A chegada da ferrovia em 1895 transformou profundamente Pedro Leopoldo. A Estação logo se tornou o epicentro da vida local, atraindo comércio como hotéis, vendas, oficinas, restaurantes e bares para suas proximidades.
O trecho da linha férrea que inclui Pedro Leopoldo faz parte da Estrada de Ferro Central do Brasil. Criada durante o governo imperial, ela teve o objetivo de conectar o Rio de Janeiro a pontos estratégicos de Minas Gerais e São Paulo. A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II foi aprovada em 1855, e o primeiro trecho foi inaugurado em 1858.
Passou a se chamar Estrada de Ferro Central do Brasil após a Proclamação da República, em 1889, sendo incorporada pela União. A expansão dos trilhos era realizada por empreiteiras contratadas, com engenheiros responsáveis pela construção dos ramais. Em 1893, o Engenheiro Pedro Leopoldo da Silveira foi designado para supervisionar a ampliação da EFCB entre Sabará e o sertão de Minas Gerais. Essas empreitadas só foram possíveis graças aos esforços de muitos trabalhadores, desde os engenheiros às turmas do lastro.
“Hoje temos uma cidade para morar, porque em 1895 decidiram que a ferrovia passaria por Pedro Leopoldo. Algumas cidades vizinhas à nossa, por não terem acesso ferroviário, só se emanciparam muito tempo depois.” Ygor Gabriel, morador da cidade.
Mapa esquemático das estações da EFCB, Linha do Centro, da qual fazia parte a Estação Pedro Leopoldo. Ministério da Viação e Obras Públicas, 1927. Obra “Vias Brasileiras de Comunicação”, de Max Vasconcelos.
Turma do Lastro
Lastro é uma camada de pedra britada (pedra quebrada em vários pedaços irregulares) que serve como base para os trilhos e os dormentes (peças de madeira ou concreto que sustentam os trilhos). A camada de lastro é responsável por fornecer estabilidade ao trem; fazer a drenagem da chuva, evitando acúmulo de água; amortecer a vibração e o impacto da máquina quando ela passa pelos trilhos.
“Turma do lastro” é também o nome dado aos trabalhadores da soca(por serem responsáveis por socar a camada de pedras), trabalhadores de linha ou manutenção de via permanente. Esses são os primeiros trabalhadores a chegar em uma localidade que irá receber a ferrovia, pois são responsáveis pela abertura e preparação do leito para a instalação dos trilhos nos quais o trem passará.
“Antes era tudo difícil, tudo feito à mão. Hoje não, hoje tem máquina para tudo. Hoje uma máquina soca 1km (um quilômetro) de linha em uma hora. E nós fazíamos a soca aqui no braço, o dia inteiro. Foi sofrido, mas foi bom.” Laerte José Balbino, ferroviário aposentado.
A Parada da Cachoeira
O terreno doado pela Companhia Fabril da Cachoeira Grande abrigou a “Parada da Cachoeira”, construída em 1894 com a chegada dos trilhos. Esse marco impulsionou o desenvolvimento de Pedro Leopoldo, consolidando sua importância estratégica em Minas Gerais. No Brasil, as ferrovias conectaram regiões, facilitaram o transporte de matérias-primas e produtos, e promoveram o comércio, a indústria e o intercâmbio cultural. Elas trouxeram novas técnicas e conhecimentos, especialmente para a agricultura e a indústria, melhorando a produtividade e a vida cotidiana. Em Pedro Leopoldo, a linha férrea foi essencial para o crescimento urbano e econômico, transportando cal, cimento, tecidos, grãos e derivados do leite para o Brasil e atraindo novas famílias, brasileiras e estrangeiras.
A Fábrica de Tecidos
A instalação da Fábrica de Tecidos impulsionou a ocupação da área central do atual município. Em 1890, Antônio Alves Ferreira da Silva, dono de outra fábrica, visitou a região e percebeu o potencial hidráulico da Cachoeira Grande, na Fazenda das Três Moças. Três anos depois, iniciou a construção da Fábrica de Tecidos Cachoeira Grande, inaugurada em 1895, marcando um ciclo de crescimento local.
Ferrovia e fábrica se desenvolveram juntas; o transporte do maquinário necessário à inauguração foi feito pela ferrovia, cuja estação abriu também em 1895. O início das operações atraiu trabalhadores e se alinhou aos interesses da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil.
O Anuário Estatístico de 1906, sobre a indústria têxtil de Minas Gerais, registrou a Companhia Fabril da Cachoeira Grande em Santa Luzia, à qual Pedro Leopoldo pertencia. O local, especificado como “E. F. Central”, usava a água como força motriz, empregava 240 operários e produzia 18 toneladas anuais de tecidos.
“O primeiro boom mercadológico do município, que era formado por fazendas, tem uma relação com a fábrica, da qual o tecido saía. A matéria-prima chegava ao município e, em contrapartida, saíam os tecidos. Assim, a cidade foi crescendo e se desenvolvendo.” Misael Elias, morador da cidade.
"Cachoeira das Moças (no Ribeirão da Mata, Vale do Rio das Velhas), no Arraial de Pedro Leopoldo, município de Santa Luzia. Pertence à Companhia Fabril da Cachoeira Grande e tem força para 600 cavalos. A photographia é da Casa Brombérg."
Autoria: Nelson Coelho de Senna, 1914. Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Fábrica de tecidos. Autoria desconhecida, 1958. Acervo do IBGE.
O impulso econômico e científico
Em 1901, a maioria dos moradores da região trabalhava na Fábrica de Tecidos da Cachoeira Grande ou na ferrovia, atividades que impulsionaram o crescimento econômico local. Já a atividade agropecuária, tradicionalmente praticada e, posteriormente, fortalecida pelo avanço da ferrovia, motivou o desenvolvimento agrícola e tecnológico. Como resultado, na década de 1920, o Ministério da Agricultura criou a Fazenda Modelo na região. Focada em pesquisa e inovação, a fazenda foi fundamental para a introdução de novas técnicas agrícolas e, consequentemente, para a modernização das práticas rurais. Além disso, em sintonia com a ferrovia e com o avanço científico, contribuiu com o desenvolvimento da agropecuária em todo o país.
“Tanto os sírios quanto os libaneses aportaram aqui e se tornaram comerciantes. Meus avós, por parte de mãe, eram comerciantes de roupas, de panos… e por parte de pai também tinha um comércio de secos e molhados.” Elaine Jorge Rafael, moradora da cidade.
Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo passa a abrigar o Centro de Produção Sustentável. No detalhe, Chico Xavier (terceiro da direita para esquerda), 1930-1950. Boletim UFMG nº 1685, 08/03/2010.
A indústria do cimento
A partir da década de 1950, a indústria de cimento no Brasil cresceu significativamente, impulsionada pela construção de Brasília, a nova capital. O aumento da demanda atraiu diversas indústrias para Pedro Leopoldo, devido às suas características minerais favoráveis à produção do material. Em 1985, o transporte de cimento no trecho da ferrovia que passava pela cidade era expressivo: 27.000 toneladas foram carregadas em trens com bitola de 1 metro, enquanto outras 62.000 toneladas utilizaram bitola de 1,60 metro. Empresas como Cauê, Ciminas e Mauá consolidaram a cidade como um polo cimenteiro no Brasil.
A revista Alterosa descreveu a Cimento Cauê, em 15 de junho de1956, como “a mais moderna do mundo”. O artigo destacou a presença de Bias Fortes e Juscelino Kubitschek no evento de inauguração, exaltando a relevância da indústria para a economia e da Central do Brasil para o escoamento da produção.
A mais moderna do mundo
“A fábrica da Companhia Cimento Portland Cauê, inaugurada oficialmente no dia 15 último, já se encontra em atividade há alguns meses. Instalada junto à fonte de matéria prima, e a apenas 40 quilômetros de Belo Horizonte, por moderna rodovia asfaltada e pela Central do Brasil, apresenta-se em condições de suprir rapidamente o mercado em crescente expansão, com despesas mínimas de fretes. A fábrica está situada em Pedro Leopoldo, ao pé de uma montanha contendo calcáreo para 300 anos de exploração.”
Exploração do calcário realizada atrás da fábrica de cimento Cauê. Antonio Teixeira Guerra, 1958. Acervo do IBGE.
A cidade em movimento
O relevo plano e a proximidade com o Rio das Velhas e o Ribeirão da Mata conferem a Pedro Leopoldo condições favoráveis a uma ampla variedade de meios de locomoção. Essa diversidade tem raízes históricas, remontando aos bandeirantes que, no século 18, usavam canoas para explorar a região. No século 19, a chegada da ferrovia facilitou o transporte de mercadorias e o deslocamento de funcionários da Fábrica de Tecidos, que usavam um bonde de tração animal para percorrer os trilhos da estação até o local de trabalho.
O trem de passageiros também conectava a cidade a regiões distantes, sendo parte da rotina de muitas famílias. Sua chegada era um evento esperado com entusiasmo, movimentando a vida social e trazendo um clima de euforia.
As bicicletas também ganharam importância. Desde o início do século 20, passaram a ser uma opção popular, amplamente utilizada pelos moradores até os dias atuais.
“Quando o trem vinha de Corinto para cá, ele passava em Sete Lagoas, a gente embarcava na estação e descia aqui, que eram nossas férias, as férias da casa da avó. A minha avó teve 11 filhos e a maioria morava fora de Pedro Leopoldo No Natal a criançada vinha toda pra casa da avó. Então, quer dizer, pegar o trem em Sete Lagoas e vir pra Pedro Leopoldo era o ápice do ano.”Marlise Aparecida, filha de ferroviário.
“Todo mundo anda de bicicleta aqui, já andava mesmo quando ainda não tinha calçamento. Aí de vez em quando derrapava, caía e ralava o braço, mas aí se levantava e ia embora. Eu andava muito, ia e voltava pra Cauê de bicicleta.” Geraldo Leão, memorialista da cidade.
Canoa, também chamada piroga, esculpida em madeira maciça em um único tronco de árvore, encontrada no Rio das Velhas, em Pedro Leopoldo.
Secretaria Municipal de Cultura, 2022. Acervo da Secretaria Municipal de Cultura.
Estação Pedro Leopoldo em 1924. De um lado da plataforma, passageiros aguardam o trem. Do outro, está o bonde de tração animal que levava os funcionários até a fábrica de tecidos.
Autoria desconhecida. 1924. Stiel, Waldemar Correa. História do Transporte Urbano no Brasil.
Desfile pelo aniversário de 44 anos de Pedro Leopoldo, com destaque para o grande número de bicicletas nas ruas acompanhando o evento.
Autoria desconhecida, 1968. Arquivo Geraldo Leão.
A cidade das muitas culturas
Pedro Leopoldo reflete, hoje, a integração de diversas matrizes culturais. Suas manifestações culturais possuem profundas raízes históricas e são caracterizadas pela transmissão de costumes que atravessam gerações, mantendo e renovando tradições ao longo do tempo.
Além disso, a convivência de diversas etnias e grupos sociais contribui para uma cidade vibrante e plural, na qual a troca de saberes e experiências enriquece o cotidiano. Esse intercâmbio cultural não só fortalece laços comunitários, mas também promove um ambiente de respeito e valorização da diversidade.
Boi da Manta
O Boi da Manta está entre as manifestações mais antigas da cidade. Há cerca de 105 anos, funcionários da Fábrica de Tecidos criaram o bloco caricato que desfilava pelas ruas, abrindo o período do Carnaval. Com bonecos gigantes e um boi, cobertos com tecidos coloridos, os foliões desfilam com alegorias carnavalescas, acompanhados de banda de música e seguidos por centenas de outros foliões. Hoje, a Associação Cultural do Boi da Manta possui reconhecimento junto à Rede Mineira de Pontos de Cultura, devido à sua importância como referência de cultura e tradição na cidade.
Festa do Boi da Manta, de Pedro Leopoldo. Autoria desconhecida, 2019. Acervo Site Minas Gerais.
Boi da Manta. Autoria desconhecida, século 21. Acervo Circuito das Grutas.
Festa do Boi da Manta, de Pedro Leopoldo. Autoria desconhecida, 2019. Site da Prefeitura de Pedro Leopoldo.
O Carnaval
O Carnaval em Pedro Leopoldo tem movimentado a vida social da cidade há décadas, com blocos caricatos e bailes em salões que refletem a alegria do período. Essa alegria é evidente nos relatos de moradores, que relembram com entusiasmo as celebrações. A Estação Ferroviária era um ponto de encontro importante, recebendo foliões de regiões próximas para os eventos locais. A conexão entre o carnaval e a ferrovia também aparece em figuras como Dirceu Pietra, ex-motorista da Rede Ferroviária, que ocupou por muitos anos o posto de rei do Carnaval da cidade. Até mesmo o trio elétrico local ganhou um formato único, sendo chamado de “trem elétrico”.
“Meus pais eram os reis momos de Pedro Leopoldo. A vida inteira a gente viveu em torno disso, porque carnaval era o auge. Tinham desfiles e escola de samba. Tinha os Ybusguru, os Amolados e Apaixonados, do bairro Magalhães. Tinha Catimbeiros, Bloco do Sujo e outros vários blocos. Era muito movimentado. O carnaval de Pedro Leopoldo era muito bom, vinha muita gente de fora no trem. Era muito bom.” Cátia Maria Lopes, filha de ferroviário e moradora de Pedro Leopoldo.
“Naquele tempo, havia o Carnaval do Fubá, no Moinho Campestre, que era uma fábrica de fubá do senhor João Evangelista da Silva. Na época da festa, ele afastava tudo e montava um espaço para o povo se divertir. Nós reuníamos nossa turma lá. O povo ia tão bonito, todo mundo fazia fantasia, ficávamos dias bordando e costurando. Era uma festa muito bonita” Elaine Jorge, moradora da cidade.
Dirceu Pietra, motorista do engenheiro Wilson Lobato e funcionário da RFFSA, como rei do carnaval.
Ala “Trem Elétrico Mineiro” passando pelas ruas de Pedro Leopoldo durante o carnaval.
O Congado
O Congado é uma manifestação cultural e religiosa afro-brasileira que mantêm elementos do catolicismo e de tradições banto africanas. Tem como princípio celebrar a devoção a São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia, envolvendo cortejos, cânticos, danças e encenações que representam a coroação simbólica de reis e rainhas africanos, rememorando tanto a resistência dos escravizados quanto a preservação de suas tradições e religiosidade. Ao mesmo tempo em que é uma expressão de fé, o Congado também é um ato de preservação e resistência cultural, celebrando a herança africana no Brasil.Pedro Leopoldo possui diversas guardas (ou ternos) de congado, comprovando a força dessa fé que canta e dança. Sua presença na região segue marcante até os dias de hoje, demonstrando a importância desse Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil para a identidadede toda a comunidade congadeira pedro-leopoldense.
“Uma lembrança que eu guardo é do Congado, havia um grupo da Vila Magalhães… todo ano tinha uma festa muito bonita, com as roupas típicas; desciam lá de cima e vinham aqui para o centro da cidade com aquelas cantigas próprias de reis. Bem grande o grupo… o cortejo! Com muitos dos funcionários da Central, eles traziam os filhos… a família toda!” Márcia Lobato, filha de Wilson Lobato
Existe uma marcha na Guarda de Congo do distrito de Fidalgo que canta: “Estava na estação, auê, quando o trem passou, auêcheio de baiana, auêde São Salvador.” Eu acho que é uma referência a esse trem baianeiro que passava aqui. Ygor Gabriel, morador da cidade.
Guarda de Congo do distrito de Fidalgo – Pedro Leopoldo
Eder Roberto Rodrigues 2024. Arquivo pessoal de Eder Roberto Rodrigues.