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O fim que nunca veio
Neste módulo apresentamos como se deu o processo gradual para o fim do trem de passageiros e conjuntamente o fechamento de estações e linhas que compunham a malha ferroviária. Entendendo também como foi esse processo de perda do trem para a comunidade de São João que já reconhecia a maria fumaça como parte de sua história.​

Os modais de transporte

A ferrovia e o surgimento da locomotiva a vapor representaram um marco de inovação tecnológica no Brasil no século 19. Entretanto, o maquinário do trecho da bitola estreita não passou por processos de atualização efetivos. As oficinas eram responsáveis pela recuperação daquilo que já não funcionava mais e se adaptavam conforme a necessidade – quando a madeira já não supria as necessidades energéticas da ferrovia, por exemplo, foi feita a passagem da fornalha a lenha para a óleo BPF. Porém, ao mesmo tempo que a continuidade do modelo ferroviário se justificava pelas várias funções que adquiriu ao longo do tempo e pela vontade de expansão ao centro do país, outros serviços de mobilidade ganhavam espaço. A substituição progressiva das ferrovias pelo modal rodoviário, no meio do século 20, para o transporte de passageiros e cargas, foi intencionalmente executada, pois as estradas ofereciam uma alternativa mais rápida e mais barata. Assim a ferrovia foi, aos poucos, perdendo o protagonismo.

As sobrevidas

O trecho da bitola estreita ficou em seus últimos respiros durante vários anos. O modelo ferroviário, principalmente no transporte de passageiros, não gerava lucro que justificasse o investimento necessário para manter e atualizar o modal. As decisões na administração da ferrovia, como a devolução da Rede Mineira de Viação para a União, refletem os objetivos políticos que se modificaram em diferentes contextos. Dessa forma, o trecho da 0,76 foi passando por momentos em que exercia algumas funções específicas, permitindo-lhe uma sobrevida. Temos, por exemplo, a construção da cidade de Brasília, na década de 1950, que contribuiu para uma grande movimentação de mão de obra e de suprimentos e cimento para a região central do país. Destaca-se, também, a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em 1984, como o último momento da bitolinha, que era usada para o transporte de cimento da fábrica em Barroso até o canteiro de obras.

O desmonte da ferrovia

A malha ferroviária brasileira já sofria ameaças de fechamento há vários anos. Desde aproximadamente a década de 1970, antes de o desmonte chegar a São João del-Rei, vários trechos e estações já estavam desativados. Em 1966, foram fechados os ramais de Águas Santas e Barbacena, da bitolinha. O desmonte era feito gradativamente: primeiro, a linha parava de ir até certas estações, e assim já não saíam tantos trens. Aos poucos, os funcionários foram sendo aposentados, começando por aqueles com mais tempo de contribuição. Assim, foi se reduzindo exponencialmente o número de ferroviários. Depois, as operações das estações e a própria linha foram lentamente decaindo, até que chega a notícia de que o trem não passaria mais ali. Em 1983, a linha que ligava São João del-Rei a Aureliano Mourão, pela Avenida Leite de Castro, foi totalmente retirada, deixando uma lacuna e um questionamento: e agora, o que vai ser do nosso trem?

“Nós começamos a notar que eles não nos colocavam para dentro para trabalhar. A primeira coisa feita foi acabar com os ferroviários, não acabaram com o trem, eles acabaram com os ferroviários. Ferroviários natos, que nasceram e foram criados na ferrovia. A gente percebeu isso quando não houve a reposição de mão de obra e começou a ter a terceirização, que é a privatização. Eu tenho a impressão de que é muito difícil você trabalhar igual nós trabalhávamos e você ser terceirizado. A responsabilidade é outra. Não tem essa conexão com a máquina, o amor. O amor. Não tem.”

Relato de Francisco Marques, supervisor de mecânica aposentado

“Em meados de 1980, fizemos um passeio de trem até Aureliano Mourão. Éramos muitas pessoas de famílias amigas. Foi uma das últimas viagens que o trem de passageiros fez para Aureliano Mourão. O clima era de festa, as pessoas desceram na Estação final para um piquenique comunitário, crianças, adultos e crianças. Na volta, Dona Yeda Alvarenga, minha sogra, foi coroada a Miss Trem. Fizemos uma encenação com a entrega de uma faixa simbólica. Hoje já falecida, na época ela já era uma senhora idosa. Foi uma alegria só, pena não termos registros fotográficos dessa “viagem”.”

Relato de Maria Márcia, funcionária pública aposentada e moradora da cidade

Malha ferroviária destruída, pátio ameaçado

Com o desmonte progressivo da malha ferroviária, o trem continuou sua operação somente no trecho que ia para a estação de Antônio Carlos e, posteriormente, apenas até Tiradentes. Mas o complexo ferroviário e o trecho ainda ativo vinham sofrendo ameaças de fechamento por vários anos, havendo até rumores de que o pátio ferroviário seria demolido, loteado e transformado em uma nova rodoviária para a cidade. Entretanto, com pressão e mobilização social, o tombamento do IPHAN foi concluído em 1986, assegurando certo grau de manutenção do espaço. Ainda assim, por vários anos, havia o risco de desativação do trecho até Tiradentes, e, quando a RFSSA foi incluída no Plano Nacional de Desestatização, em 1992, surgiu novamente uma incerteza sobre o futuro funcionamento do trem de São João.

“Ah, foi muito triste… eu lembro da linha de cá, da Leite de Castro. Eu era pequenininho e naquela época era uma aventura atravessar a ponte do bairro Vila Nossa Senhora, Ponte dos Cachorros, para ver o trem passar. Passou um tempo, eu vi o pessoal desmanchando a linha, mas eu não tinha muita noção, apesar de estar com onze, doze anos naquela época. Eles retirando a linha, e o pessoal falando que nunca mais ia passar o trem ali. Foi muito triste.”

Relato de Alexandre Campos, inspetor de tração e maquinista

“Foi chegando devagarinho a notícia que ia acabar, os ferroviários foram falando também, e os jornais foram denunciando. Mas fizemos muitos movimentos com escolas e grupos sociais. Várias categorias se mobilizaram, inclusive o Instituto Histórico e Geográfico, a Academia de Letras, o Conservatório… A gente ia para a frente da ferrovia quando estavam ameaçando tirar o trem.”

Relato de Maria Lucia, professora aposentada e moradora da cidade

Viajantes do fim

Na década de 1960, alguns trechos das estradas de ferro do Brasil já sofriam com o resultado da transição para o modal rodoviário. Com a diminuição de viagens e o fechamento de ramais e estações, o transporte de cargas e de passageiros pelo trem de ferro foi perdendo espaço para os carros e ônibus e caminhões. A ameaça de extinção da locomotiva a vapor se espalhava e, em função disso, vários fotógrafos, pesquisadores e interessados estrangeiros e brasileiros visitaram a cidade de São João del-Rei como viajantes do fim. Sua intenção era registrar e pesquisar a famosa maria-fumaça, essa máquina que, já entre as décadas de 1960 e 1980, era reconhecida por suas características peculiares, devido aos vários anos de uso e às poucas atualizações.

O penúltimo trem

“Em outubro de 1983, mais ou menos um ano e meio que já tinha parado de passar os trens, mas ainda não tinham arrancado os trilhos, nós fomos lá em Aureliano Mourão buscar esses vagões. Esses que estão aí, material de estação. Nós fomos só para buscá-los e outras coisas que estavam lá. Veio um vagão grande também, da bitola métrica. Teve que ir muita gente, pois não sabíamos como a linha estava, não sabíamos se o pontilhão estava caído, muitos lugares estavam cercados… Aí foi a 68, e depois nós levamos a 66 para Antônio Carlos, que também já estava desativada. Gastamos uma semana na ida e volta, pois precisávamos andar um pouco, parar, o pessoal descia, olhava uma ponte e voltava. Fomos puxando com a 68, que puxava a 66, e fora os outros vagões que levaram o pessoal.”

Relato de Moacir Silveira, maquinista aposentado

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