do ex-Chefe da Estação Ferroviária de Tiradentes.
A CERÂMICA
A cerâmica foi o principal produto de Tiradentes a ser transportado e distribuído pelo trem de ferro. Fundada pelo imigrante italiano Alberto Paolucci por volta de 1913, a Fábrica Cerâmica Progresso Industrial Ltda foi a maior fonte de emprego na cidade durante primeiras décadas do século 20. Construída estrategicamente em um espaço próximo à Estação Tiradentes, os tijolos, pisos e telhas de várias modelagens que ali eram produzidos eram vendidos em várias partes do Brasil. A produção e o escoamento da cerâmica foram tão expressivos para a economia da região que foi adicionado um desvio à linha férrea que adentrava a fábrica, facilitando o carregamento dos vagões.
Fábrica Cerâmica Progresso Industrial Ltda. – década de 1990
Luiz Cruz, década de 1990. Acervo do autor.
Plataforma da Estação de Tiradentes e desvio ferroviário para a Fábrica Cerâmica Progresso Industrial Ltda. Humberto Paolucci, 1976. Acervo familiar.
ANIMAIS, ALIMENTOS E PRODUTOS ARTESANAIS
Em menor escala, partiam da cidade cargas alimentícias, como frutas e leite, e cargas vivas, como cavalos e porcos. Produtos do mesmo tipo também desembarcavam aqui. Além dessas cargas, os trens também transportavam pequenos produtores e vendedores de queijos, doces, frutas, tecidos, dentre outras coisas, que vinham no vagão de passageiros com o objetivo vender seus produtos nas cidades onde o trem parava.
PRODUTOS INDUSTRIAIS
O processo de industrialização do final do século 19 modificou as práticas alimentares dos brasileiros. Produtos alimentícios antes fabricados artesanalmente passaram a ser tratados em processos industriais. Esses alimentos industrializados eram transportados pelo trem. Era comum que suas fábricas ficassem próximas às estações ferroviárias. Na mesma época, também surgiram as estamparias industriais, que produziam embalagens, latas e rótulos desses produtos, como manteigas, balas, doces, caramelos, bebidas e compotas de frutas, atreladas a práticas publicitárias, com cores vivas e desenhos chamativos.
A principal técnica de ilustração dessas embalagens era a litografia, uma forma de produzir gravuras sobre uma base de pedra calcária utilizando lápis e pincéis gordurosos.
Era comum que as estampas litográficas das embalagens fizessem referência à cidade de sua produção, à estação ferroviária do local ou à estrada de ferro que seria seu principal eixo de distribuição.
Impressão de rótulo de lata de manteiga produzida em Prados-MG. Estamparia industrial em Juiz de Fora, sem data. Catálogo Litográphico – Litografia de Lotus Lobo, 2018.
Embalagem de produtos com a marca EFOM e a identificação da localidade produtora. Estamparia industrial em Juiz de Fora, sem data. Livro Memória Ferroviária, Luiz Antonio da Cruz, 2016.
CASA DE GRAVURA LARGO DO Ó
Em 1984 foi inaugurada em Tiradentes a Casa de Gravura Largo do Ó, um ateliê e espaço para residências artísticas, especializado na produção da litografia artística.
A Casa era um lugar de efervescência cultural, valorização e fomento da arte local, surgimento de ideias, de ações sociais e de intervenções comunitárias. Os artistas fundadores da Casa, Lotus Lobo, Fernando Pitta e Maria José Boaventura, estiveram com outros participantes engajados nas movimentações de 1991 em defesa da manutenção do funcionamento do trem de ferro.
Para valorizar a identidade e a produção artesanal, artística e arquitetônica da região, todas muito associadas ao trem de ferro, a marca da Casa de Gravura Largo do Ó foi criada pela artista visual Maria José Boaventura, formada por uma estrela e inspirada em detalhe da ornamentação da Estação Ferroviária da EFOM, em São João del-Rei.