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Estação Campos Altos

Campos Altos | RJ

Embarque para um novo destino

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Um movimento danado
A movimentação da estação ferroviária era o evento mais aguardado pelos moradores. Todos os dias, homens, mulheres e crianças se reuniam ansiosos na plataforma, esperando pela chegada dos trens que traziam novidades e visitantes. A estação, com seu apito característico, quebrava a monotonia do cotidiano, trazendo um ar de expectativa e alegria. Comerciantes aproveitavam para vender seus produtos e trocar histórias com os viajantes.

Assim que o trem chegava à Estação, subia o cheirinho de café passado na hora. Eu estava sempre preparada para receber os passageiros que vinham e iam por esses trilhos.

- Quitandeira

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“Minha mãe vendia café na estação de Campos Altos, tinha um balcãozinho bem-arrumado com vidro e esterilizador. Eu lembro que naquela época já tinha uma esterilização com álcool. Você punha o álcool, fervia o esterilizador, e as xícaras ficavam ali dentro sendo higienizadas. O viajante chegava, pedia um café, tinha o café pequeno, o médio e o grande. Cada um com uma xícara diferente. Aí tomava o café, comia um pão de queijo, um pastel. Um noturno passava às 4h45 da manhã e o outro às 8h da noite. E o pão de queijo e os pastéis eram feitos naquele instante. Não era feito no dia anterior, não. Era na hora do café, estava quentinho, arrumadinho ali.”

Depoimento cedido por Miguel Célio Patto Ramalho, morador de Campos Altos e filho de antigo Agente de Estação.

“As pessoas vinham pra vender suas coisas, seus salgados, seus tricôs, seus crochês, esses artesanatos, né? Quando o trem parava, ele ficava na estação 30, 40 minutos. Então dava muito tempo das pessoas fazerem essa oferta. Tanto os passageiros normais quanto o pessoal de carga também, né? Tinha esse momento ali de alimentação e também essa oferta de produtos artesanais. Aquela movimentação me deixava fascinado, eu ficava doidinho pra crescer, pra participar daquilo tudo.”

Depoimento cedido por Carlos Roberto de Morais, filho de antigo agente de estação.

Os caminhos da EFOM

Os extensos caminhos percorridos pelas locomotivas na Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) passavam por Campos Altos, contando grande parte de Minas Gerais. As linhas férreas vinham desde Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, atravessando diversas cidades mineiras e seguindo até Goiandira, no estado do Goiás. Somadas essas linhas, eram mais de 1.200 km de extensão, que transportavam passageiros, cargas, exportações e importações. Quando os vagões chegavam vindos desses trilhos, causavam uma movimentação enorme na pacata Campos Altos.

Cidade formada pelos trilhos da “Estação do Urubu”

As terras da Fazenda Palestina formaram grande parte do que hoje é Campos Altos. A fazenda possuía um sistema próprio de comunicação, além de inúmeros casarões. Em dado momento, o governo determinou que os trilhos da ferrovia a atravessariam. Seus proprietários, porém, não gostaram da ideia e acabaram vendendo uma parte do terreno para a família Franco.

Assim, em meio às duas famílias, começou a tomar forma o chamado “Povoado do Urubu”. Anos mais tarde, com a falência da Estrada de Ferro Goyaz, em 1918, a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) passou a coordenar o trecho. A nova empresa e a comunidade alteraram o nome de “Estação do Urubu” para “Estação Campos Altos”.

“Se a ferrovia não existisse aqui, provavelmente não existiria esta cidade. Ela teria ido para outra região, a comunidade seria em outro local. Então, estas comunidades aqui, no nosso entorno, neste curso aqui, sem a ferrovia, hoje nós não as teríamos no mapa do estado e nem do país.”

Depoimento cedido por André Luiz da Silva, maquinista aposentado.

O alvoroço da chegada do trem: do apito ao footing

“A primeira coisa que me vem ao pensamento quando lembro da ferrovia é o apito do trem. Ele me lembra como era a estação, tudo! As pessoas viajando de trem, o túnel, a cidade, o trem chegando. É uma coisa de mineiro também, né? Mineiro parece que gosta tanto de trem que usa trem pra falar de tudo.”

Depoimento cedido por Sebastião Alves Junior Gaia, morador de Campos Altos.

Os sons do trem e da buzina que seguem ecoando até hoje em Campos Altos têm espaço especial nas memórias daqueles que viveram o dia a dia da estação a pleno vapor. O barulho das máquinas descendo a curva do S relembra os moradores da chegada do trem e do alvoroço que ele provocava na cidade.

“Então era aquele movimento danado, o pessoal descia pra ver o movimento dos passageiros chegando, a gente sentia aquele cheirinho da comida do restaurante. Na verdade, a gente sente até hoje, sabe?”

Depoimento cedido por Jarbas Ribeiro de Carvalho, jornalista de Campos Altos.

A chegada do trem misto, Noturno ou do Mineirão, era quase uma festa. Os moradores saiam de suas casas – alguns carregando cadeiras! – e paravam na praça para ver as locomotivas chegando. As ruas se enchiam e modificavam toda a cidade; era um verdadeiro espetáculo. A estação lotava, tinha fila no embarque e uma disputa pelos melhores lugares nos banquinhos da praça.

“Na principal, ali, chamavam de footing, não sei se você já ouviu falar. Então, os moços iam de um lado e as moças vinham do outro. Aí, você ficava até as tantas horas fazendo aquele caminhado. Era muito bom. Fazia baile, era assim: juntavam a turminha, falavam ‘Vamos pagar o fulano, o sanfoneiro’, convidavam as moças, era uma cidade pequena, convidavam e falavam ‘Vamos dançar, vamos dançar’. Assim que fazia.”

Depoimento cedido por Laurici Olímpio de Oliveira, agente de estação aposentado.

 

Em Campos Altos, a espera da chegada do trem na estação era também pretexto para o chamado footing. Essa prática era comum no interior de Minas Gerais e consistia em rapazes e moças trançando de um lado para o outro na praça da cidade – uma fila de homens e outra de mulheres – para conhecer e flertar com pessoas novas, com funcionários da ferrovia ou até com algum passageiro. Dizem que muitos casamentos surgiram dali.

A chegada do Noturno iluminado

O trem Noturno chegava à cidade por volta das 21h e inundava Campos Altos de luz. Até 1975, ano em que a Cemig estabeleceu um sistema de energia geral, o município era abastecido pela usina do Sr. Geraldo Guimarães. Segundo relatos de moradores, a luz era fraca e iluminava pouco os espaços. Por isso, quando o Noturno chegava na cidade a pleno vapor, com os seus vagões iluminados, criando fagulhas no trilho ao parar na estação, era um “estouro”. O impacto era geral.

Opa! Precisa de pensão?

As pensões de Campos Altos eram elementos tradicionais da cidade. Logo que chegavam à estação, os viajantes eram recepcionados pelos donos das pensões ou camareiros, que, de imediato, já lhes ofereciam hospedagem. Desde cafeicultores, fazendeiros e trabalhadores de colheita até integrantes de conjuntos musicais que tocavam nos famosos carnavais e bailes campos-altenses, os viajantes tinham diferentes motivações e origens.

“E, na hora que o Noturno chegava, o pessoal das pensões e do hotel ia lá na estação pra recolher os viajantes. A gente chegava lá e falava: ‘Ó, está precisando de pensão?’. Então ia o pessoal da pensão para recolher e pra pegar os viajantes pra levar pros hotéis. Eu e meus irmãos sempre íamos para chamar pessoas pro nosso dormitório.”

Depoimento cedido por Jarbas Ribeiro de Carvalho, morador antigo da cidade e dono do Jornal de Campos Altos.

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