Casos
Pedacinhos de jornal
Eu me lembro de uma história que meus pais adoravam me contar. Uma vez estávamos viajando de trem, de Barbacena para São João del-Rei, quando ele descarrilhou. Já era bem tarde, o trem teria de ficar lá a noite toda até resolverem o problema. Papai me contou que ele foi passando de lugar em lugar e falava: “Cê tem um pedaço de jornal para me dar?”. “Ah, só tem esse pedaço pequenininho”, alguns respondiam. Ele foi juntando os pedaços e me embrulhou neles. Fiquei toda enroladinha em jornal para me manter aquecida. Ele trabalhava em gráfica e falava que esse era o poder do jornal, que ele também tinha o poder do aquecimento. Então, naquela noite, eu, ele e mamãe dormimos na beira da estrada, mas eu fui a única que não passou frio.
História cedida por Maria Lúcia Monteiro Guimarães, professora aposentada e moradora da cidade
Dar de beber à máquina
Uma vez um ferroviário das antigas foi trabalhar como foguista com outro ferroviário das antigas, ambos eram bastantes sistemáticos. Era comum, durante o trabalho, os maquinistas fazerem um sinal com a mão, indicando ao foguista para dar uma olhada na máquina, ver se tinha água na caldeira. Nesse dia, o maquinista fez um sinal parecido para o foguista, mas pedindo para o foguista fazer café para ele. Então, o foguista entendeu que era para colocar água no injetor da máquina. Quando o trem parou, o maquinista perguntou: “O que que você fez? Você não viu que eu pedi café?”. E o foguista respondeu: “Esse sinal que você fez é para dar de beber à máquina. Agora, se o senhor quiser tomar um café eu faço, mas pede com respeito!”.
História cedida por Hugo Caramuru, aposentado e morador da cidade
Fino Congo, pinga e torresmo
Um engenheiro chegou avisando ao pintor: “Não vai beber não, trabalha aí, pinta a estação e vem no último trem”. E o pintor respondeu: “Não, pode deixar doutor, não vou beber”. Mas em toda estação tinha pinga e torresmo, assim ficava complicado se segurar. Então o pintor ficou bebendo e conversando a tarde toda. Um maquinista chegou e falou que o último trem já estava saindo. Aí o pintor respondeu: “Espera aí que eu vou pintar aqui rápido, porque eu preciso voltar pra casa ainda hoje”. Ele correu, pintou e foi embora no trem. No dia seguinte, o engenheiro chamou ele e disse: “Eu falei para você não beber e você foi lá e bebeu”. Daí ele respondeu: “Que isso, doutor, eu fiz tudo direitinho!”. O engenheiro: “Então, por que que está escrito Fino Congo em vez de Congo Fino? Vai no próximo trem e conserta.”.
História cedida por Hugo Caramuru, aposentado e morador da cidade
Procura-se um vagão
Os vagões eram todos numerados, havia sempre uma pessoa que ficava responsável por fazer essa pintura. E meu pai, Manoel Gradinha, trabalhava como pintor da ferrovia. E um belo dia sumiu um vagão. Como era um vagão de bitolinha, podia estar desde Aureliano Mourão, no Km 102, até Antônio Carlos, no Km 0. O pessoal procurou pelo vagão e nada dele, sumiu, ficou um bom tempo perdido! Sempre que um trem sai, o chefe da Estação põe, em uma prancheta, o número da máquina, o nome do maquinista e os números dos vagões que estão indo. Esse número indicava para onde o vagão que estava indo e onde tinha de ficar. Era um controle. Aí, um belo dia, o chefe estava conferindo lá na prancheta e de repente viu o mesmo número. Ele tinha pintado o mesmo número em dois vagões que estavam circulando por aí, andando sem ninguém perceber.
História cedida por Adalmir José da Silva, pintor e morador da cidade
Parabéns, 68!
Estava eu e mais alguns amigos e foi quando a locomotiva 68 fez 80 anos. Aí nós compramos um bolo para ela, para cantar parabéns para a máquina. Na hora, a turma cantou os parabéns, aí um colega falou: “Agora nós vamos comer o bolo, né?”. Era um desses bolinhos de padaria, comuns. Abri a tampa da fornalha, joguei o bolo lá dentro. Afinal, o bolo de aniversário era dela. O aniversário era dela, se nós quiséssemos comer bolo que comprássemos outro para nós. O bolo foi parar dentro da máquina, e o pessoal ficou bravo comigo.”
História cedida por Alexandre Campos, inspetor de tração e maquinista
Peixes e o espinho de coqueiro
Estávamos no penúltimo trem quando passamos perto de uma lagoa aqui em Congo Fino. Estava na época de outubro, as lagoas baixando… aí um colega falou “Nossa senhora!”, e pediu para parar o trem. Aplicaram o freio e foram ver o que estava acontecendo. Eram peixes! Vários peixes em uma lagoa que estava secando! Eu vi todo mundo descendo correndo, como um arrastão, e todos pegaram muitos peixes. Nesse momento, o Nelson pisou num espinho de coqueiro, que os fazendeiros jogam para o pessoal não pegar os peixes. Esse espinho enterrou no pé dele e saiu na parte de cima. Nisso, a turma levou ele lá para o carro, correndo. Ele estava gritando de dor. Aí o Luiz Gonzaga falou: “Vamos dar um jeito nesse espinho aqui mesmo”. Esse tipo de espinho você não pode puxar ele para baixo, tem que puxar ele para cima, porque tem umas garrinhas. É preciso operar, fazer cirurgia para tirar. Aí ele falou: “Não, eu dou um jeito aqui”. Foi lá, buscou um litro de pinga, pôs um copaço, mandou o Nelson beber. E falou: “Morde esse pano aí!”, pegou o alicate aí puxou o troço para cima, tirou mesmo. No outro dia o cara já estava andando! Estava bom. Pensei comigo: “Puxa vida, para quê plano de saúde? É só pinga, pinga sarou o cara!”. A gente foi comendo peixe no caminho e ao chegar lá na estação de Congo Fino tivemos de dar um bocado para os outros, porque tinha muito e não havia geladeira. Aí fizeram tipo um varal de arame para secar os peixes. Assim, eles ficam iguais a um bacalhau. Fomos a viagem toda jogando baralho e comendo peixe.”
História cedida por Moacir Silveira, maquinista aposentado
Você viu um trem passando por aqui?
Uma vez que a locomotiva saiu movimentando sozinha aqui. Na locomotiva, até quando eu chefiava, era colocado um sistema de calçadeiras, justamente para evitar essa situação. Se na locomotiva tiver algum vazamento num tubo condutor de vapor, é arriscado de ela sair movimentando sozinha . Com a locomotiva n. 1 aconteceu isso, pois ela estava com problemas. Ela ficava ali só para dar mamadeira para outras locomotivas. Ela ficava sempre acesa, e dela era tirado o vapor para colocar em outras. Havia alguns vigias que trabalhavam e ficavam tomando conta do pátio das oficinas. Então, numa noite, eles a deixaram com pressão, e ela saiu sozinha. Quando o vigia ouviu o barulho, ela já estava lá no portão, saindo sozinha. Arrebentou o portão e foi embora! O vigia saiu correndo à noite pela rua, perguntando se não viram um trem passando. Ela foi parar na Casa da Pedra, lá perto de Tiradentes, porque o excesso de vapor que tinha na caldeira acabou, sozinho. E ela foi longe, porque ela estava com a autonomia boa de vapor. Estava indo do jeito dela ali, até consumir o vapor todo. E o vigia atrás dela, correndo, perguntando se alguém não viu um trem passando.”
História cedida por Francisco Marques, supervisor de mecânica aposentado