A inauguração da Estação em 1893 reforçou a vocação da cidade como ponto de distribuição de mercadorias. Além de ser o principal meio de transporte para moradores, o trem também transportava matéria-prima e mercadorias para diversas cidades do interior do estado.
Eu não sou daqui de Santa Luzia, mas cheguei junto com o trem, assim como meus camaradas.
Ainda no século 19, em 1893, um novo marco de desenvolvimento chega à Santa Luzia:ainauguração daentão chamada Estação Rio das Velhas, que fazia parte da Estrada de Ferro Central do Brasil. Simbolizava o “progresso” e uma ideia de“desenvolvimento” chegando.O trecho da ferrovia era derivado da antigaCompanhia de Estrada de Ferro D. Pedro II. O objetivo da empresa era construir uma ferrovia que ligasse o Rio de Janeiro ao vale do Rio Paraíba do Sul, passando por São Paulo até chegar a Porto Cachoeira (atual Cachoeira Paulista) e depois seguir até Minas Gerais. A linha foi idealizada para transportar café e outros produtos agrícolas para exportação, além de abastecer as necessidades internas do país. Após a Proclamação da República, em 1889, a companhia recebeu o nome de Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB).Com sua extensa rede de trilhos e conexões, a Central conseguiu transportar grande variedade de cargas e passageiros.
“Dentro de um contexto de Revolução Industrial, a ferrovia representa justamente o elemento novo, a mudança de paradigma. E dentro do cenário brasileiro, quando uma cidade é privilegiada por estar na rota principal, isso representa a ida do desenvolvimento econômico para o interior. E ele vai na conquista do interior do país.”Adalberto Mateus, pesquisador e neto de ferroviário.
ESTAÇÃO SANTA LUZIA AINDA COM A DENOMINAÇÃO "RIO DAS VELHAS”.
Autoria desconhecida, primeira metade do século 20. Arquivo pessoal de Ítalo Massara.
Olavo Bilac:
“Depois do jantar, montamos a cavalo. Declina a tarde. Um vento fresco sacode as árvores. Deixamos a estação do Rio das Velhas entregue ainda à sua agitação comercial: sobre a lama da estrada trotam tropas de bestas, com a madrinha à frente, de campainha tilintando ao pescoço; rincham carros de bois, morosamente ao passo tardo das juntas que se atolam; e carroças carregadas de fardos ficam paradas, sem animais, rodeando a gare, onde manobra uma locomotiva, silvando.”Trecho do texto do poeta Olavo Bilac, publicado no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1894 sobre quando ele passou por Santa Luzia ao se dirigir para Belo Horizonte, a capital mineira ainda em construção.
A imigração
Junto aos trilhos da Central do Brasil, chegaram também famílias de imigrantes que vinham para trabalhar na ferrovia ou em busca de oportunidades.Na passagem do século 19 para o 20, a cidade recebeu, especialmente, imigrantes vindos da Itália, Alemanha, Espanha, Síria, Turquia e Líbano. Uma vez instaladas, essas famílias foram responsáveis por grande parte do desenvolvimento econômico do bairro da Ponte (atual São João Batista). As atividades antes concentradas na parte alta da cidade ganharam espaço também na parte baixa. Exemplo dessa nova dinâmica trazida pela Estação é o Armazém Central, que pertenceu ao casal José Augusto Orzil e Lúcia Orzil.
“Mas o que minha mãe me contava é que meu avô veio de Portugal para o Brasil pra trabalhar na Central do Brasil. E ele veio trazendo a estrada, o trem de ferro, que ia passar por Carreira Comprida. Quando ele chegou nessa área onde nós moramos, ele comprou esse terreno e aqui ele fixou a residência e viveu. Ele chegou no Brasil com dezenove anos e morreu aos noventa e nove. O nome completo dele era João Alves da Rocha.”Vanda Lúcia Gonçalves Galvão, moradora de Santa Luzia.
“E a gente vendia de tudo também. Naquela época era muito difícil ir pra Belo Horizonte. Era muito difícil pra todo mundo. […] Tinha muito ferroviário que era freguês. Eles usavam caderno, a gente anotava em caderno as despesas porque eles compravam por mês, pagavam por mês.”Lúcia Orzil, moradora do entorno da estação e proprietária do Armazém Central, juntamente com seu marido José Augusto Orzil.
O desenvolvimento urbano
A inauguração da ferrovia trouxe alterações significativas no traçado urbano de Santa Luzia. Se até meados do século 19, o bairro da Ponte (atual São João Batista), não se destacava no contexto luziense, a partir de 1893 essa parte da cidade ficou em evidência.
A instalação dos trilhos precisou ser acompanhada da abertura de uma via que pudesse ligar a parte já urbanizada do bairro à Estação de trem. A “Rua Felipe Gabrich” foi aberta para cumprir tal função, ganhando o nome do imigrante que construiu nela a primeira casa.
Italiano, Felipe Gabrich chegou à Santa Luzia no final do século 19, vindo de Petrópolis (RJ), onde já trabalhava na construção da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Uma vez instalado na cidade, deixou o trabalho no trem de ferro e abriu uma ferraria, ainda fornecendo serviços à ferrovia.
Cresce Ponte e surge Maria Laranjeira
O bairro da Ponte passou por intensas modificações com a chegada dos trilhos. O comércio foi se diversificando e surgiram, nas proximidades da Estação, estabelecimentos como a Companhia Telefônica e a Cooperativa de Leite, em função da movimentação trazida pela ferrovia.
O bairro da Ponte também recebeu outras formas de ocupação urbana. A instalação de famílias, no lado oposto à Praça Presidente Vargas, nas primeiras décadas do século 20, originou a porção do bairro que ficou conhecida pelo nome de sua fundadora: Maria Laranjeiras.
O trabalho ferroviário
Com a inauguração da estrada de ferro, surgiram em Santa Luzia novas formas de trabalho diretamente ligadas à ferrovia, com um sistema de hierarquia bem definido e distribuído em cargos variados. Para que a ferrovia funcionasse bem, contava-se com o trabalho de muitas pessoas. Seja na condução dos vagões, seja na comunicação ou no comando da estação férrea, cada trabalhador contribuía de alguma maneira para que a ferrovia funcionasse e o trem pudesse seguir o seu curso. Neste jogo da memória, vamos descobrir alguns cargos e conhecer melhor algumas das muitas funções existentes na ferrovia ao longo da história.
“A estação tinha uma hierarquia, tinha o agente ou conferente, que eram subordinados e tinha o chefe da estação. Nessa época, meu pai era agente e junto com ele havia mais dois agentes, Carlos Martins, e o Zé Pilão/Zé Martins. E na época o chefe da estação era Demóstenes de Melo.” Lucia Massara, filha de ferroviário
Tenho 14 anos de VLI e nesse tempo, todos os cargos que eu ocupei, eu me destaquei por ser a primeira mulher a ocupar cargos que inicialmente era ocupados por homens dentro do CCO (Centro de Controle Operacional). Para estar onde estou não foi nada fácil, tive que ter um pulso firme, e conquistar meu lugar. E isso só meu deu mais garra e força de vontade e não parar por aqui. […] Trabalhei muito para que hoje tenha mulheres manobrando o trem, conduzindo o trem, trabalhando como maquinistas mesmo. São revoluções muito grandes aqui dentro da ferrovia. Meu objetivo e trabalhar ainda mais para que outras mulheres estejam onde elas querem estar. Catarina Marques, funcionária da VLI em Santa Luzia
O trem de subúrbio
O desenvolvimento econômico proporcionado pela ferrovia fortaleceu também o transporte ferroviário de passageiros. Em Santa Luzia, esse foi o principal meio de transporte coletivo na cidade, durante seu período de funcionamento.
O misto ou balaieiro, como era chamado o trem de subúrbio, fazia a conexão dos luzienses com a capital, Belo Horizonte, assim como com outras localidades por onde os trilhos da Central do Brasil passavam. Cidades do entorno, como Pedro Leopoldo, Corinto, Matozinhos e Sete Lagoas, faziam parte do ir e vir costumeiro dos moradores de Santa Luzia, bem como de ferroviários que possuíam credencial de trânsito.
“…meus avós maternos moravam em Belo Horizonte, então minha mãe nos reunia para pegar o trem aqui de manhã e descia na Praça da Estação. Passávamos o dia lá e voltávamos para pegar o trem à tarde; era o nosso meio de transporte.” Lésia Sarah, moradora de Santa Luzia, que frequentava a Estação.
“Bem, antigamente a gente só ia pra Belo Horizonte de trem. Não tinha linha de ônibus regular. Eu mesmo cheguei a ir algumas vezes de trem. E o trem que vinha aqui ele descia e parava em Vespasiano, essas cidadezinhas aí pra baixo. Isso por volta de cinquenta e quatro, até 1960 a gente deve ter feito alguns passeios de trem. Aí eu não sei quando pararam essas viagens.”Elza Maria, moradora de Santa Luzia
A Estrada de Ferro Central do Brasil
A Estrada de Ferro Central do Brasil foi uma das principais ferrovias do Brasil, inaugurada em1858. Ela ligava a cidade do Rio de Janeiro a diversas regiões do interior, sendo uma via fundamental para o transporte de passageiros e cargas. A “linha do centro”, que aparece em destaque no mapa, referia-se ao eixo principal da ferrovia, que atravessava o estado de Minas Gerais, conectando o sudeste do país. Era vital para o desenvolvimento econômico e social da região, facilitando o escoamento da produção agrícola e mineral.