Formiga está entre a Bacia Sedimentar do Grupo Bambuí e o Complexo Cristalino Arqueano, regiões ricas em calcário e granito. As famosas areias brancas, formadas pela decomposição de granito, hoje são raras devido à exploração e urbanização.
Mar de Minas
Formiga está localizada na região oeste de Minas Gerais, conhecida como “Mar de Minas”, com suas praias de lagoas, rios e cachoeiras. A cidade é cortada por morros, montanhas, cavernas, grutas e também pelos afluentes de dois grandes rios: o Grande e o São Francisco.
Os afluentes do Rio Grande que permeiam a região são os rios Formiga e Mata Cavalo, que atravessam o perímetro urbano; além disso, a área rural é entrecruzada pelos rios Pouso Alegre e Santana; já o Rio Lambari é um afluente do Rio São Francisco, que permeia alguns povoados da cidade.
Essa localização estratégica, entre rios, seria fundamental para que Formiga se tornasse um ponto de pouso e se desenvolvesse como município.
Por que Formiga é a cidade das areias brancas?
O território que hoje chamamos de Formiga está entre duas unidades geológicas importantes: a Bacia Sedimentar do Grupo Bambuí e o Complexo Maciço Cristalino Arqueano. A Bacia Sedimentar é uma área onde se concentram grande espaços de formações calcárias, e o Complexo Cristalino corresponde a terrenos constituídos de rochas de granito.
As areias brancas se enquadram no grupo de rochas sedimentares, fruto da decomposição de rochas de granito que se formam através da ação seletiva dos rios pela gravidade. A cor branca dessa areia, que forma as praias fluviais na região, só se forma onde as rochas são ácidas. Essa característica é comum em rochas que contêm quartzo, como o granito, muito presente na região. Devido a diversos fatores, dentre eles o processo de urbanização e a exploração predatória desse material, essas areias já não estão mais tão presentes no município.
“Sabe por que a nossa cidade, é chamada Cidade das Areias Brancas? O sol batia na areia e refletia na gente, você pode ver nas fotos antigas, que a maioria andava de óculos escuro aqui.”
Relato de Antônio Maia, neto de ferroviário
Relatos de uma Formiga pré-colonial
Devido a diversos processos exploratórios, como a mineração (granito e calcário), o uso da terra para agricultura, a construção da Hidrelétrica de Furnas e a urbanização dos espaços, é difícil visualizar a paisagem pré-colonial deste lugar. Porém, é possível que algum esboço da aparência antiga seja feito por meio dos relatos de viajantes, bandeirantes e primeiros colonizadores a habitar o local. Confira neste bolso algumas descrições feitas ao longo do século 19 por Ignácio Correia Pamplona, comerciante, mestre de campo e bandeirante português; e por Saint-Hilaire, viajante francês que passou pela região em cerca de 1819.
Ignácio Correia Pamplona (comerciante, mestre de campo e bandeirante português)
“Ao descrever o local da paragem do Salitre, nome que no século 19 foi usado para denominar as serras calcárias situadas na margem direita do Rio São Miguel, o escritor do diário descreve: […] logo ao entrar na dita parage, nos deu um cheiro mui semilhante a pólvora, e entrando pela espessura vimos o terreno noticiado todo cercado de frondosas árvores mui ramalhudas e mui pretas, tendo o dito terreno […] pouco mais de comprido que de largo, matizado por todo ele com lajens [,] uas maiores, outras mais pequeninas, e é em si mui úmido. E para uma parte do mesmo terreno faz um barranco por donde correm em pouca quantidade as águas que do mesmo terreno imanam.”
Trecho publicado por Gilmar Henriques, na dissertação de mestrado “Arqueologia regional da Província Cárstica do Alto São Francisco: um estudo das tradições ceramistas Una e Sapucaí”, em 2006.
Auguste Saint-Hilaire (viajante francês que passou pela região em cerca de 1819)
“Para chegar a essa serra tomei a direção oeste-quarta-noroeste e andei cerca de 45 léguas. A região que percorri então forma uma espécie de crista e deve ser forçosamente muito elevada, pois se acha situada entre as cabeceiras do Rio Grande e as nascentes dos primeiros afluentes do São Francisco. Sabe-se, aliás, pelas observações barométricas de Eschwege, que a Fazenda do Vicente, localizada a quatro léguas da pequena cidade de Tamanduá, situada à beira da estrada, tem uma altitude de 551 metros acima do nível do mar, e que a vila de São João Batista, cinco léguas distante de Oliveira, onde parei, fica a uma latitude de 994,8 m […]. Essa região é geralmente montanhosa, apresentando alternativamente pastos e matas. Existe mesmo uma densa floresta perto de Tamanduá. Ali o capim dos campos não é de tão boa qualidade quanto no distrito de Rio Grande, e é unicamente nas imediações da Serra da Canastra que se acha o capim-flecha, gramínea que caracteriza as melhores pastagens. Espalhadas pelos campos vêem-se árvores raquíticas e retorcidas, à semelhança do que vi na região entre o norte da Província de Minas e o Rio São Francisco”
Trecho publicado por Leopoldo Costa, no texto “Saint Hilaire viaja pela região de Formiga na segunda década do século XIX”, em 2015.
“Nos arredores de Formiga, onde existem catingas, e provavelmente em toda a parte em que se encontram matas dessa natureza, as vacas são menos estéreis do que em S. Eloi, e rendem cerca de duas garrafas de leite por dia”
Auguste De Saint-Hilaire, no texto “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: Quadro geral do sertão, publicado em 1938.
“Na maioria das vezes os vaqueiros não levam com si nenhuma provisão; vivem de leite cru, de coalhada misturada com mel, e de várias espécies de frutos selvagens, que se sucedem quase durante toda a estação da cria de bezerros e potros. Esses frutos são várias espécies de Araticú (anona), a Guabiroba (psidium), várias espécies de araçá (Psidium), a jabuticaba (fruto que se prende ao tronco de uma Mirtácea),*várias espécies de Murici (Malpighiacea), o giqui, o humbú (spondias tuberosa), o genipapo (Genipa americana, I.), o burity (palmeira Mauritia vinífera, Mart.), a mangaba (Apocynacea, hancornia speciosa, Gom.), duas espécies de goiabas, diversas variedades de Bacoparí (spotacea), a Guabiroba (palmeira Cocus oleracea, Mart.), a Pitomba (Sapindus esculentus, St. Hil. Jus. Camb.) a Mutamba (Guazuma ulmifolia, Aug. de Saint-Hil.), a Marmelada, o Indaiá (palmeira), a Cagaiteira (mytus dysenterica, Mart.), várias espécies de ingás (leguminosas), o jatobá (leguminosa), o borulé, urticácea”.
Auguste De Saint-Hilaire, no texto “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: Quadro geral do sertão, publicado em 1938.
“Existem em Formigas alguns poços que conservam água durante todas as estações; encontram-se também alguns ao longo da estrada da Bahia; mas, segundo o que me disseram, não existem mais deles em todo o resto do Sertão”.
Auguste De Saint-Hilaire, no texto “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: Quadro geral do sertão, publicado em 1938.
“O Sertão compreende, nas Minas, a bacia do S. Francisco e dos seus afluentes, e se estende desde a cadeia que continua a Serra da Mantiqueira ou, pelo menos, quase a partir dessa cadeia até os limites ocidentais da província. Abarca, ao sul, uma pequena parte da comarca do Rio das Mortes, a leste, uma imensa porção das comarcas de Sabará e do Serro do Frio, e finalmente, a oeste, toda a comarca de Paracatu situada ao ocidente do São Francisco. Essa imensa região constitui assim cerca da metade da Província de Minas, e se estende aproximadamente desde os 13º até os 21º de latitude; mas não se deve pensar que o Sertão se restrinja à Província de Minas Gerais; prolonga-se pelas de Bahia e Pernambuco, e a Província de Goiás, pela qual se continua, não é ela toda senão um imenso deserto […] Ao Sul, a povoação de Formiga, a 7 léguas da vila de Tamanduá, é considerada como estando à entrada do Sertão; mas, assim como o disse, é difícil que não haja muita indeterminação nessa divisão, que não é resultado de nenhum limite setentrional. Para dar ao Sertão de Minas uma divisão tão natural quanto possível, é necessário, creio, começar, do lado do sul, nas nascentes do S. Francisco, e, do lado de leste, na cadeia ocidental”
Auguste De Saint-Hilaire, no texto “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: Quadro geral do sertão, publicado em 1938.
“Os arredores da povoação de Formiga produziram também muito salitre; atualmente, porém, as jazidas dessa zona estão quase esgotadas […]. Seria para desejar que algum geólogo visitasse com cuidado as grotas do deserto. Encontraria aí provavelmente ossos fósseis, pois que me deram em Vila do Fanado um dente de mastodonte que está atualmente no Museu de Paris, e me disseram ter sido encontrado em um terreno salitrado do Sertão. Não sei bem mesmo se não me falaram de ossadas gigantescas descobertas nessa região.”
Auguste De Saint-Hilaire, no texto “Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais: Quadro geral do sertão, publicado em 1938.
Rochas que guardam a Pré-História
Considerada a “entrada do Sertão”, Formiga faz parte da Província Cárstica do Alto São Francisco, área delimitada por sítios arqueológicos onde, além do munícipio, estão também as cidades de Pains, Doresópolis, Arcos, Córrego Fundo, Iguatama, Pimenta e Piumhi. De acordo com o pesquisador Gilmar Henriques, nessa área foram encontrados inúmeros indícios arqueológicos de culturas pré-históricas com aspectos em comum, como os tipos de pinturas rupestres e cerâmicas. Por ser uma região com muito calcário, esse território ajuda na preservação e conservação de fósseis, já que o calcário é um tipo de rocha menos ácida e menos corrosiva do que outras. Segundo os registros do Museu Arqueológico do Carste do Alto São Francisco (MAC), há indícios de ocupação humana na região referentes a até onze mil anos atrás.
Os primeiros habitantes e seus trabalhos
Dos vestígios encontrados pelos pesquisadores na região, as cerâmicas são os que mais se destacam. De acordo com o pesquisador Gilmar Henriques, a cerâmica pode ter surgido na região há cerca de 2000 anos. Estima-se que foram produzidas por indígenas horticultores-ceramistas, por meio de técnicas parecidas com as das tradições Una e Aratu/Sapucaí. Sabe-se que os Una produziam vasos com gargalos alongados, pintados com argilas brancas e vermelhas; e os Aratu/Sapucaí produziam grandes potes para armazenar líquidos e grãos, urnas funerárias, pequenos vasilhames, rodelas para fiação de algodão, cachimbos, além de pratos e tigelas. Somados às cerâmicas, foram encontrados pilões e machados na região, reforçando a hipótese de que esses grupos baseavam sua economia no cultivo do milho e da batata-doce.
Vestígios entre apagamentos e silêncios
As populações originárias que habitavam a região de Minas Gerais foram assassinadas, em grande genocídio promovido por bandeirantes paulistas em meados do século 17 e início do século 18, de acordo com a pesquisadora Maria Resende. Há apagamento histórico desses povos e, em algumas situações, a exaltação da figura dos bandeirantes como heroica. Eles são homenageados, por exemplo, no brasão de armas do município de Formiga. Uma das primeiras e únicas menções da presença de povos indígenas na região encontra-se em uma carta escrita pelo Padre Aspicuelta de Navarro, que narra a entrada comandada por Espinosa, em 1552. Ele menciona que o território estava ocupado por povos chamados “Cathiguçu” no Rio Pará, “Tamoyos” do outro lado do rio, e os “Tapuyas” por todos os lados. Além dos Tamoyos e Tapuyas, outros registros realizados pelos bandeirantes paulistas mencionam: Catauá (Cataguás), Coroados, Tapanhunhos, Xopotós, Cropós, Puris, Arrepiados, Tememinó, Tobojara e Candidés.
Sertão dos Cataguases
Durante o século 17, era comum usar as expressões “Sertão dos Cataguases” e “Campos Geraes dos Cataguases” ao se referir ao território mineiro. Os indígenas cataguás ficaram conhecidos por ocuparem os territórios do Centro-Oeste, sul de Minas, médio e alto São Francisco. Apesar do termo “Minas dos Cataguases” ser muito citado, o pesquisador Gilmar Henriques postula que talvez nunca tenha existido de fato uma nação indígena denominada Cataguá, porque não existe comprovação da existência de nações indígenas que se chamassem assim. O termo Catauá pode ter sido utilizado pelos bandeirantes paulistas para designar genericamente qualquer grupo que habitasse as florestas. Havia, ainda, uma diversidade de histórias fantasiosas a respeito desses povos indígenas que ocupavam o sertão de Minas. Dizia-se que muitos bandeirantes que se aventuraram pela região do Alto São Francisco desapareciam e eram devorados pelos “Cataguás”.
A Lenda dos Tatus Brancos
A lenda dos tatus brancos é um bom exemplo de história fantasiosa a respeito dos povos indígenas, que circulou amplamente. O conto retrata indígenas “vampiros”, que viviam em cavernas e faziam “desaparecer” bandeirantes de forma brutal. Os indígenas que resistiam fortemente aos ataques dos colonizadores eram descritos pela coroa portuguesa como “brutais” ou “gentios canibais”. Difundir essas narrativas racistas dos indígenas como povos bárbaros e não civilizados interessava aos colonizadores, já que fabricava a ideia de que toda a violência que promoviam era, na verdade, uma maneira de “limpar” e “civilizar” o território. Vendo ser logisticamente impossível a domesticação dos indígenas, o governo da capitania transformou os sertões em áreas proibidas e demarcou aldeamentos para o controle da população originária.
“Foi no tempo em que os vossos avós desciam o Tietê ao sabor das Monções ou vingavam a Serra da Mantiqueira, em busca do ouro. Reduzida escolta bandeirante ficara perdida numa região agreste das Minas Gerais, conhecida pela grande quantidade de furnas e cavernas temerosas […]. Toda a noite, nos pousos, os forasteiros ouviam de um caboclo velho da escolta histórias do desaparecimento misterioso de gente de bandeiras anteriores, sem que jamais se lhe pudesse encontrar o mínimo vestígio: eram vítimas decerto dos índios vampiros chamados “tatus brancos”, que, enxergando como corujas batuqueiras, na noite mais tenebrosa varejavam à disparada, a horas mortas, campos e matos em procura de presa […]. Eis aí se não traiu a memória, a lenda, lida em criança, da existência de uma tribo de canibais trogloditas […] habitantes das cavernas.” (Câmara Cascudo, A lenda dos tatus brancos)
Trecho publicado por Gilmar Henriques, na dissertação de mestrado “Arqueologia regional da Província Cárstica do Alto São Francisco: um estudo das tradições ceramistas Una e Sapucaí”, em 2006.
O Sertão dos Cataguases passa a Sertão do Campo Grande
Após grande genocídio, dispersão e escravização dos povos indígenas no território entre o final do século 17 e início do 18, a paisagem da região se transformou. Provocados pelo declínio dos garimpos, os bandeirantes passaram a se fixar e a demarcar territórios como seus. De acordo com a pesquisadora Jacyra Parreira, eles faziam isso seja ganhando sesmarias por parte do governo cedidas com o argumento de proteger as áreas “conquistadas”, ou por concessões posteriores à ocupação dos territórios. Para receber uma carta de sesmaria, os bandeirantes precisavam ter pessoas escravizadas em suas propriedades para o cultivo das lavouras e a defesa das fazendas. Isso fez com que a quantidade de pessoas negras escravizadas crescesse no território. No decorrer do século 18, já não se viam mais menções a grupos indígenas originais, e sim ao “Sertão do Campo Grande” e à multidão de aquilombados.
O Sertão do Campo Grande e seus quilombos
Em meados do século 18, a região ganhou o nome devido à sua grandiosidade de serras e rios. Nesse período, foi ocupada especialmente por negros que fugiam da escravização e que se aquilombavam no território, que oferecia boas condições para a instalação de quilombos. O então chamado Campo Grande, era protegido por seus dois grandes rios e dava acesso fácil às proximidades do sertão do Oeste. Segundo pesquisadores, havia uma confederação de quilombos nessa região, denominada “Quilombo do Campo Grande” ou “Quilombo do Ambrósio”. Alguns quilombos no território onde hoje se localizam os municípios de Formiga, Pains e Arcos eram denominados Luanda, Buraco dos Negros, Ribeirão do Quilombo, Fazenda do Quilombo, Paiol, Candonga, Cazanga, Corumbá e Mandengo.
“O famoso Quilombo do Campo Grande, confederação quilombola cuja capital foi a Primeira Povoação do Ambrósio, que por ocasião da Guerra Quilombola de 1746 se localizava a norte do atual município de Cristais-MG, tinha então os seus quilombos confederados esparramados por todo o centro-oeste de Minas Gerais, abrangendo os territórios dos atuais municípios de Aguanil, Cristais, Guapé, Piumhi, Formiga, Pains e Arcos”.
Tarcísio José Martins no texto “A toponímia quilombola dos municípios de Arcos, Pains e Formiga”, publicado em 2013.