O entorno da Estação sempre reuniu diversão, esporte, comércio e música. São por essas memórias de encanto, que deixaram tantas alegrias, que vamos percorrer. Do time de futebol ao grupo musical, o ir e voltar do cinema. Sem esquecer da Casa de Cacos. O suspense também está presente: quem já ouviu as histórias do lobisomem de Bernardo Monteiro por aí? Deu medo? Nada que um bailinho no Adibem, ao som da Liverpool, não resolva.
Vem cá, eu não mordo! Vou te contar um pouco das minhas andanças por Bernardo Monteiro.
“O centro da cidade era a praça da estação. Tudo acontecia ali na estação Bernardo Monteiro. A Estação Bernardo Monteiro tinha o correio da cidade, tinha o Bar do Espanhol e um outro bar, o Bar do Gradim, que era na estação. Do outro lado as festividades todas da igreja. Então era uma praça dentro da estação, tudo acontecia ali. E atrás da igreja tinha o salão da Adibem.. As festas aconteciam todas ali…”Ailson Leite, morador de Bernardo Monteiro.
Zé Gomes
“Eu ia muito na casa de umas meninas filhas do pessoal da turma. A gente ficava conversando e quando escurecia, elas vinham me trazer na estação. Eu lembro uma vez que a gente estava vindo e o cachorro delas vinha atrás, acompanhando a gente. No rumo da casa do homem que falavam que virava lobisomem, o cachorro empacou e voltou igual uma faísca pra trás… A gente até então não tinha visto o porquê que o outro voltou correndo. E nós vimos um cachorro grandão atravessando a linha, ele subiu a escada e desapareceu. Nós ficamos: será que era o Zé Gomes?” Maria das Graças Silva Costa, filha do ferroviário aposentado Versiano Alves da Silva e moradora da região
Granja Adélia Esporte Clube
Tudo começou por volta de 1930, os amigos Mathias Lobato, Mendes, Zé dos Santos, Carlos de Sá, Zé Aleixo, Clóvis e Helvécio fundaram o clube Granja Adélia, para disputar jogos contra outros times amadores. Disputavam com times tanto da região, como o Rio Negro, o Comercial e o Bela Vista, quanto com “times de fora”. A cidade tem hoje mais de 100 times de futebol amador ativos, sendo o Granja Adélia o mais antigo. Em 2021, o Conselho Municipal declarou o time como Patrimônio Cultural Imaterial do Município, destacando sua importância na história da cidade e, também, sua função social, ao oferecer esporte, lazer e interação entre a população.
JOGO DO GRANJA CONTRA O COMERCIAL, 1989, CAMPO DO GRANJA ADÉLIA
Autoria desconhecida, 1989. Disponível no livro Meu Bernardo Monteiro, 2018
TIME DE VETERANOS DO GRANJA
Da esquerda para a direita, em pé: Pelé Chumbeira, Eli, Silvão, Xitão, Zé da Cruz, Batata, Jairo, Afonsinho e Adair. Abaixado: Lau, Robson, Lucas, Grego, Zé da Copa e José Eustáquio Leite
Autoria desconhecida, segunda metade do século 20. Disponível no livro Meu Bernardo Monteiro, 2018.
PRIMEIRO BRASÃO DO GRANJA ADÉLIA ESPORTE CLUBE
Autoria desconhecida, 1941. Acervo do Granja Adélia Esporte Clube.
VETERANOS DO GRANJA ADÉLIA ESPORTE CLUBE
Autoria desconhecida, século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
VETERANOS DO GRANJA ADÉLIA ESPORTE CLUBE
Autoria desconhecida, século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
VETERANOS DO GRANJA ADÉLIA ESPORTE CLUBE
Autoria desconhecida, século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
JOGADORES AMADORES DO GRANJA
Da esquerda para a direita: Lucas, Guinho e Marcelo. Autoria desconhecida, maio de 1980. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
MARCINHO CAPUCHO, GOLEIRO RESERVA DO GRANJA
Autoria desconhecida, 1982. Arquivo pessoal de Maria Luiza Leite.
Venda do Espanhol
A Mercearia São Bernardo, mais conhecida como Venda do Espanhol, ficava nos arredores da Estação. Era um tipo de comércio que “tinha de tudo”, de grãos a cadernos escolares. O Sr. Izidro Alvarez Falagã, o “Espanhol”, e sua esposa, Dona Cleusa Marques Freitas Cunha, atendiam os fregueses e dirigiam o estabelecimento, que abastecia grande parte das necessidades dos moradores e era uma referência local, inclusive para passageiros e funcionários da Estação. Ali em frente, foi instalado o primeiro telefone público da região. Logo ao lado, ficava o Bar do Bolão, famoso pelos seus forrós animados. Com a construção da Via Expressa, em 1989, a Venda do Espanhol teve de ser fechada.
COMÉRCIO DO ESPANHOL E O BAR DO BOLÃO AO LADO
Autoria desconhecida, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Alberto Dolisco.
Os “bailinhos” na Adibem
Um clube de dança animado marca a memória dos moradores dos anos 1970 e 1980. Palco das aguardadas “horas dançantes” e de bailes aos finais de semana, o salão ficava logo atrás da Capela Imaculada Conceição, no segundo andar do prédio onde hoje funciona o Abrigo Bela Vista, e era referência na região. No andar de baixo ficava o ambulatório e, em cima, o salão da Associação de Defesa dos Interesses do Bairro de Bernardo Monteiro (Adibem). Além dos bailes, o salão também recebia ensaios e apresentações de um grupo jovem que logo seria uma das principais bandas de baile de Minas Gerais: a Liverpool.
“Tocava então a ‘hora dançante’. Realmente aí que começava os namoros.” Maurício dos Santos de Jerusalém, antigo morador da região.
“Normalmente tinha música todo sábado, com música mecânica, outros conjuntos, mas o Liverpool era o top.” Agostinho Lopes Ferreira, morador de Bernardo Monteiro
“A gente tocava na Adibem uma vez, duas vezes por mês. Porque a gente viajava muito também. Era prioridade fora, né? E inflacionava o bairro. Os bailes começavam às dez horas da noite, quando era dez e meia tinha duzentas, trezentas pessoas lá dentro. Não tinha jeito de entrar mais. Era igual lata de sardinha.”Marcelo Dolisse, morador da região de Bernardo Monteiro.
APRESENTAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL NO ADIBEM
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
APRESENTAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL NO ADIBEM
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
APRESENTAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL NO ADIBEM
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
APRESENTAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL NO ADIBEM
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse
APRESENTAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL NO ADIBEM
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
Banda Liverpool
Interpretando músicas de sucesso, a banda Liverpool foi formada em 1972 pelos músicos José Laerte Gusmão, Marcelo Dolisse, Marco Antônio Cunha, Marco Antônio Gomes, Nelson Medina e Robson Penido. O grupo tocou até os anos 2000 e era sucesso de público. Moradores de várias regiões acompanhavam os ensaios e os shows da banda em Bernardo Monteiro. Seus maiores shows foram nos anos 1990, com audiência de até 120 mil pessoas. Apesar da procura de empresários e do sucesso da banda, ela se desfez em 2004. Sua qualidade técnica, porém, segue na memória e no coração de quem dançou nos bailes aos sons de suas músicas.
“O Márcio, nosso segundo cantor, você não acredita… ele falava rouco, mas quando o cara abria a boca para cantar, o pessoal parava de dançar quando ele terminava para aplaudir. Era impressionante! Ele foi, inclusive, cotado para ir para [a gravadora] Vitória Régia, do Tim Maia.” Marcos Antonio Gomes, morador de Bernardo Monteiro
“Começamos a tocar no bairro. A Adibem chamava Ambulatório. Primeiro clube de CJ, era clube de jovens. O Airton Godoy já faleceu, é o cara que montou… esses caras tudo deram força pro Liverpool.” Marcelo Dolisse, morador da região de Bernardo Monteiro.
PRIMEIRA FORMAÇÃO DA BANDA
Com: Marcelo, Nelson, Medina, Adão, Laerte, Robson e Marcos Gomes.
Hugo Domenico Dolisse, 1971. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
PRIMEIRA FORMAÇÃO DA BANDA
Com: Marcelo, Nelson, Medina, Adão, Laerte, Robson e Marcos Gomes.
Hugo Domenico Dolisse, 1971. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
GRANDES APOIADORES DA BANDA
Da esquerda para a direita: Silvão, Hugo Domenico Dolisse e Carlos Algusto
Autoria desconhecida, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
A BANDA EM SUA KOMBI
Da esquerda para direita: Robson, Jaime, Laerte, Marcelo, Edson e Marquinhos. O veículo pertenceu à Liverpool entre as décadas de 70 e 80, sendo substituído, em 1981, pelo primeiro ônibus da banda.Hugo Domenico Dolisse, 1972. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
FORMAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL
Da esquerda para a direita: Jaime, Laerte, Edson, Marcelo, Marquinhos e Robson.
Hugo Domenico Dolisse, 1972. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
EQUIPAMENTOS DA BANDA LIVERPOOL
Hugo Domenico Dolisse, 1978. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
APRESENTAÇÃO NO CLUBE PAROQUIAL DE DIVINÓPOLIS
Da esquerda para a direita: Jaime, Edson, Laerte, Marcos Gomes, Marcelo e Robson.
Hugo Domenico Dolisse, 1980. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
SHOW NO IATE CLUBE DE ITAÚNA
Formação da banda da esquerda para a direita: Marcelo, Rogério, Márcio, Marcos, Jaime, Toninho e Zé Eustáquio.
Hugo Domenico Dolisse, 1980. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
ENSAIO DA BANDA NA CASA DE HUGO DOMENICO DOLISSE, COM PLATEIA NA RUA
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
ENSAIO DA BANDA NA CASA DE HUGO DOMENICO DOLISSE, COM PLATEIA NA RUA
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
ENSAIO DA BANDA NA CASA DE HUGO DOMENICO DOLISSE, COM PLATEIA NA RUA
Hugo Domenico Dolisse, segunda metade do século 20. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
BANDA E O ÔNIBUS LIVERPOOL
Da esquerda para a direita: Alberto, Dário, Marquinhos, Horácio, Rogério e Mauro.
Hugo Domenico Dolisse, dezembro de 1981. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
SEGUNDO MODELO DE ÔNIBUS DA BANDA LIVERPOOL
Da esquerda para a direita: Jerry e Alemão.
Hugo Domenico Dolisse, junho de 1984. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
BANDA LIVERPOOL, APRESENTAÇÃO EM JABAQUARA, Da esquerda para a direita: Marcos, Laerte, Marcelo, Robson, Jaime e Adão. Hugo Domenico Dolisse, 1988. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
APRESENTAÇÃO DA BANDA NO CARNAVAL DE MATOZINHOS, MG.
Autoria desconhecida, 1995. Arquivo pessoal de Marcos Antonio Gomes.
APRESENTAÇÃO DA BANDA LIVERPOOL EM MONTES CLAROS, MG.
Autoria desconhecida, 1996. Arquivo pessoal de Marcos Antonio Gomes.
APRESENTAÇÃO DA BANDA NO CARNAVAL DE MATOZINHOS, MG.
Autoria desconhecida, 1998. Arquivo pessoal de Marcos Antonio Gomes.
APRESENTAÇÃO DA BANDA NO CARNAVAL DE MATOZINHOS, MG.
Autoria desconhecida, 1998. Arquivo pessoal de Marcos Antonio Gomes.
SHOW EM FESTA DE RÉVEILLON NO RETIRO DAS PEDRAS
Da esquerda para a direita: Pil, Lis Eulália, Flávio, Walaci, Marquinhos e Leão.
Autoria desconhecida, 2000. Arquivo pessoal de Marcos Antonio Gomes.
Cartazes da Banda
Isso, divisa de São Paulo. Não tem a data, mas esse cartaz é da década de 80 mais ou menos. Esse eu guardei na minha partitura quando tava indo embora. Eles pregavam no poste, sabe? Todo mundo tinha carro, aí passava no poste e via o convite. A única coisa ruim ai é melhor conjunto musical de ‘Belo Horizonte’, mas Contagem era roça na época, né? Há 40 anos atrás, eles não iam colocar que a banda era de Contagem, ninguém ia saber onde era, ninguém ia não. Depois que apresenta, volta e vai com Contagem escrito. Tudo na minha época foi assim, você tinha que ver pra crer.
Marcelo Dolisse, morador da região de Bernardo Monteiro e integrante da banda Liverpoo
PANFLETO DE MESA QUE FAZIA PROPAGANDA DA BANDA
Da esquerda para a direita: Rogério, João, Edson, Jaime, Marcelo, Eustáquio e Marquinhos.
NW Shows & Promoções, 1980. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
PANFLETO ANUNCIANDO SHOW DA BANDA LIVERPOOL
Autoria desconhecida, 1980. Arquivo pessoal de Marcelo Dolisse.
O Cinema
O Conjunto Teatro União Contagense deu início à construção do primeiro Cine Teatro da cidade em 1890. O cinema chegou em Contagem em 1916. O primeiro prédio foi demolido em 1964 e em 1969 uma nova edificação encantou os moradores. A garotada pegava o trem em Bernardo Monteiro, descia na Praça Tiradentes e depois andava até o cinema, na Praça Silviano Brandão. Se o horário do trem não colaborava, o jeito era voltar a pé ou fazer hora na cidade até voltar. Tombado em 2001, fechado em 2011, em 2023 foi restaurado e renomeado como Cine Teatro Tony Vieira, em homenagem ao ator contagense que ganhou destaque no cinema nacional por volta de 1960 e 1970.
“Tudo era em Contagem. Você ia lá assistia o filme, cê já vinha pra estação e chegava junto com o trem, e já voltava. O horário parece que era combinado. Tipo assim, ele ia duas horas, assistia matinê e quatro horas o trem tava voltando. Aí já tinha terminado o matinê, cê já pegava o trem e já voltava. Era muito bom, tá? Eu aproveitei bem, viu? Não posso reclamar.” Maria das Graças Silva Costa, filha do ferroviário aposentado Versiano Alves da Silva e moradora da região
PRAÇA SILVIANO BRANDÃO
Autoria e data desconhecidas. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG.
ANTIGO PRÉDIO DO CINE TEATRO MUNICIPAL, SÉCULO 20
Autoria e data desconhecidas. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível na revista de educação patrimonial Por Dentro da História, edição 4. Publicada em agosto de 2011, Contagem, MG.
NOVO PRÉDIO DO CINE TEATRO CONTAGEM, INAUGURADO EM 1969
Autoria e data desconhecidas. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG.
MÁQUINA DE PROJEÇÃO DO CINE TEATRO
Autoria desconhecida, ano desconhecido. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG.
INTERIOR DO CINE TEATRO NO DIA DA INAUGURAÇÃO
Autoria desconhecida, ano 1969. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG.
Casa de Cacos
Criada a partir da década de 1960 por Carlos Luiz de Almeida, fundidor de tubos e geólogo, a Casa de Cacos é uma construção em que os cômodos e objetos são revestidos com mosaicos de cacos de louça. Ao longo de 26 anos, Carlos andava de trem com uma sacola cheia de cacos de porcelana, azulejos, cerâmica e afins para construir a casa. Os vizinhos doavam pratos, xícaras e porcelanas quebradas ao artista, que muitas vezes entregava material escolar em troca. Em 1973, a rua onde a casa se encontra foi nomeada com o nome da mãe do artista, Ignêz Glanzmann Almeida. Vinte anos depois, em 1993, a edificação foi declarada de utilidade pública pela prefeitura e, em 2000, tombada. Desde 2022, após restauração, está aberta para visitação pública.
“Quando quebrava eu levava. Tem até o bulezinho aí. Eu quebrava a xícara e uns pratinhos do conjunto e falava ‘Vamos levar pra Casa de Cacos’. Isso aqui tinha um jogo. Isso é porcelana pura [apontando para partes do mosaico]. Minha mãe falava ‘pode comer, mas não deixa cair não’. Eu deixava de propósito para levar para lá”. Helena Maria de Queiroz, moradora da região.
“Eu lembro de guardar os cacos, pra trocar por caderno, por lápis, que ele dava… Ele não conseguia adquirir todo aquele material que ele tinha lá… Então trocava por caderno e borracha, incentivando as crianças”. Fernando Rocha, morador da região.
Meu pai já trouxe, mas porque já tinha quebrado mesmo, não quebrou de propósito. Agora o próprio Seu Carlos ia no restaurante e quebrava de propósito, a ponto de chamarem a atenção dele: ‘Ô Seu Carlos, não faz não, tá dando prejuízo. Quando quebrar a gente entrega.’ E ele também não tava nem aí [risos].Edilene Luzia dos Santos (Lenna Santos), filha do ferroviário aposentado Vicente dos Santos e moradora da região.
CARLOS LUIZ DE ALMEIDA EM FRENTE A CASA DE CACOS
Autoria desconhecida, década de 80. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível na revista de educação patrimonial Por Dentro da História, edição 6. Publicada em agosto de 2015, Contagem, MG.
CASA DE CACOS AINDA SEM MODIFICAÇÕES SIGNIFICATIVAS
Autoria desconhecida, início da segunda metade do século 20. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível na revista de educação patrimonial Por Dentro da História, edição 6. Publicada em agosto de 2015, Contagem, MG.
CARLOS LUIZ DE ALMEIDA ENSINANDO CRIANÇAS A FAZER VASOS DECORADOS
Autoria desconhecida, segunda metade do século 20. Acervo Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível na revista de educação patrimonial Por Dentro da História, edição 6. Publicada em agosto de 2015, Contagem, MG.
POEMA AGOSTINHO
A IGREJINHA LOGO ACIMA
NÃO FALTAVA CELEBRAÇÃO
O LOCAL ERA CONHECIDO
COMO PRAÇA DA ESTAÇÃO
POUCOS LEMBRAM DO VELHINHO
CUJO NOME ERA “ZÉ GOME”
CONFORME A LENDA LOCAL
ELE VIRAVA LOBISOMEM
PARECIA ATÉ UM SONHO
Trechos do poema “A Estação”, de Agostinho Lopes Ferreira, feito especialmente para a exposição
Histórias da gaveta
Onde guardamos alguns dos “causos” que compõem esse mosaico colorido e cheio de detalhes que são as memórias das vivências em torno da nossa Estação. Fique à vontade para remexer nessa gaveta de histórias, completando-a com suas próprias lembranças e com seus desejos para o futuro.
Porque Contagem das Abóboras?
Diz que o nome ‘San Gonçalo da Contagem das Abóboras’ explica-se pela devoção ao santo português protetor dos viajantes. ‘Contagem’ porque ficava próxima ao registro e, finalmente, “das Abóboras” em razão do ribeirão local. Portanto, um nome essencialmente religioso, onde o aspecto político-econômico é uma mera decorrência para esclarecer com precisão o lugar exato”. José João Teixeira Coelho, escritor, em Contagem: Origens
Em outras palavras, o nome surgiu graças à construção de um posto fiscal, em 1701, pela Coroa Portuguesa, às margens do Ribeirão das Abóboras. O posto fazia a contagem do gado que vinha da região do Rio São Francisco em direção à região das minas (Ouro Preto e Mariana). Além disso, como a maioria dos povoados do século 18, a cidade teve início em torno da capela do santo padroeiro, lembrado no nome de “Sam Gonçalo da Contagem das Abóboras”.
O lobisomem que tomava leite
“Os meninos próximo à Estação falavam que tinha um senhor chamado Zé Gomes, que virava lobisomem. Nessa época, tinha um caminhãozinho com tanque de leite de vaquinha da região. Então eu fui, muitas vezes, o portador do Zé Gomes para buscar o leite, porque eu não tinha medo não. A gente ia lá em cima, em frente a igrejinha, e eu pegava a leiteirinha, ficava lá todo mundo esperando. Aí chegava o [veículo] vaquinha, e cada um já tinha até umas garrafinhas. Pegava o leite e levava para casa. Então eu busquei muito leite pro Zé Gomes. Ele morava próximo da estação também. Era uma casa muito antiga, sabe? A casa era realmente muito sinistra e a vida dele mais ainda. Nessa época ele já tinha uns setenta e cinco anos, andava de bengalinha e tinha unhas mal cuidadas, sabe? Vivia aquela vidinha eremita mesmo. E o povo falava que ele virava lobisomem. Nunca vi ele sair daquela casinha. Ele morava sozinho.” Agostinho Lopes Ferreira, morador de Bernardo Monteiro
Os pomares do lobisomem
“A hora que um falava: ‘o Zé Gomes vai aparecer aqui e vai vir aqui’, todo mundo ó, saia correndo! Mas nossa casa dava fundo com a dele, então a gente entrava no quintal dele e comia as frutas lá dentro! Morrendo de medo dele aparecer. Na quaresma, coitado, ele estava velho, ficava aí na rua, o povo: ‘não, ele está cansado, porque trabalhou a noite inteira’! Ficava na Estação ali, dormindo, porque a movimentação era lá, ne? Depois ele envelheceu e sumiu. Depois o povo achou que era o meu pai, o meu pai era Jozé Gomes também, mas é outro.” Maria Luiza Leite, filha do ferroviário aposentado José Gomes dos Anjos e moradora da região.
Uma mula sem cabeça ao virar a esquina
“Nós saímos da Estação, tinha acabado o movimento e estava eu, minhas duas irmãs, meu primo, o Walfrido, e o irmão dele do Rio. Aí nós fomos andando lá pra casa, eu no meio, porque era pequenininha, junto com as duas irmãs do lado. Fomos subindo, viramos a esquina, eu falei: ‘eu não vou passar, eu estou vendo um homem e ele não tem cabeça.’ Aí, minha irmã: ‘você é doida …fica vendo os trem.’ E eu só via o homem que não tinha cabeça. Aí a minha irmã falou: ‘Ah, então o que é que nós vamos fazer?’ Falei: ‘Voltar!’ Aí, voltamos para a estação. Chegando lá, falamos com eles que estávamos com medo de subir porque tinha um homem sem cabeça e eles falaram a ‘mula sem cabeça’. O irmão desse meu primo falou assim: ‘Ah, vocês são bobos, é só colocar um canivete na boca e ir’. Ele foi e voltou correndo. Ninguém acredita em mim até hoje, mas eu vi!” Maria do Carmo Santos, antiga moradora da região.
Empresta-se revistas
“Do lado da Estação, tinha uma família que morava em uma casa de campo muito grande. Do outro lado da rua, dando seguimento à linha, tinha a casa de um inglês, casado com uma holandesa. No terreno, eles tinham duas casas, sendo uma delas a biblioteca deles, e um pomar que tinha de tudo: uva, maçã, fruta do conde, abacaxi do mato, marmelada de cachorro… tinha de tudo. Então minha mãe ia comprar fruta e verdura lá e eu ia junto, mas ia lá pra casa de trás, na biblioteca. Tinha aquelas revistas Seleções, sabe? Aí enquanto minha mãe ficava batendo papo, eu ficava lá mais de duas horas lendo revista. Quando eu não terminava de ler, eu punha ela dentro da calça, aí no outro sábado eu levava a revista e pegava uma outra. Isso foi durante dez anos ali. Li quase tudo.” Maurício dos Santos de Jerusalém, antigo morador da região.
O cineasta que fugiu com o circo
O Cine Teatro de Contagem é uma homenagem ao cineasta Tony Vieira.Ele nasceu em Dores do Indaiá e fugiu com o circo. Igual cena de filme mesmo a vida dele. Fugiu com o circo pra virar artista. Ele veio pra Contagem e morava perto da Estação com a família. A história que eu já ouvi, tudo oral, é que a mãe dele era empregada doméstica de uma família rica de Dores, vindos de BH . E a mãe veio junto pra continuar sendo empregada da família. Moravam no Bernardo Monteiro, porque tinha A Estação. E o Tony Vieira começou a viver aqui, depois foi pra São Paulo, participou do movimento famoso que é o Boca do Lixo. Enfim, o legal é que o Tony Vieira tem essa relação com o Bernardo Monteiro.” Lúcio Honorato, morador e funcionário da prefeitura de Contagem.
O padre que falava de namoro
“O pessoal fala muito do Frei Bruno e ele era o seguinte: os padres que iam para Bernardo Monteiro eram muito antigos, tradicionais, rezavam as missas em latim, a gente ficava doido para chegar a parte da missa que falava ‘vai em paz’ e ‘amém’, que era quando a gente entendia. E, na quaresma, existia o costume de cobrir os santos todos de roxo. No primeiro dia que ele entrou na igreja, já foi pedindo para a gente ir destampando as imagens todas. Ele chegou sem batina, de terno verde oliva, um verde escuro. Era jovem, com uns 33 anos, irlândes, bonito, as garotas eram doidas com ele. A pregação dele era sobre a família, os namoros, os jovens… Ele criou o clube lá de cima, incentivou os jovens a dançarem, se divertirem, fazerem os bailes. Ele deu mais vida para a igreja. Mas com o tempo, começaram as reclamações sobre ele e da sua modernidade. Com cinco anos, o Frei Bruno saiu de Bernardo Monteiro. Porém, ele mudou uma mentalidade, mudou tudo.” Maurício dos Santos de Jerusalém, antigo morador da região.
Queima do Judas
Eu tinha muito medo quando queimavam o Judas no Espanhol. Era uma fogueira e falam assim: ‘Judas tu chama até que não tem.’ O Judas era monstruoso, isso nunca saiu da minha cabeça. Então, a família toda ia pra lá, porque era um espetáculo, né? Mas a gente morria de medo, a gente era criança morria de medo. Tinha a famosa Folia de Reis, o Congado do seu Modesto: vinha gente de tudo quanto é canto, Congado de Nova Serrana, de Pará de Minas. Gente, era uma fartança de comida… Pensa naquela farofa, tropeiro, tutu com cachaça, arroz colorido, macarronada… Gente, era tanta gente. Então assim, a gente ficava comendo tudo desmascarado, né? Porque tinha uns que era mascarado. E tinha essa questão, tinha a missa do galo, o cinema, brincar lá com as meninas órfãs da instituição de Nazaré. Lenna Santos, moradora e filha de ferroviário
Guerra de pixo
Nos anos noventa, nos anos 2000, eu criança, existia muita rixa entre CBM, Comando Bernardo Monteiro, de pixador e o CBV, Comando Bela Vista. Um ia no bairro do outro para pichar, tipo assim, tinha uma guerra mesmo, o CBM contra o CBV. E era além da pixação, tinha essas brigas mesmo. Porque era tudo a mesma coisa, só que depois ficou Bernado Monteiro e o Bela Vista. Lúcio Honorato, morador e funcionário da prefeitura de Contagem.
O lixão do Bela Vista
Em Bela Vista tem um fato que foi muito importante na cidade e é uma coisa meio escondida. Muito próximo da Estação, existia um lixão, que a comunidade do Bela Vista usava. E depois foi desativado o lixão aqui, o aterro sanitário né? Mas existe então todas essas dinâmicas sociais e o lixão também foi muito marcante… O lixão foi até os anos 1980, mais ou menos… é 80, 90. E aí Contagem foi até uma das primeiras cidades de Minas a ter aterro sanitário bonitinho, sabe? Na época, era até uma novidade cuidar do lixo. Lúcio Honorato, morador e funcionário da prefeitura de Contagem.
Tem circo sim, senhor!
Tinha um circo! No terreno, perto do seu Matias, ficava o circo. Então ele fornecia luz, e meu pai fazia instalação elétrica lá pro circo. Eu trabalhava no circo também. Usava chapéu de palhaço e adorava participar. Eu tinha uns 15 anos, mais ou menos, e saía na rua vestido palhaço chamando o pessoal ‘Hoje tem espetáculo, gente, vem cá todo mundo!’. O circo chegou a querer me levar .Tinha o circo do ‘Delmário e o espetáculo’, do Chumbinho, do Pitomba…lembro de irem muitos grupos sertanejos cantarem no circo. Ali na rua Guarani, tinha uma casa, que chamava Barra dos Artistas, lá ia muito artista, dono de circo, todo mundo ia para lá tomar café, bater papo e tudo. Então os donos de circo iam para lá para contratar os artistas. Chegava perto de uma turma e falava: ‘você não quer tocar lá em Bernardo Monteiro? Te dou 100 Cruzeiros.’ Ai os caras iam. Às vezes nem cobravam para apresentar, porque não tinha muito lugar para ir, né? Então, era outra dinâmica, era outra dinâmica de diversão de visibilidade.” Maurício dos Santos de Jerusalém, antigo morador da região.
De palhaçadas à Via Expressa
“O circo também. Ficava do lado de baixo da Estação. Vinha circo, parques… Esse mesmo espaço onde eles jogavam, quando vinha o parque, ou o circo, se instalavam ali, no fundo da Estação ao lado. Não tinha nada, era o brejo, um córrego e um pedacinho que ficava esse circo. O brejo, hoje, é a Via Expressa.” Guilhermina Simião Gomes, viúva do ferroviário aposentado José Gomes dos Anjos e moradora da região.
O dia que a santa pegou o trem
“A [imagem da] santa saiu lá de São Paulo, de Aparecida do Norte, e veio descendo de trem. Ela passou em 1959 em um vagão, e eu cheguei e falei: se meu neném for menina, ela vai ser Nossa Senhora Aparecida. Eu fui lá na igreja com aquele barrigão, né? Aí, quando nasceu, coloquei o nome dela de Fátima Aparecida, em homenagem à visita da santa. A gente morava em Teófilo Otoni na época.” Nilta de Assis Sá e moradora de Bernardo Monteiro.
Um trem abençoado
“Eu acho que uma coisa muito marcante daqui foi a passagem da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Foi uma das poucas vezes que ela saiu lá da catedral [em Aparecida do Norte]. Ela passou de trem por aqui. Lembro de sentar no barranco para ver a imagem passando. Marcou muito, porque foi a original, não foi réplica não.” Fernando Rocha, morador da região.
Um IBGE diferente
Quanto eu tinha 13 anos, eu peguei uma cartolina branca e andei Bernardo Monteiro inteirinho fazendo um mapa, das casas, das famílias e tudo. Então eu contei 250 pessoas… A família do Valfrido, 7 pessoas; lá em casa, 7; família não sei o que lá… e fui somando e deu 250 pessoas. Isso foi em 1960, eu estava com 13 anos. E depois subi no alto de uma caixa d’água, o lugar mais alto da região, e fui conferir. Eu fui arrumando as casas, porque primeiro eu fiz um mapa, mas lá de cima eu desenhei as casas, os sítios, os coqueiros, as ruas… desenhei tudo. Depois levei para o pessoal de um depósito de construção, que olhou para o desenho e me ofereceu uma lata de tinta. Que hoje vale uns R$300,00. Eu fui lá e aceitei.” Maurício dos Santos de Jerusalém, antigo morador da região.
Sem água, sem luz
Eu lembro que o dia que a gente mudou, o caminhão não passou lá, onde tinha um segurança e a placa ao lado anunciando o nome do Conjunto Costa e Silva. Teve que dar a volta por essa rua aqui, antes chamava Estrada velha agora, teve que dar a volta por lá, tudo esburacado, muito mato e onde é a Via Expressa era eucalipto e café. Uma plantação de café no meio do caminho. E a maioria das casas vazias. Aqui na nossa rua só tinha o pessoal da casa de frente aqui que morava aqui que havia pouco tempo que eles tinham vindo pra cá também. Eu lembro que a gente chegou aqui, abriu a boca a chorar: mãe, vamo voltar pra nossa casa, a gente não quer ficar aqui não. Não tinha luz, não tinha água. Lá embaixo no campo do Granja tinha um bar do Seu Raimundo. Tinha um poço lá, dentro do bar. E ele que dava água pro pessoal aqui. Rosa Emília de Sá, moradora da região.