A Estação Bernardo Monteiro, foi a primeira e maior estação de trem de Contagem. Foi essencial para o transporte de pessoas, mercadorias e animais, além de impulsionar o crescimento populacional da região.
A Contagem das Abóboras
O início do povoamento da região data dos primeiros anos do século 18, em função dos postos fiscais instalados para a taxação das mercadorias e cargas que abasteciam a região mineradora. Com a construção da capela São Gonçalo, ganha corpo um povoado com o nome de “Sam Gonçallo da Contagem das Abóboras”, que se caracterizava pelas plantações, criação de animais e comércio. Havia também o Largo do Rosário, onde foi construída a igreja entre os anos 1830 e 1840, demolida em 1973. Era neste Largo que aconteciam as festas da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, criada em 1867, com atuação marcante dos moradores da Comunidade Quilombola dos Arturos, hoje reconhecida como patrimônio cultural imaterial. De 1701 a 1901, o povoado pertenceu à Comarca de Sabará; entre 1901 e 1911, integrou o Município de Santa Quitéria (atual Esmeralda); e, depois, emancipou-se tornando-se Contagem. Em 1938, perdeu sua autonomia, passando à condição de distrito de Betim, até 1948, quando retomou sua autonomia.
Antes do trem
No final do século 19, grandes fazendas – com produção de mandioca, milho, feijão e cana; com criação de porcos, bois, vacas e cavalos – compunham o território do distrito de Contagem. A Estação de trem era vista como a solução para o desejo de emancipação política e desenvolvimento da região, o que ganhou força com a proximidade da nova capital de Minas. Porém, a ferrovia não foi capaz de alterar o cenário da região. No entorno da Estação Bernardo Monteiro, a predominância das atividades agropastoris perdurou até meados do século 20, quando as áreas urbanizadas foram ampliadas, surgindo assim loteamentos e conjuntos habitacionais destinados à classe trabalhadora.
“Por volta dos anos 1960, Bernardo Monteiro era um lugar agrícola. Tinha de tudo lá, fruta, verdura, tudo tinha… ninguém comprava nada. O pessoal saía para Contagem para comprar carne. Só carne. O resto tinha tudo lá.” Maurício dos Santos Jerusalém, morador da região até os anos 1970.
A VIDA RURAL NAS FAZENDAS DE CONTAGEM
Autoria desconhecida, data desconhecida. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG.
FAZENDA ABÓBORAS
Autoria desconhecida, data desconhecida. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG.
A Estação Bernardo Monteiro
Local de chegada e saída de mercadorias e animais, do ir e vir das pessoas. A nossa Bernardo Monteiro foi a primeira e maior estação de trem de Contagem. Desde o início do século 20, já havia um projeto de ligação, via linha férrea, de Belo Horizonte à Estrada de Ferro Oeste de Minas. Era referência no município ainda que existisse a Estação de Contagem (que fazia o transporte sobre trilhos chegar à região central da cidade). Bernardo Monteiro, por onde chegavam os correios e mensagens, via telégrafos, foi a grande responsável pelo adensamento populacional do território.
O Bernardo que ajudou a trazer o trem
Bernardo Pinto Monteiro nasceu em 1857 em Ubá, na época província de Minas Gerais. Ocupou vários cargos públicos de relevância, como o de vereador e o de agente executivo municipal em Ouro Preto, foi indicado a prefeito de Belo Horizonte, em 1899. Exerceu também o cargo de senador da República de 1911 até seu falecimento, em 1924. Por ser um grande apreciador da cidade de Contagem, Bernardo Monteiro foi homenageado, no ano de seu falecimento, com a renomeação da primeira estação ferroviária local, antes chamada de Estação Lagoa Seca. O político tinha sido um dos responsáveis pela escolha do caminho da linha férrea, que passava próximo a um de seus terrenos. A Estação Bernardo Monteiro se tornou um ponto crucial para o desenvolvimento da região, desempenhando um papel direto no progresso econômico e na ocupação de Contagem.
“Ele foi vereador em Ouro Preto. Bernardo Monteiro era um apaixonado por essa região aqui. Tanto é que ele chegou a construir uma casa de campo na região da estação aqui. A casa existe até hoje… Do lado da capela Imaculada Conceição, do lado tem uma casa grande, estilo americano… Só que ele não chegou a morar porque ele morreu antes. Faleceu em 1924 e recebeu a homenagem.’’ Ailson Leite, morador de Bernardo Monteiro.
“O trem vinha de Belo Horizonte e ia de ré até o centro de Contagem. Lá era menor, como se fosse uma ‘subestação’ e que foi destruída na década de 60.” Ailson Leite, morador de Bernardo Monteiro.
SENADOR BERNARDO PINTO MONTEIRO
Autoria desconhecida, primeira metade do século 20. Acervo do Senado Federal.
À ESPERA DO TREM. ESTAÇÃO DE CONTAGEM, INAUGURADA EM 1918. Autoria desconhecida, data desconhecida. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no livro: Fragmentos da Memória, Relatos de Contagem. Publicado em 2011, Contagem, MG
O ramal
O ramal criado em 1918, que saía daqui em direção ao distrito-sede de Contagem, foi a principal ligação com a capital mineira durante décadas. A Praça Tiradentes era o destino da composição de trens que saía de ré da nossa estação. Lá estava localizado o ponto de encontro entre os comerciantes e os consumidores, onde a principal feira do município, as trocas e o ir e vir de mercadorias aconteciam. Como a linha não subia para a região da Igreja de São Gonçalo, o caminho até ao Cine Teatro e locais como as escolas, era feito a pé. Os horários restritos do trem também faziam com que muitas pessoas não o esperassem, cortando o caminho até a sede pelos terrenos ainda baldios. A caminhada no sentido contrário, já com sacas de alimentos nos braços, comprados na feira, acabava se tornando mais difícil. Mas as crianças faziam o trajeto ida e volta sem dificuldade, para assistir aos filmes em sessão matinê. Esse trecho da ferrovia foi desativado somente na década de 1960.
“E ali pra [Praça] Tiradentes tinha a outra parte da cidade, que era justamente porque chegava o trem ali da Estação de Contagem, na Praça Tiradentes. Depois observa, assim topograficamente, é um lugar meio aberto, meio alto, então ali, até por essa extensão do trem, é onde tinha muita troca comercial. Existia uma cooperativa de leite, na Praça Tiradentes. Então assim, o pessoal das roças de Contagem vinha aqui pro centro de Contagem, né? Pra cooperativa de leite. E também tinha a estação de trem, então acaba que era aquele descampadão, aquela praçona, onde as pessoas iam vender leite, fazer um negócio… Aproveitava o trem, então chegava a mercadoria, enfim…” Lúcio Honorato, morador e funcionário da prefeitura de Contagem.
COOPERATIVA AGROPECUÁRIA DE CONTAGEM, NA PRAÇA TIRADENTES.
Autoria desconhecida, século XX.
A Capela Imaculada Conceição
Eventos como a Cruzada Eucarística, adorações à Nossa Senhora, barraquinhas e festas de santos padroeiros eram promovidas pela Capela Imaculada Conceição e Santa Edwiges, animando a região e marcando a memória de Bernardo Monteiro.
A construção começou em 1939, sendo concluída em 1943, por meio de mutirão feito pela comunidade da região de Bernardo Monteiro, que hoje também contempla o bairro Bela Vista. Maria das Mercês de Souza Lima, ou Dona Mercezinha, havia doado o terreno para a construção de uma creche e, posteriormente, da capela, tendo desempenhado um importante papel no mutirão. A inauguração foi em 8 de dezembro de 1943. Sua arquitetura passou a ser reconhecida pelo estilo neogótico, único entre as igrejas do município. Em abril de 2000, teve sua importância social e arquitetônica reconhecida por meio de tombamento, pelo Conselho Municipal de Cultura e do Patrimônio.
Então a Dona Mercezinha, quando estava construindo a capelinha, ela vinha passar o final de semana, porque Contagem era uma grande fazenda, né? E aqui era a fazenda dela que o pai havia doado para ela. Então foi desejo dela também fazer a capelinha. Essa capelinha foi construída mesmo tudo na base de doação. Ela trazia material de Ouro Preto, Mariana, tudo de trem. Quando a capelinha ainda estava funcionando, não tinha nem viaduto, não tinha nada.” Maria Machado (Irmã Consolação), freira alocada na Capela Imaculada Conceição.
“Você lembra que tinha quermesse? Fazia barraquinha. Aí um dia uma delas falou: ‘Vamos fazer a barraca do beijo?’ Aí o seu Geraldo, que ‘cortava’ tudo: ‘Tem esse negócio de ficar beijando não!’ ‘Não, é só no rosto…’”. E tinha os biscoitos… E tinha um baile. Então a gente pagava para entrar no baile, tudo para arrecadar dinheiro para a igreja.” Edilene Luzia dos Santos (Lenna Santos), filha do ferroviário aposentado Vicente dos Santos e moradora da região.
CAPELA IMACULADA CONCEIÇÃO.
Autoria desconhecida, 1992. Acervo da Casa da Cultura Nair Mendes Moreira - MHC. Disponível no dossiê de tombamento da Capela Imaculada Conceição. Publicado em 2000, Contagem, MG.
Sacas de plantações e bois à solta
A Estação ficava em local estratégico para receber e distribuir as cargas para as fazendas de Contagem. Esse transporte de mercadorias foi essencial para consolidar o pequeno núcleo urbano em Bernardo Monteiro. Sacas com produtos locais, mantimentos para abastecimento da sede, animais para leite e corte, tudo passava por aqui. Grandes quantidades de gado chegavam pela Estação e logo faziam a festa das crianças. Alguns desciam dos vagões confusos, por causa da viagem, e subiam em disparada pelo caminho que levava ao matadouro. Enquanto crianças curiosas saíam de suas casas para acompanhar a movimentação, outras se escondiam ou eram proibidas de sair pelos pais, devido ao perigo da estourada dos bois. A tropa de gado assustava e alegrava a região de Bernardo Monteiro.
“E encostava ali aqueles… composição com gado, né? Descia muito boi aqui e subia pra um frigorífico em Betim, em Imbiruçu. Aí tinha os horários certinhos, a gente ficava do muro olhando pra ver. Era muito boi bonito! Tinha vez que eles ficavam locão e arrebentava ali a cerca dos eucaliptos e enfiava lá pro meio. Era muito legal”. Rosa Emília de Sá, filha da ferroviária aposentada Nilta de Assis Sá e moradora de Bernardo Monteiro.
“Lembro que íamos pra estação ver chegar um carregamento de boi pro Frigo Diniz, que era próximo a Praça da Cemig. Eles desembarcavam aqui, colocavam as pranchas e iam descendo. Era só chegar a prancha pra a gente correr pra estação, não sabia o perigo que tava correndo. Quer dizer, muitos animais estressados desciam doidos. Porque o boi, quando ele estoura mesmo de estresse, ele fecha o olho e não tem o que segura. Então aquilo estourava cerca, saía louco e os boiadeiros correndo atrás pra laçar. Descarregaram tudo pelo chão daqui até lá no Frigo Diniz. Ia tocando os bois.” Agostinho Lopes Ferreira, morador de Bernardo Monteiro.
O trem de subúrbio
Os trens de subúrbio, caracterizados por circularem em uma grande cidade e com tarifa reduzida (cobrada por seção ou trechos, ou tarifa única) ligaram a capital mineira às cidades vizinhas por quase 100 anos. Em 1973, foi criada a Região Metropolitana de Belo Horizonte, para que fossem implementadas políticas públicas integradas entre os diversos municípios do entorno da capital. Em 1980, o Ministério dos Transportes fez o Estudo do Trem de Subúrbio da RMBH. Os trens passaram, então, por reformas, foram construídas novas plataformas no sentido Betim, como em Bernardo Monteiro e Imbiruçu. Porém, a criação do metrô acabou deixando os usuários de Bernardo Monteiro de fora. Como o trecho entre Imbiruçu e Bernardo Monteiro era considerado um dos mais críticos, por causa da íngreme descida, o metrô acabou não chegando na região, que ficou desassistida quando os trens de subúrbio foram suspensos, em 1987.
“Eu ia muito à Belo Horizonte no trem de subúrbio. Às vezes eu costumava ir duas vezes por dia, se eu tinha que fazer alguma coisa, comprar alguma coisa lá pra casa, porque minha mãe pediu e tal. Quando eu chegava, meu irmão que não sabia ir na cidade falava: ‘Ô Maria, onde é que cê tava? Eu falei que precisava de um negócio lá de Belo Horizonte, você não volta lá pra buscar, não?’ ‘Voltoo! Deixa eu só acabar de almoçar.’ Ai eu ia. Tinha trem toda hora, sabe? Dava menos de uma hora daqui na cidade e era baratinha a passagem. Eu aproveitava os meus irmãos mais novo, né? Que não sabiam ir na cidade, e ia por eles. Aproveitava.” Maria das Graças Silva Costa, filha do ferroviário aposentado Versiano Alves da Silva e moradora da região.
“Parava o trem aqui na porta. Nós aqui, aí o trem parava e apanhava a gente. Eu saía às 5h com o Carlos para Belo Horizonte e a gente revezava os dias. Assim, eu ia trabalhar e ele ficava com os meninos aqui em casa, de noite chegava em casa e no outro dia ele ia cedo pro serviço. Quando ele trabalhava de noite, aí no outro dia eu ia cedo. Os meninos eram tudo pequeno, então a gente trocava. Mas era quase uma hora até BH. Ele vinha devagar e às vezes, dependendo da estação, demorava, né? Pra ganhar menino, eu pegava também… Tinha vez que até tinha que andar pra ir lá pra cima. Ai eu tinha que dormir lá, para ganhar menino.” Maria Benta, viúva do ferroviário Cláudio de Souza e moradora da região.
CONSTRUÇÃO DO VIADUTO BEATRIZ
Autoria desconhecida, segunda metade do século 20. Acervo da Prefeitura Municipal de Contagem.
Até onde vai Bernardo Monteiro?
A região que hoje compreende Bernardo Monteiro, Bela Vista, Fonte Grande e outros bairros, era entendida como a comunidade que se formou no entorno da Estação, composta, principalmente, por funcionários da Estrada de Ferro Oeste de Minas e do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens. Devido ao transporte de passageiros pelo trem, a região também passou a ser ocupada por quem trabalhava em outras cidades e encontrava aqui aluguéis e mercadorias acessíveis. Em 1983, foi sancionada a lei que denominou como bairro Bernardo Monteiro: o Conjunto Costa e Silva; as vilas Angelina, Santa Terezinha, Santo Antônio e Galoca; e ainda os bairros Bela Vista, Bernardo Monteiro 2ª Seção, Fonte Grande 4ª Seção, Morro Vermelho e São Bernardo. Menos de cinco meses depois, o Bela Vista foi excluído da lista, permanecendo como bairro autônomo. Em 1985, foi a vez do bairro Fonte Grande se separar, contudo, a lei que determinava a separação foi revogada em abril de 1999.
“Não, tinha nada não. Que ali era a estação e a igreja né? E não tinha mais nada em volta da igreja ali. Dava pra brincar, porque ficava ali tudo vazio. Até então.. na época do meu pai, era a estação e a única casa de funcionário que tinha era a do meu pai. Não tinha de outros. Meu pai era o agente de estação. Aí depois que apareceu um conferente, apareceu um outro guarda. Mas assim, alugavam casa, né? E trabalhava na estação. Então, ninguém morava lá, depois que foi povoando aqui. Cresceu muito.” Maria das Graças Silva Costa, filha do ferroviário aposentado Versiano Alves da Silva e moradora da região
“A Estação Bernardo Monteiro, por exemplo, que é longe de Belo Horizonte, é onde tinha a possibilidade de transporte. Então as pessoas, às vezes, que trabalhavam em BH preferiam morar perto da estação do Bernardo Monteiro, que era o lugar que tinha pra ir.” Lúcio Honorato, morador e funcionário da prefeitura de Contagem.
CIRLENE SILVA MACHADO POSANDO COM A MARIA-FUMAÇA.
Autoria desconhecida, século 20. Arquivo pessoal de Cirlene Silva Machado.
TREM DE SUBÚRBIO
Luciano Luttytern, 1987. Disponível no livro Meu Bernardo Monteiro, 2018.