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A Maria-fumaça apita em São João
Este módulo vai tratar de como se deu a escolha da cidade como a sede da EFOM e como foi o contexto que facilitou essa instalação. A construção da ferrovia em Minas Gerais representou um momento muito importante da história do estado e do fim do período colonial no país. A chegada do trem de ferro com a presença de Dom Pedro II e sua comitiva representou naquele momento um triunfo do progresso e da modernidade.

Guten Tag, pequeninos! Está calor hoje, não?

- Ina Von Binzer

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Tudo apontava para São João

Consolidada como grande polo comercial no início do século 19, São João del-Rei já tinha rota direta com o Rio de Janeiro, capital do Brasil à época. A cidade mineira produzia bens diversos, como o manganês, a batata inglesa e a mandioca, mas era também importante ponto de distribuição entre diversas regiões, e a demanda por trocas comerciais só crescia. Do lado de cá, o comércio local almejava produtos e mercadorias consideradas modernas e que só eram encontradas na capital. Já no Rio de Janeiro, a procura por produtos alimentícios aqui produzidos era grande. Essas necessidades, somadas ao sonho do “progresso” e da “modernização” do Brasil, formaram o contexto perfeito para a criação da linha de ferro no trecho, que facilitaria as trocas comerciais e o trânsito de passageiros. São João é escolhida, assim, como sede da ferrovia que prometia ligar o Oeste de Minas Gerais ao Rio de Janeiro: a EFOM – Estrada de Ferro Oeste de Minas.

Incentivo para a construção da ferrovia

No ano de 1872, a lei mineira n. 1.914 garantiu vantagens econômicas para incentivar a construção da nova estrada de ferro. A empresa concessionária poderia optar por receber 7% de juros anuais sobre o capital total investido maior que 4 mil contos de réis ou o subsídio de construção de 9 contos de réis a cada quilômetro de linha construída. Os primeiros a se mobilizarem foram Luiz Augusto de Oliveira e José de Rezende Teixeira Guimarães. Em 31 de março de 1877, no hoje chamado Salão Nobre da prefeitura de São João del-Rei, reuniram-se os concessionários e empresários que formaram a Companhia Estrada de Ferro d’Oeste. A Sociedade Anônima proprietária da EFOM optou por receber a subvenção de 9 contos de réis por quilômetro construído, tal qual estava estabelecido na lei.

A ferrovia vai ou não passar por aqui?

Em 1877, uma controvérsia envolveu São João del-Rei e o traçado da Estrada de Ferro D. Pedro II, que visava estabelecer uma conexão até um ponto navegável do rio São Francisco. A ideia era abranger extensas regiões do interior das províncias e solidificar uma malha ferroviária que conectasse áreas cruciais do país. Nas páginas do periódico O Arauto de Minas, a especulação sobre o destino da ferrovia sublinhava a importância estratégica de São João del-Rei na coleta de produtos de regiões economicamente prósperas de Minas Gerais. Por fim, a cidade foi excluída do percurso dessa ferrovia, ainda que tivesse sido enfatizada a relevância econômica e estratégica da cidade. A concessão que deu origem à Companhia Estrada de ferro d’Oeste foi reabilitada e levada adiante, enquanto a Estrada de Ferro Dom Pedro II seguiu na direção de Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), indo buscar o rio São Francisco pelo caminho denominado como Taipas.

A expectativa para a inauguração

Uma ansiedade festiva se espalhava pelas ruas de São João del-Rei conforme se aproximava a esperada inauguração da Estrada de Ferro Oeste de Minas. Homens e mulheres alugavam roupas de gala especialmente para a ocasião, hotéis e pensões se enchiam, e todos se preparavam. Ao ser escolhida pela EFOM como sede do empreendimento mais moderno e tecnológico da época, a ferrovia, São João ficava em evidência e demonstrava sua importância para a economia e a política do Segundo Reinado. Dom Pedro II estava a caminho da cidade, e a conexão do interior mineiro com a capital e sua corte, o Rio de Janeiro, se materializava com os trilhos. Eram as ideias europeias de “modernidade” e de “progresso” chegando a vapor.

Mesmo refletindo os esforços de uma elite burguesa, que buscava o dito “progresso” após a queda de exploração do ouro, a construção da estrada de ferro representava uma conquista para toda a cidade porque os trilhos permitiriam reduzir distâncias e custos de fretes e produtos.

O trem inaugural que trouxe D. Pedro II

Ruas enfeitadas, coloridas e floridas. Um aglomerado de pessoas aguardando ansiosamente o apito do trem na recém-construída Estação Oeste de Minas. Finalmente, às 10h da noite, no dia 28 de agosto de 1881, vêm pelos trilhos a fumaça e o apito que anunciavam a chegada da Locomotiva número 01, conduzida pelo maquinista Felipe Marcheti. Chegava a São João o Trem Inaugural da Estrada de Ferro Oeste de Minas, trazendo a bordo o Imperador D. Pedro II, a imperatriz D. Tereza Cristina e sua numerosa comitiva real, com ministros, conselheiros, parlamentares, engenheiros e jornalistas. O desembarque foi acompanhado por muita festa, receptividade e comemoração da grande multidão que ali aguardava. O imperador e toda a Corte Real seguiram para seus aposentos para pernoitar antes da grande inauguração, que aconteceria no dia seguinte.

“Nas ruas levantaram-se arcos artisticamente ornados de flores. D. Pedro gostava de S. João del-Rei e prontificou-se a prestigiar com a sua presença a inauguração do 1º Trecho Ferroviário da EFOM, de Sítio, atual Antônio Carlos, a S. João del-Rei, com a extensão aproximada de 100 quilômetros. Convém acentuar que a Estrada de Ferro Oeste de Minas, obra genuinamente sanjoanense, prestou bons serviços ao Brasil, no âmbito dos transportes.”

Sebastião de Oliveira Cintra, no livro Efemérides de São João del-Rei do dia 28 de agosto de 1881, publicado em 1963.

“A SEGUNDA VISITA DE S.S.M.M II À S. JOÃO DEL REI 

O dia 28 de Agosto do corrente foi um desses dias felizes gravados nos fastos desta cidade, marcando uma epocha memoravel. 

Feliz porque inauguradando-se a importante ferrovia que liga S. João del Rei ao centro da civilização nos collocando â vanguarda dos povos adiantados; trabalhando na longa estrada do progresso; […] 

Desde cinco horas da tarde em todas as ruas desta cidade moviam-se compacta multidão de povo, que assemelhando-se a uma torrente caudalosa, vinha correndo a encher a praça da estação  

Ao longo dos trilhos estendia-se uma grossa linha de gente acotovelando-se impaciente à espera do trem Imperial. […] 

Às 10 horas e 5 minutos da noite o silibar da locomotiva anunciou a chegada dos amados Imperantes e dos distinctos hospedes; que vinham compartir do justo jubilo de uma população offengante de enthusiasmo. 

Subiram ao ar inumeras girandolas e as salvas de 21 tiros uniam-se ao som de música marcial formando um concerto enthusiastico” 

O ARAUTO DE MINAS, São João del-Rei, 03/09/1881. 

A inauguração que nunca aconteceu

A população aguardava ansiosamente pelas festividades de inauguração da EFOM, na manhã seguinte à chegada do trem inaugural: vestimentas engomadas, sapatos lustrados e penteados de cabelo cuidadosamente feitos; ruas, casas e a Estação floridas e prontas para o grande momento. Mas, infelizmente, a euforia da inauguração não durou muito. À noite, logo no caminho para seus aposentos, Buarque Macedo, então Ministro da Agricultura, teve um violento mal-estar. Por volta da meia-noite, o Imperador foi avisado de que o ministro não iria sobreviver. Devido ao falecimento repentino de Macedo, o imperador cancelou toda a programação e, junto a toda sua comitiva, deixou a cidade. Um dia antes do ocorrido, a Revista Ilustrada já tinha publicado uma imagem feita em litografia anunciando a inauguração, que na verdade nunca aconteceu.

“O irmão do Dr. Rameiro, que é médico e estava também hospedado na casa, foi chamado tarde demais: não se podia fazer mais nada. Durante algum tempo, o doente esteve entre a vida e a morte, depois, suspirou ´minha pobre família´… E o Imperador só teve tempo para tranquilizá-lo com breves palavras sobre o destino deles. Pela madrugada D. Pedro voltou ao seu logis através das ruas enfeitadas, e na madrugada seguinte seu carro o reconduziu até a estação. Todas as outras solenidades canceladas.”

Ina von Binzer, no livro Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil (1881-1884), publicado em 2017.

São João, sede da grande EFOM

A Estação de São João passou a ser um importante entreposto comercial e de conexão com a linha Dom Pedro II, o que garantiu grande demanda de serviços e produtos para a região. A cidade estava no centro da principal Estrada de Ferro de Minas Gerais. Além da grande contribuição para o desenvolvimento econômico da região, a EFOM teve papel essencial na integração da região, das cidades e comunidades ao longo de toda sua linha. Ela garantiu e facilitou o acesso a serviços, mercados e oportunidades. Após a sua inauguração, a companhia cresceu muito e passou a operar em regiões que até então não dispunham de linhas férreas, ou que não estavam conectadas à capital, diminuindo distâncias e superando as dificuldades de abrir caminhos. Em 1920, por exemplo, a EFOM adquiriu a Estrada de Ferro Goyas, e aumentou sua extensão, chegando a aproximadamente 544 km.

Locomotiva n. 1

A locomotiva n. 1 é muito importante para a história da EFOM, assim como para a inauguração da Estação de São João del-Rei. Em 1881, ela trouxe o Imperador Dom Pedro II para o evento, fazendo o trecho entre Sítio, na Estrada de Ferro Dom Pedro II, até São João del-Rei.

Em 1959, a locomotiva foi levada para Belo Horizonte, onde foi instalada como monumento na sede da Rede Mineira. Com a idealização do Museu Ferroviário pelo PRESERVE, em 1981, ela retornou para São João del-Rei. Na capital, foi substituída pela locomotiva n. 20, que era um monumento das oficinas de Lavras (MG).

Baldwin Locomotive Works

A Baldwin Locomotive Works foi fundada em 1825, por Matthias W. Baldwin, na Philadelphia, Pensilvânia. Foi uma empresa renomada na fabricação de máquinas ferroviárias. Sua história está ligada ao desenvolvimento das ferrovias na América e proporcionou diversos avanços no transporte a vapor. Em seus 25 anos de operação, a empresa produziu mais de 75.500 locomotivas, tendo suspendido a operação em 1956.

As locomotivas da Estrada de Ferro Oeste de Minas eram formadas, inicialmente, por máquinas Baldwin, o que estabeleceu um diferencial da linha de rodagem, com suas peças totalmente produzidas nos Estados Unidos, ao contrário daquelas encontradas em outras linhas férreas brasileiras até então, de fabricação europeia.

A bitolinha

Bitola é a distância interna entre dois trilhos em uma linha. Há vários tamanhos de bitola, e eles determinam o tipo de trem a passar no trecho. Durante a idealização e construção da EFOM foi determinado que, apesar da necessidade de integração com a Estrada de Ferro Dom Pedro II, que usava a bitola larga, a EFOM seria construída com a bitola estreita. Conhecida como “bitolinha”, tinha 762 milímetros de comprimento, equivalente a 2 pés e 6 polegadas, ou 30 polegadas no sistema inglês de medição. Era um tipo de bitola muito utilizada em ferrovias em outros países. A bitolinha foi escolhida por exigir menores obras de implementação e possibilidade de raios de curva mais fechados, adequados à geografia das montanhas de Minas. Ela também geraria mais economia na construção, por demandar uma quantidade menor de matéria-prima. Por sua excepcionalidade, o equipamento da bitolinha tinha dificuldades em ser modernizado, tornando o complexo ferroviário de São João del-Rei um verdadeiro “fóssil” ferroviário.

 

“Na estação embandeirada e enfeitada com festões, uma banda de música (na maior parte alemães) tocava alegremente instrumentos de sopro; na plataforma se comprimia-se a multidão inextricável que viera receber hóspedes ou apenas bisbilhotar […] Uma rua inteira julgou embelezar-se enfeitando-se com tinas pintadas de verde e amarelo, nas quais, entre as palmas verdes das palmeiras, uma bandeira rasgada esvoaçava. Somente o percurso da estação à cidade estava decorado dos dois lados com colunas esguias, enfeitadas de verde e amarelo e com delicadas bandeirinhas de aspecto muito agradável. Admirei-me de tanta falta de gosto e de habilidade.”

Ina von Binzer, em Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil (1881-1884).

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