No início do século 20, a chegada da ferrovia impulsionou a vida cultural de Formiga, já vibrante com manifestações religiosas. Surgiram cinema, teatro, carnavais, jogos, clubes, e a famosa Lagoa do Fundão, animando moradores e viajantes.
Olá! Sou o Buck Jones de Formiga! Venho direto da sessão das 18:30 do Cine-Glória. A fita acabou e tá faltando a parte final do filme!
No início do século 20, com a chegada da ferrovia e o movimento de viajantes na cidade, a vida cultural de Formiga ficou ainda mais agitada! A cidade, que já tinha um movimento cultural forte, principalmente ligado à religião católica, com a chegada da ferrovia recebeu manifestações artísticas e culturais mais variadas ainda: a criação da Corporação Musical São Vicente de Férrer, a vinda do cinema, o teatro, a agitação dos carnavais, os jogos de futebol e de malha… O trem agitou tudo. A diversão na época do trem de passageiros era ocupar a cidade: as praças eram os pontos de encontro dos mais jovens. Os clubes com seus bailes, os rios e a famosa Lagoa do Fundão (prainha popular) eram onde muitos se divertiam em época de calor. Os circos e parques que passavam por temporadas na cidade alegravam todas as idades.
Banda dos operários da linha
A chegada da ferrovia está diretamente ligada à história musical de Formiga, uma vez que a Corporação Musical São Vicente de Férrer, também conhecida como a “furiosa”, foi inicialmente formada por operários que trabalhavam na construção e manutenção da Estrada de Ferro Oeste de Minas, que teve como seu primeiro presidente e maestro o músico Pedro Severiano de Deus, conhecido como “Pedro Música”, um homem negro, pedreiro e operário. Trabalhou na construção da ferrovia EFOM, onde, por meio dos ensinamentos dos músicos padre João da Mata da Silva Rodarte e do monsenhor João Ivo Rodarte, se tornou um grande baixista. De acordo com o pesquisador Vinícius de Oliveira, Pedro também ensinou e despertou a vocação musical em muitos de seus colegas de trabalho na ferrovia e amigos da Charqueada.
Quase 100 anos de Corporação Musical São Vicente de Férrer
É o conjunto musical com maior tempo de atividade ininterrupta: teve quase cem anos de atuação em Formiga. A banda foi fundada em 1908. No dia 6 de junho ocorreu a sua primeira apresentação, durante a celebração do aniversário de 50 anos de emancipação do município. A corporação integrava os mais variados tipos de eventos na região; se fazia muito presente nas festas religiosas, principalmente nos eventos perto da Igreja Matriz. O grupo participava também de diferentes eventos cívicos e populares no município, tais como: bailes de carnaval, feriados, procissões, inaugurações e festas. Todas as quintas-feiras, a banda tocava na Praça São Vicente de Férrer e, aos domingos, no coreto da Praça Ferreira Pires. Foi um espaço de formação de muitos músicos formiguenses e teve seu reconhecimento público legal somente em 1968, quando já tinha 60 anos de atividade. A sede da banda foi construída em 1942, erguida pelo mestre Aristides e seus filhos; e em 1996, foi reformada.
“Havia eventos em que os músicos da Banda São Vicente atuavam de forma institucional, tocando a rigor, uniformizada e sob o comando de seu regente. Entretanto, em outras ocasiões e festividades, aqueles músicos que tinham disponibilidade, se organizavam e se reuniam para realizações de performances mais informais, prestadas em troca de pagamentos simbólicos.”
Vinícius Eufrásio de Oliveira na tese Música na Princesa d’Oeste Mineiro: uma cartografia das práticas, formações e espaços educativos em Formiga, 2022.
Festejos do Rosário
Ligadas às Festas e à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, Formiga conta com as guardas de Catupés, Congados, Moçambiqueiros e Marias-sem-sal. Os grupos são parte das festividades de devoção à Santa e expressam resistência, manutenção e transformação da religiosidade Banto-Africana no Brasil.
A Irmandade, principal forma de associativismo negro em Minas Gerais no século 19, foi criada em Formiga em 1809. Já a Igreja do Rosário foi edificada atrás da Igreja Matriz São Vicente Férrer e começou a ser construída em 1810, finalizada em 1814. O Congado realizou sua primeira apresentação em 1816. Entre 1965 e 1967 a Igreja do Rosário foi destruída por razões aparentemente não esclarecidas à sociedade em geral e, especialmente, ao grupo comunitário que fazia uso do local. No entanto, até os dias de hoje, as tradições negras bicentenárias da Festa e do Congado seguem vivas e atuantes na cidade.
A demolição da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
A manifestação cultural negra passou por diferentes relações com a Igreja Católica ao longo do tempo. Ora eram incentivados, ora reprimidos e perseguidos pela instituição religiosa. Alguns historiadores recorrem à ideia de que a demolição da Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi motivada pelo preconceito de determinado grupo social que, com sua influência, impulsionou a derrubada do templo religioso. Atividades originárias da cultura negra, como Congado e Folia de Reis, eram celebrados nas proximidades da igreja e em seu interior, e supostamente incomodavam um núcleo de pessoas. Além disso, embora não haja registros documentais claros, algumas fontes defendem que moradores fizeram um abaixo-assinado a favor da demolição.
Os primeiros músicos
A música já corre nas veias de Formiga desde que o povoado começou a se formar. Embora não existam registros dessas atividades antes do século 19, é possível inferir que já existiam práticas musicais na região desde a formação do Arraial São Vicente de Férrer pela presença de espaços festivos, comunidades quilombolas e aldeamentos indígenas. Os registros mais antigos que comprovam a atividade de músicos em Formiga são dos nomes de Antônio Fernandes, João Brás da Costa e José Brás da Costa, listados como professores da arte da música no “Livro Primeiro de Entradas” da Confraria de Santa Cecília de Vila Rica, fundada por volta de 1820. A cidade é berço de grandes bandas, como a Corporação Musical São Vicente Férrer, a Lira Formiguense e a Banda do Santo Antônio. Também há menções à Banda de Música Santa Cecília. Com relação a essa banda, não há muitos registros – apenas menções em jornais do início do século 20.
Lira Formiguense
O grupo musical se reuniu em 1885 e animava as festas locais. Tocavam em peças teatrais que aconteciam no Teatro AlecrimArlequim. Um manuscrito da Lira Formiguense datado de 1898 foi encontrado em meio ao acervo de partituras da Corporação Musical São Vicente Férrer. Havia muitos músicos que participavam da Lira Formiguense: segundo Oliveira (2022), o monsenhor João Ivo Rodarte, principal apoiador do grupo, sugeriu que a Lira Formiguense se transformasse em duas bandas. Assim, nasceu a Corporação Musical São Vicente Férrer, que ficou sob o comando de Pedro Severiano de Deus, e a Banda do Santo Antônio, sob a direção de Juca Bicho e do Sr. Boffa. Havia também uma rivalidade sadia entre as duas bandas.
“Esse conjunto era composto por músicos como Rodolfo Almeida, Chico Pedro, Juca Bicho, Zezinho de Souza, Juquinha Badala, Cornélio Filogonio, Acácio Araújo, Chico da Virgínia, José Clementino, Luiz Boffa e muitos outros. Vários desses eram operários da Charqueada e da Estrada de Ferro Oeste de Minas que haviam começado a estudar música.”
Vinícius Eufrásio de Oliveira na tese Música na Princesa d’Oeste Mineiro: uma cartografia das práticas, formações e espaços educativos em Formiga, 2022.
O fato de Formiga fazer parte da rota de artistas viajantes contribuiu com o cenário musical local que viria a ser cada vez mais efervescente à medida em que os anos avançavam no século XX. Podemos considerar que estes trânsitos artísticos, além de acarretarem diversas prestações de serviços para a cidade, possibilitavam intercâmbios que culminavam na ampliação de repertórios musicais e também culturais para os habitantes do município que, por sua vez, conviviam com estes forasteiros e absorviam as novidades advindas das suas experiências em outras estâncias.
Vinícius Eufrásio de Oliveira na tese “Música na Princesa d’Oeste Mineiro: uma cartografia das práticas, formações e espaços educativos em Formiga”, 2022.
E tinha o coreto da banda também né? Aqui na praça. A banda Palhoça. A banda saia lá da rua do Quinzinho e vinha já furiosa.
Relato de Antônio Maia, neto de ferroviário.
Bandas militares
Foram encontrados registros da organização do Batalhão da Guarda Nacional de 1838, quando já contavam com corneteiros e tambores. É provável que essa organização abrilhantava as festas cívicas e religiosas no município. A formação das bandas em Formiga cresceu e se proliferou entre os séculos 19 e 20, sempre carregando características militares como seus uniformes (fardas), rituais e postura, além dos nomes dos grupos, sempre iniciados pelos termos “Lira” e “Corporação” que remetem a termos usados pelos militares.
Incentivadores da música local
O monsenhor João Ivo Rodarte é considerado um dos primeiros incentivadores da música em Formiga, atuando e incentivando a fundação de bandas e apoiando movimentos culturais com práticas musicais, como o Congado, por exemplo, e também atuando no ensino musical. Outros dois grandes incentivadores das práticas musicais em Formiga foram o padre Remaclo Fóxius e o professor Franz Stangelberger, que idealizaram o órgão de tubos da Igreja Matriz São Vicente Férrer, tocado até os dias de hoje em celebrações religiosas.
Mulheres na música formiguiense
É possível constatar forte presença feminina nas práticas musicais de Formiga. Um bom exemplo disso é o concerto de pianos que ocorreu em 1962 em praça pública, executando a Rapsódia Húngara do compositor Franz Liszt, com a presença de 24 pianistas e 3 corais femininos da cidade; o único homem que aparece no concerto é o professor Fábio Simões, então diretor da Academia Musical de Formiga. Há outros registos que mostram a presença forte de mulheres em grupos de serestas e serenatas, fanfarras e corais. Esse marcante evento saiu em uma reportagem da Revista Manchete em 8 de dezembro de 1962, com o título de “Formiga: a cidade cigarra”. Esses eventos musicais de grande porte foram comuns em Formiga durante o século 20.
Nhô Fonseca
Um dos musicistas mais conhecidos de Formiga foi Francisco Fonseca, nome dado ao Museu Municipal de Formiga. Nhô Fonseca, como era conhecido, foi músico e compositor de grande importância no centro-oeste mineiro e viveu entre 1884 e 1970. Começou seu aprendizado de música em 1899, aprendendo a tocar violão e cavaquinho. Compôs sua primeira obra em 1903: uma valsa intitulada “Primeiro Amor”. Em 1904, começou a tocar violino e trabalhou como músico do cinema mudo entre os anos de 1916 e 1921, ao lado de outros músicos da cidade, principalmente pianistas. Nhô Fonseca compôs cerca de 800 obras durante a sua vida: entre as principais composições está o hino oficial de Formiga, composto com seu genro, Rui dos Anjos Peirão, responsável pela autoria dos versos. “Já é glória nascer brasileiro./Há, porém, quem feliz assim diga:/Meu orgulho maior é ser mineiro/E mineiro nascido em Formiga!” (Trecho retirado do hino de Formiga).
“Em 1903, Francisco Fonseca, ‘Nhô Fonseca’, escreveu sua primeira música, escreveu centenas de músicas. Entre as músicas está o hino oficial de Formiga, composto juntamente com o genro, Rui dos Anjos Peirão. Por isso, em 2003 (quando foi inaugurado o Museu Histórico Municipal Francisco Fonseca) era o centenário da primeira música dele, e deram o nome do museu em homenagem a ele devido à quantidade de músicas que ele tinha. A primeira música dele era uma valsa chamada ‘Primeiro Amor’. Em 1904, ele aprendeu a tocar violino com o coronel José Braz da Costa. Em 1912, ele consertou um piano pela primeira vez e o tocou; também comprou o seu primeiro violino, que se encontra no acervo do museu”.
Relato de Gervânio Araújo, funcionário do Museu Municipal Francisco Fonseca
Nonô e Naná - Mágoa de sertanejo
Nonô Basílio (Alcides Felisbino de Souza), nascido em 1934, conheceu, ainda em Formiga, Naná (Maria de Lourdes Souza), e se casaram em 1953. Foram importantes nomes da música sertaneja regional e nacional. Juntos tiveram uma carreira sólida que durou de 1957 a 1996, colecionando grandes sucessos da música sertaneja. Uma das canções mais regravadas da dupla foi a canção “Mágoa de sertanejo”. Eles tiveram músicas regravadas por grandes cantores da música sertaneja, como: Sérgio Reis, Cascatinha e Inhana (que apadrinharam o casamento), Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, Chitãozinho e Xororó, dentre outros.
“Lá na pracinha, embaixo tinha o jardim. No domingo os jovens ficavam lá. A turma dos homens e a turma das mulheres. Os homens passavam e ficavam andando em volta do lado de dentro, e as mulheres do lado de fora. Uns pra cá, outros pra lá. A banda ficava tocando até as 9 horas da noite no coreto. Ali víamos os moços que queríamos ver, os namorados, sabe? Às vezes queria encontrar e não tinha telefone, então era a hora que encontrávamos. O divertimento nosso era esse jardim, em que ficava todo mundo rodando. E 9 horas acabava a música, e tinha que ir embora. A gente andava de salto, queria ficar bonita, impressionar os rapazes. Quando a banda parava de tocar tinha que ir correndo de volta pra casa.”
Relato de Anélice de Azevedo Silva (Dona Cica), filha e esposa de ferroviário.
Teatro Arlequim
O “Theatro AlecrimArlequim” foi inaugurado em 1887 e foi o primeiro da cidade, uma das principais atividades culturais disponíveis para os moradores. Seu auge foi em 1907, quando recebeu um grande grupo de atores viajantes na cidade e atraiu enorme plateia. Em 1917 ele passou a se chamar “Cine Theatro Municipal”. Além das peças teatrais, o espaço recebia apresentações de grupos musicais e até projeção de filmes mudos. Na época do cinema mudo, toda a trilha sonora dos filmes era feita por pianistas da cidade, como Francisco Fonseca. A trilha sonora ao vivo acompanhava cenas do filme. Havia grande trânsito cultural na cidade, e Formiga fazia parte da rota de muitos artistas viajantes no início do século 20. No dia 1 de setembro de 1951, um curto-circuito causou um grande incêndio no Teatro Municipal: o fogo destruiu documentos históricos, fotografias e publicações de grande parte da história da cultura formiguense.
Cine Glória
Era o principal cinema da cidade. Fazia parte de uma rede de propriedade do italiano Francisco Cupello, que distribuía os filmes pelos trilhos da EFOM. O Glória tinha capacidade para 1250 espectadores. Diariamente eram exibidas três sessões: uma matinê durante o dia, uma sessão às 18h30 e outra às 20h30. O dia mais frequentado era o domingo. A ida ao cinema aos domingos fazia parte da rotina dos moradores da cidade. Hoje é parte da memória e do afeto de muitos formiguenses que viveram histórias ali. O professor Franklin de Carvalho, diretor do Cine Glória, e Seu Toninho, porteiro do cinema, foram personagens memoráveis para quem frequentava o espaço. Um dos grandes incentivadores do teatro e cinema em Formiga era o Sr. Estático Vieira, dono da loja Nova América.
Filme chegando de trem
Em 1952 foi inaugurado em Formiga o Cine Teatro Glória. Os rolos de filmes chegavam de trem à Estação Ferroviária em um vagão que levava filmes para todas as cidades. A inauguração do Cine Teatro Glória foi marcada pela exibição do filme O Fantasma da Ópera. Além do saudoso Cine Glória, existiu em Formiga o Cine Rocha, que conta com menos registros históricos. O museu da cidade conta hoje com o acervo do antigo cinema: projetor antigo e diversos rolos de filmes.
Depoimentos
Máquina A – Máquina B
“Antigamente os filmes vinham em rolos. A gente tem uma pequena amostra ali. Pra assistir um filme longa-metragem, podia ser que tivesse até dezoito embalagens para o filme. Então, no processo precisava de duas máquinas, porque quando estava terminando a parte A numa máquina, ele já estava arrumando a parte B na outra máquina. Enquanto ele tirava a parte A, ele já arrumava a parte C e assim, por sequência, ia quase o alfabeto inteiro.”
Relato de Gervânio Araújo, funcionário do Museu Municipal Francisco Fonseca.
Missa e cinema
“Toda vida eu gosto muito do cinema, então a gente ia ao cinema, o lazer da gente era cinema, era o programa de domingo: missa e cinema. Se não fosse ao cinema no domingo, não tinha domingo. Então, assim, a gente tinha todo aquele desejo pelo teatro e cinema.”
Relato de Vera Lúcia Alves Teixeira, parente de ferroviários.
Quadrinhos e Zorro
“Olha, domingo de manhã era seriado: então todo domingo era série, era capítulo. Tinha Tarzan, Zorro, Batman e Robin, Patrulheiros Toddy, tudo isso era passado, e a gente acompanhava. Uma tradição nossa era domingo de manhã ir pra porta do cinema pra trocar revista. Tinha todo tipo de revista, e todo mundo levava a sua. Era revista em quadrinho e figurinha. Tinha revistas do Zé Carioca, Pato Donald, Fantasmas, Zorro.”
Relato de Márcio José Maia Figueiredo e Antônio Maia, netos de ferroviários.
Prof. Franklin
“O diretor do cinema, seu Franklin, era professor. Era professor de latim e de desenho. E quem era aluno dele… ele dava balão, na gente: não deixava entrar no cinema, proibia entrar. Se fizesse bagunça na aula, qualquer coisa, e a gente aprontava, né. Aí ele proibia a gente de entrar no cinema, mas a gente dava um jeito de entrar. Nós arrumávamos uma segueta, entrava por cima, tinha o portão e lá tinha o cadeado, cerrava serrava o cadeado e entrava no cinema escondido.”
Relato de Antônio de Oliveira Diniz, ferroviário aposentado.
Só para adultos
“A sessão das 20h30, tinha conteúdo adulto e tinha o Seu Toninho, que era o porteiro. Ele não deixava a gente entrar. Ele sabia a data de nascimento de todo mundo da cidade.”
Relato de Antônio Maia, neto de ferroviário.
Peido alemão
“A gente tomava balão no cinema: tomar balão era uma suspensão e que poderia ser de uma semana, 10 dias ou 15 dias, mas a gente aprontava mesmo assim. Às vezes a gente desparafusava os encostos das cadeiras, então, quando as mocinhas iam se sentar na cadeira, o encosto saía. Outros colavam chicletes na cabeça das mulheres. Os que ficavam na parte de cima jogavam ovo em quem estava embaixo. Faziam um tal de peido alemão também. O cinema aqui apagava muito a luz e, quando apagava a luz, o Seu Franklin vinha com a vela. Aí todo mundo soprava a vela, e ele ficava louco. Ele detestava bagunça, porque aí destruía as cadeiras. Então esses eram alguns dos motivos para tomar balão do Seu Franklin.”
Relato de Antônio Diniz, Márcio e Kaka.
Corredor de gala
“Esse cinema era tão bonito que você entrava na porta, tinha um o corredor pra você andar com tudo de cartazes dos próximos filmes. Não tinha coisa melhor para fazer. Você sabia o que vinha daqui a 15 dias, 30 dias, né? Aí você entrava e tinha uma cortina, para você entrar na plateia.”
Relato de Antônio Maia, neto de ferroviário.
Segredo dos túmulos
“A projeção dos filmes Segredo dos túmulos e Iracema marcou a inauguração do Teatro AlecrimArlequim. Com capacidade para cerca de 400 pessoas, o teatro realizava apresentações de peças uma vez por mês. A sala de espetáculos sempre lotava. Em 1924, ele foi reformado, e sua frente, remodelada.”
Revista A PAR, 2010, p.36.
O incêndio
“O Cine Theatro era ao lado da prefeitura onde tem até um lote. Ele era um casarão lá, de esquina, ao lado da prefeitura. Numa determinada época ele pegou fogo, incendiou tudo. Nossa Senhora! Depois que pegou fogo, o cinema passou a funcionar lá no centro operário, provisoriamente, até construir o outro. Era um espaço muito grande, então começou a funcionar lá. Aí depois construíram esse prédio novo, onde hoje é a padaria Santa Cruz, na esquina. E ali passou a ser o Cine Glória!”
Relato de Anélice de Azevedo Silva (Dona Cica), filha e esposa de ferroviário.
Cine Rocha
“Eram dois cinemas o Rocha e o Glória. O filme que passava no domingo no Cine Glória, na segunda passava no Cine Rocha.”
Relato de Márcio José Maia Figueiredo, neto de ferroviário.
Carnaval
As tradições de carnaval em Formiga se iniciam entre o final do século 19 e o início do século 20. Por volta da década de 1890, o prefeito José Bernardes de Faria convidou o carnavalesco carioca João Nazário dos Santos para impulsionar e animar o carnaval da cidade. Além de mobilizar o festejo, João Nazário foi um dos percussores do teatro na cidade e compôs diversas obras tocadas pela Corporação Musical São Vicente Férrer. Francisco Fonseca também foi outra pessoa fundamental na composição de músicas carnavalescas, além de ser grande incentivador do carnaval local.
O Carnaval formiguense se tornou um evento de grandes proporções. A princípio, os festejos tinham semelhanças com os blocos cariocas, dada a influência do carnavalesco João Nazário. Ao longo do século 20, os carnavais da cidade foram muito animados. Os blocos e as bandas musicais da cidade se misturavam no carnaval. Muitos músicos da cidade tocavam em mais de uma banda ou bloco durante os festejos.
Os Blocos formiguenses
Os principais blocos e grupos musicais que existiram na cidade foram: Bloco 13 de Maio ou Zé Pereira; Bloco dos Artistas; Bloco Flor de Macaná; Bloco Eletro Jazz; Conjunto Dália Azul; Bloco dos Gatinhos; Conjunto Centenário; e Conjunto Tropi Capri. Além desses blocos há também menção a um bloco formado por membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, de nome “Turma do Ra-Ra-Ra”. O Conjunto Dália Azul foi um dos principais e mais tradicionais na cidade. Muitos dos músicos que tocavam no bloco, também, tocavam na Corporação São Vicente de Férrer, como era o caso do trombonista José de Oliveira, conhecido como Maestro Zezinho, que comandava o Dália Azul. Outro nome que comandou o bloco foi o carnavalesco Chico Goião, também grande entusiasta e figura com grande papel de liderança no carnaval de Formiga. O conjunto não se restringia a tocar apenas no carnaval, mas também animava eventos esportivos e políticos.
Bailes e desfiles de Carnaval
Nas décadas de 1950 e 1960, além dos tradicionais blocos de carnaval, era muito comum ocorrerem bailes de Carnaval em diversos espaços do município, principalmente em clubes e salões, como o salão do Centro Operário, o espaço da sede da Banda e o Clube Centenário. Todos, sem exceção, podiam fazer parte dessas festas. Havia, contudo, certa divisão de classes entre o público que frequentava os bailes de carnaval: os mais abastados frequentavam os bailes organizados em salões, principalmente o Clube Centenário; já a classe operária e mais pobre frequentava espaços cedidos, alugados ou improvisados para a realização dos bailes. Já por volta de 1970, além dos blocos carnavalescos e grupos musicais, havia, também, desfiles de escolas de samba, como a Unidos do Quinzinho, a Batuqueiros da Alvorada e a Unidos da Rua Nova, que, com o apoio da prefeitura, contavam com premiações em dinheiro para diversas categorias.
Depoimentos
“A turma do Rá-Ra-Rá se caracterizava como a turma de ‘congadeiros’, mas vinham com o rosto pintado. Eram congadeiros com uma mistura de carnaval: vinham tocando violões e caixas de percussão… jamais entendi aquela manifestação. Saíam durante os três dias de carnaval, abordando, geralmente, um estabelecimento comercial, onde cantavam inicialmente o seguinte versinho: ‘Chegou a turma do Ra-Ra-Ra; se você não me dá, Deus vai te castigá’ – e logo em seguida, pediam esmolas. Por estas minhas andanças pelo país, somente aqui em Formiga presenciei essa manifestação, e quem comandava este pessoal e o Crespim.”
Trecho publicado por Vinícius Eufrásio de Oliveira na tese Música na Princesa d’Oeste Mineiro: uma cartografia das práticas, formações e espaços educativos em Formiga, em 2022.
“Era muito animado: vinha bloco de Arcos, essas cidades em volta. Vinham tudo aqui, era muito bom o carnaval aqui. Então, os bloquinhos saíam das outras cidades para vir aqui. Os blocos eram bons demais! Tinha nos clubes, também, né? Tinha as matinês durante o dia, que era para as crianças, e depois tinha a noite. Era brincadeira mesmo, era só serpentina e o povo fantasiado! Eu fantasiei muito tempo de gatinho, usava gatinho. Eu até usava a camisa do meu cunhado e punha um saco na cabeça, com desenho e com o buraco, ali ninguém conhecia a gente; você andava na cidade inteira. Mas eu fantasiei muito de gatinho, era muito bom o carnaval aqui!”
Relato de Anélice de Azevedo Silva (Dona Cica), filha e esposa de ferroviário.
“Um dos personagens mais importantes no carnaval de Formiga que a gente conhece aqui é o maestro Zezinho. Hoje em dia tem lugares na cidade com o nome dele, por exemplo, o EMARTE Centro de Artes Maestro Zezinho, que fica onde era a sede da banda musical São Vicente de Ferrer. Aí tem aquela foto de 1955, em que estavam o senhor Zezinho e a esposa dele, dona Alvarina. Inclusive, a dona Alvarina era a única mulher que tinha na banda e ela estava grávida de um filho que chama Zaidan – ele é formiguense, mora aqui em Formiga. Faz parte da equipe de secretários municipais e do exército brasileiro.”
Relato de Gervânio Araújo, funcionário do Museu Municipal Francisco Fonseca.
“Sabe o prédio em frente à Estação? Ali era o clube centenário, onde a gente dançava no Carnaval. Nesse clube tinha festas, danças e concursos. Tinha concurso de adulto e de criança no carnaval. Atualmente o clube virou uma academia grande, que comporta todos os sócios.”
Relato de Maria Cajubi Almeida Teixeira, nora de ferroviário e moradora da cidade.
“O carnaval nos anos setenta, oitenta, aqui, foi bastante forte. Tinham vários blocos e escolas de samba e tal, mas foi perdendo o poder econômico. Diminuiu bastante e foi perdendo aquela turma toda; tinha gincana, era bastante interessante, mas acabou caindo no esquecimento.”
Relato de Antônio de Pádua Elias de Sousa, morador da cidade.
“Ah, o carnaval aqui já foi ótimo. Depois que Furnas absorveu o povo nos feriados, ele perdeu o significado, mas, na minha juventude, o carnaval era super animado: primeiro porque a gente ia pros clubes e ficava o dia inteiro, ninguém ia pra casa. A gente ia para a matinê com os meninos, e eu adorava o tal da matinê. Nossa, era bom demais. Então era assim: a gente fantasiava as crianças e íamos para a matinê durante o dia; já à noite tinha o baile tradicional. A família inteira fazia fantasias iguais, sabe? Todo mundo ia com a mesma roupa. Era muito bom, porque era muito animado. Além dos clubes também tinha o movimento nas ruas, os bloquinhos… o meu marido tocava nos bloquinhos, e o povo ia atrás, o bloco chamava ‘vai quem quer’.”
Relato de Vera Lúcia Alves Teixeira, parente de ferroviários.
Casos
Meninos fantasmas
“Por muito tempo, a lenda das crianças fantasmas assombrou os frequentadores da Casa do Engenheiro. Corria na cidade a história de que os filhos do último engenheiro-chefe que morou ali teriam morrido afogados na piscina da casa. Os pesinhos marcados no cimento próximo à piscina seriam os sinais deixados pelos fantasmas da presença dos filhos afogados nos arredores. Todavia, as marcas dos pezinhos são marcas de Liége e Wesley, filhos do engenheiro-chefe que atuou entre 1974 e 1978 em Formiga, e de Ana Maria e Helenice, filhas do engenheiro-chefe anterior. Os reais criadores das marcas de pesinhos no cimento ao lado da piscina seguem vivos e bem: a marca foi apenas um registro da saudosa infância vivida ali.”
História baseada no Relato de Elton da Costa Pinto, funcionário do Museu Histórico Municipal Francisco Fonseca
Em maus lençóis
“Eu tinha quinze anos e fui com o meu primo passar férias escolares em Timboré. O trem estava marcado para sair da estação às duas da tarde, mas saiu às seis. Estávamos em julho, então, era muito frio nessa época. Chegamos em Timboré às sete e meia da noite. A essa altura já estava escuro, e não tínhamos nenhum tipo de iluminação. Estávamos caminhando para a casa da avó do meu primo. No meio do caminho, ele se lembra e me fala: ‘Olha, minha avó tem um casal de buldogue e são muito bravos! O que vamos fazer?’. Eu perguntei: ‘Agora que você me conta isso?’. Voltar já não dava mais; o único jeito era continuarmos seguindo caminho. O problema é que, na roça, depois das seis horas, todo mundo apaga as lamparinas e vai dormir. Quando estávamos perto da casa já começamos a ouvir os latidos dos cachorros. Ficamos com muito medo. A nossa sorte é que tinha um carro de bois perto da casa. Entramos nesse carro, que tinha a esteira, a qual cortava um pouco do frio, e dormimos ali mesmo, encolhidos, para fugir dos cachorros e do frio. Quando amanheceu, a vó encontrou a gente e nos salvou!”
História inspirada em relato de por Antônio de Pádua Elias de Sousa, escritor e morador da cidade.
Correr pela ponte pra entregar marmita
“Todo dia quando chegava da escola, antes de almoçar, eu pegava a marmitinha do meu pai e ia na estação levar pra ele. Eu tinha dez anos de idade, e me lembro que ele dividia a comida da marmita comigo, porque sabia que estava vindo direto da escola, e ainda não tinha almoçado. Também me recordo que, por estudar no período da manhã e sempre levar a marmita para ele depois da minha aula, às vezes eu chegava atrasada, e todos os companheiros dele já tinham almoçado. O trabalho era pesado; depois do almoço ele não tinha tempo pra descansar, já ia logo quebrar pedra. Como morava na Rua Jorge Correa, eu tinha a opção de ir descendo em direção à linha do trem e passar por um barranco, mas eu não fazia isso, porque existia uma lenda de que, na entrada desse barranco, uma mulher tinha morrido enforcada. Eu ficava apavorada com a possibilidade de passar por ali, então passava em cima daquela ponte lá da indústria. Mesmo a ponte tendo um monte de pedra embaixo e muitos buracos, eu a atravessava todo dia pra levar a comida do meu pai, porque achava mais seguro do que passar perto do barranco da mulher enforcada.”
História inspirada no relato de Anélice de Azevedo Silva (Dona Cica), esposa de motorista da rede ferroviária, aposentado, e filha de antigo trabalhador de linha da rede ferroviária.
Um susto!
“Meu avô foi agente de estação durante muito tempo, então sempre tive contato com o trem. Passei várias fases da minha vida na estação, mas quando era criança um acontecimento me marcou muito. A maria-fumaça estava parada na estação. Como eu e meus irmãos éramos crianças curiosas, subimos na máquina para olhar de perto e encontramos a fornalha da locomotiva aberta. Entrei acompanhado de meus irmãos e estava um calor imenso! Minha mãe procurou a gente por todo lado, até que, por fim, nos encontrou já na beira do fogo. Foi um susto muito grande, mas tudo deu certo no final.”
História inspirada no relato de Márcio José Maia Figueiredo, neto de agente de estação.
Castora
“Nos anos 1970 existia um andarilho chamado Castora. Era conhecido por todos; inclusive, gostava de frequentar os bailes da cidade e cantar o hino nacional. Além disso, sempre era visto na beira da linha, pois tinha um fazendeiro que toda manhã deixava para ele uma garrafa de leite ou um copo. Em uma noite o trem estava descendo com uma falha no farol. Infelizmente Castora estava na beirada da linha, foi atropelado pelo trem e acabou não resistindo. A cidade toda sentiu muito a perda do querido Castora.”
História inspirada nos relatos de Antônio Maia (Kaka) filho de ferroviário, Antônio de Oliveira Diniz, ferroviário aposentado, e Antônio de Pádua, escritor e morador da cidade.
Guerrilheiro Afonso
“O MR8, Movimento Revolucionário de 8 de outubro, surgido em 1964, foi um dos principais grupos de luta armada contra a ditadura militar. Dentre os integrantes, já em meados dos anos 1970, estava um formiguense chamado Afonso, guerrilheiro famoso na cidade. Por muitos anos ele ficou preso no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e foi ferido por policiais na época. Conta-se na cidade que certo dia a polícia veio buscá-lo, e houve um confronto na linha do trem. Afonso foi atingido na perna e caiu em um bueiro para se esconder. Os policiais, ao procurarem por ele, não o encontram. Afonso só foi sair desse bueiro no dia seguinte, ajudado por um morador da cidade. Devido aos ferimentos sofridos ele acabou desenvolvendo uma deficiência nas pernas: passou a utilizar muletas para sua mobilidade. Porém, Afonso sobreviveu à ditadura e se tornou um personagem importante para a história da cidade – conseguiu até escrever um livro. Era frequentador da Câmara Municipal e tinha vontade de se eleger vereador na cidade.”
História inspirada no relato cedido por Antônio de Pádua, escritor e morador da cidade.
Que corete!
“Corete é uma palavra criada pelo povo de Formiga. Vem da palavra coreto. No século 20, os finais de semana na cidade eram animados, e os casais apaixonados se encontravam no coreto da praça da cidade para paquerar. Depois de conversarem no coreto os casais iam para o cinema e aproveitavam sessões noturnas para namorar. Por isso, “Corete” em Formiga é hoje sinônimo de coisa boa e desperta nos formiguenses memórias afetivas de grande valor.”
História inspirada no relato cedido por Brás da Costa Guimarães Junior, presidente do Conselho de Cultura de Formiga.
Lança-perfume
“No carnaval vinha muita gente pra Formiga; o pessoal não saía da cidade. A gente ficava o dia inteiro na rua. Todo barzinho tinha batuque: a gente se sentava e ficava tomando cerveja, conversando, e era assim. Eu me lembro que era comum brincar com lança-perfume. E a gente nem sabia que tinha gente que aspirava aquilo – o salão inteiro ficava com aquele cheiro. A gente também jogava confete, atirava nos outros, jogava no corpo. O lança-perfume tinha um cheiro que ficava no salão inteiro, mas, naquele tempo, era tudo uma brincadeira mesmo. Era serpentina, o povo fantasiado, e o cheiro de lança perfume no salão. O carnaval era muito bom!”
História inspirada no relato cedido por Vera Lucia, nora de ferroviário.
Maria Rodrigues, do preconceito à santificação
“Maria Rodrigues é uma dessas histórias terríveis de preconceito que acabam em grande tragédia. Em 1909, ela foi enterrada viva após ter contraído varíola. Na época, havia uma epidemia da doença na cidade, e Maria Rodrigues tinha acabado de ter uma criança, quando foi encontrada junto com seu bebê em um pasto próximo ao local em que foi enterrada. Nessa ocasião ela estava muito debilitada, pois, além da doença, havia acabado de ter um bebê. Algumas pessoas, apavoradas com a possibilidade de a doença se espalhar, a levaram para a cova. Ela foi sepultada do lado de fora do Cemitério do Santíssimo. Logo, essa história se espalhou, e muitas pessoas passaram a acreditar que Maria Rodrigues fazia milagres. Há diversos relatos de pessoas que alcançaram milagres graças a Maria Rodrigues. Muitos acreditam que o fato de Maria Rodrigues fazer milagres é uma forma de Deus reconhecer o seu valor e mostrar que sua morte não foi em vão. Hoje ela é reconhecida como santa pela Igreja Católica, e muitos fiéis vão até o seu túmulo pedir proteção e agradecer por suas graças alcançadas.”
História inspirada na matéria da Revista A PAR de 2005, intitulada: “Enterrada Viva (e do lado de fora do cemitério)”.
O Maquinista da 526
“No tempo do meu pai, tinha um maquinista que na época chamavam de maquinista especial. Esse maquinista chamava José Pacidino: ele entendia de tudo, era um maquinista de primeira, só que ele não sabia ler. Então, cada maquinista trabalhava em sua locomotiva, e a locomotiva em que ele trabalhava era a 526. Porém, as locomotivas 525, 526 e 527 eram iguais; para não confundir, quando chegava lá em Ribeirão Vermelho ele colocava uma bandeira na locomotiva dele, pois ele não conseguia distinguir os números. Um dia ele estava programado pra sair na locomotiva dele. Tinham que acender a máquina com antecedência de duas a três horas para fazer vapor; eles fizeram certinho, só que, de sacanagem, eles foram lá e tiraram aquela marca que ele colocou, que era a bandeira, e colocaram na 527. Aí ele chegou lá, falou: ‘mas não pode. Vocês sabem que eu vou viajar agora, por que estão acendendo a locomotiva errada?’. E até eles o convencerem que não, que era uma brincadeira, demorou muito.”
História inspirada no Relato de Antônio de Oliveira Diniz, ferroviário aposentado.
A cestinha de ovos
“Uma vez, aconteceu um acidente com o meu irmão Louisir. Ele estava trazendo uma cestinha de ovo, o trem desencarrilhou, ele machucou, mas não quebrou um ovo. A vasilha de ovo ficou intacta. Nessa época, a hora que chegou aqui a notícia de que o trem tinha desencarrilhado e que o Louisir vinha no trem, nós ficamos loucos, porque era grave né, era um acidente grave. Mas ele não machucou tanto assim. Só teve alguns arranhões e não quebrou nada, não. E os ovos não quebraram, chegaram todos intactoss. A gente fala disso e ri até hoje, de como ele protegeu os ovos, igualzinho uma mãe protege o filho.
História inspirada no Relato de Anélice de Azevedo Silva (Dona Cica), filha e esposa de ferroviário.
Festas de Natal
“Eu lembro das festas de Natal que tinham na estação: era uma festa para os trabalhadores e suas famílias. Como o meu pai era o engenheiro-chefe da região, tinha a festa daqui e também a festa em Arcos. Eu me lembro que antes de sair, meu pai já nos alertava para não aceitar nenhum presente, pois os presentes que eles davam eram para os filhos de outros funcionários. Então, ele dizia: vão te oferecer, mas vocês não podem aceitar. Aí, quando chegava lá, eu via aquela fila distribuindo boneca e outros brinquedos e eu ficava com vontade de pegar. Aí o chefe da estação me via com uma cara de pidona e pegava uma boneca e me dava escondido. Meu pai ficava muito bravo, mas não tinha o que fazer.”
História inspirada no relato de Liége Passos Mendes, filha de ferroviário.
Tipos estranhos na estação
“Houve uma época em que havia em Formiga algumas figuras que tinham um comportamento atípico na cidade. Muitos eram chamados de “doidos”, mas, na verdade, eram pessoas que tinham um padrão de comportamento que divergia da norma estabelecida na sociedade da época. O curioso é que boa parte dessas pessoas gostava de ir passear na Estação Ferroviária. Algumas dessas figuras foram homenageadas com seus nomes nas passarelas próximas à atual rodoviária no município. Dentre essas pessoas, uma figura que é bem conhecida era o Tumpade: ele anunciava todos que chegavam na cidade e sempre estava presente nos velórios da cidade, abrindo espaço no caminho para passar com o falecido. Além disso, Tumpade, de vez em quando, se vestia de “Cabeção”, que era um boneco grande, feito de papel, e anunciava as promoções da Casa Três Irmãos. Além do Tumpade, outras figuras como Zico-Babão, Coréia, Margaridinha, dentre outros, são sempre lembrados carinhosamente por todos os formiguenses.”
História inspirada nos diversos relatos da “Oficina de fotos e memórias” e no arquivo intitulado “Causos de Formiga”, presente no Acervo da Biblioteca Municipal de Formiga.
A chegada do seu Franklin
“Seu Franklin era o dono do cinema, como também professor de português e latim. As crianças da cidade saíam de suas casas e corriam pra estação quando sabiam que ele estava indo até o trem. Corriam porque sabiam que, junto com seu Franklin, vinham os novos rolos de filmes, e a meninada, curiosa, disputava pra ver quais filmes ele carregava. Como era dono de cinema e professor, um fato inusitado acontecia. Ele dava balão nas crianças que não se comportavam em aula – tomar balão nada mais era do que ser banido temporariamente do cinema. Mas é claro, como crianças curiosas e espertas, elas sempre encontravam uma brechinha para assistir ao filme desejado.”
História inspirada nos relatos dados na Oficina de Fotos e Memórias de Antônio de Oliveira Diniz, e Antônio Maia (Kaka Maia).
Férias escolares
“Nas minhas férias escolares a gente ia para Perdões, eu ficava o mês inteiro na casa da minha avó. A gente ia no misto – chamava de misto era a composição de vagões com transporte de carga e passageiro. O misto saía de Bambuí e ele vinha descendo, pegando gente de cidade em cidade até chegar em Perdões. Ele passava em Formiga, às 15:45, e eu me lembro que a estação ficava lotada de gente. A gente chegava em Perdões quase às 21:00hs. Eu achava tudo muito bom; adorava viajar de trem. Aqueles vagões, aquele barulho do trem, dos trilhos… Era uma visão privilegiada. Quando o trem passava nos pontilhões ali você via os riachos, os rios, isso tudo eu tenho na memória.”
História inspirada no relato de Waltercides Montijo, filho de ferroviário.
O envelope comprido
“Lembro de uma data que me marcou muito: quando vinha o trem pagador, e meu pai coincidentemente estava em Formiga. Nessa época não existia banco, não se recebia o pagamento em banco. Ele entrava no vagão e lá tinha um cara atrás de um balcão que perguntava o nome, e meu pai respondia: ‘Onofre Jacinto Montijo’, e lá já estava separado o envelope com o dinheiro lá dentro. Meu pai recebia era assim! Aí ele descia. E eu achava bom, porque eu ganhava bala, coisas assim que raramente a gente tinha acesso. Era um envelope comprido. O trem vinha pagando nas cidades todas.”
História inspirada no relato de Waltercides Montijo, filho de ferroviário.
Fornecimento de sobrevivência
Havia um sistema na época, e durou até muito tempo, de ter um trem cooperativo com dois vagões com alimentos, mercadorias, que vendiam para os ferroviários: forneciam arroz, feijão, carne. Então, descontavam no salário. Não era dado; era um acordo, era um fornecimento de sobrevivência, porque essas turmas eram sempre de fora da cidade, pra empresa ter todo o controle do trabalhador sobre ele na necessidade das emergências de acidentes. Quer dizer: deu acidente em lugar tal, pega a turma de Formiga. Aí a turma já ia calçar botina, pegar o capacete, luva e subia nesse acidente.”
História inspirada no relato de Altair Ribeiro da Silva, ferroviário aposentado.
O Clube Esporte Ferroviário
O campo de futebol do Formiga Esporte Clube foi construído na mesma época em que a ferrovia chegou à cidade. Rapidamente, esse esporte virou uma das principais atividades de lazer em Formiga. Os grandes times rivais da cidade eram o Vila e o Formiga – rivalidade essa muitas vezes comparada aos times de Cruzeiro e Atlético-MG. Para além desses dois grandes times, havia também os times de várzea, como era o caso do Clube Esporte Ferroviário, localizado no Engenho de Serra. Era no “Campo dos Ferroviários” onde muitos ferroviários se encontravam para se divertirem com os colegas. Era conhecido também que nesses times de várzea jogavam as famosas rachas, uma espécie de “vale tudo” do futebol: o maior desafio era consegui sair inteiro de uma partida!
História inspirada em relatos dados na Oficina de Fotos e Memórias, de Antônio de Oliveira Diniz e Márcio Maia, e na entrevista de áudio feita com Altair Ribeiro.
Jogo de malha
O jogo de malha era uma forma de lazer muito comum entre os ferroviários. Eles competiam nas proximidades da estação, e as crianças animadas se reuniam em volta para assistir, ansiosos para participar do jogo. A partida começa quando o jogador lança uma malha com o objetivo de derrubar um pino sobre um tabuleiro.
História inspirada nos relatos da Oficina de Fotos e Memórias, de Márcio Maia e Antônio de Oliveira Diniz.