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Estação Campos Altos

Campos Altos | RJ

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A estação e o trabalho
O trabalho na estação ferroviária de Campos Altos era intenso e essencial para o funcionamento da cidade. Coordenavam a chegada e partida dos trens, utilizando o telégrafo para enviar e receber mensagens importantes. Nos intervalos entre as atividades, eles relaxavam jogando jogo de malha.

Dia a dia na estação

A Estação que veio antes da Estação de Campos Altos

A Estação do Urubu, posteriormente chamada de Estação Ferroviária de Campos Altos, foi construída em 1912, mas ela não foi a primeira da região. A linha férrea já passava na cidade desde antes de sua fundação. A primeira estação ficava localizada no terreno onde mais tarde seria construída a casa do chefe de estação, hoje habitada pelo ex-agente de estação William da Paixão. Nesse ponto, localizava-se também uma nascente de água que passava pela linha férrea e era utilizada para o abastecimento das antigas locomotivas movidas a vapor.

“Que saudade da chegada dos trens, viu? Toda estação tinha um sino, que avisava que o trem estava vindo. Chegava lá e batia o sino. Aí, ó, bateu o sino, o trem está vindo.”

Estação e entornos em transformação

A Estação e os arredores se transformaram bastante ao longo dos anos. A região era muito tranquila e sossegada. O barulho mais alto era sempre o da buzina do trem logo que chegava e partia. O viaduto e a passarela só surgiram em 2010.

Apesar de toda essa tranquilidade, quando a Estação era operacional e, especialmente na época de funcionamento do trem de passageiros, havia ali grande movimento de trabalhadores, serviços e comunicações.

A construção da atual Estação tem um estilo art déco muito bem definido. Nas décadas de 1980 e 1990, sua cor azul e branca. Já no início dos anos 2000, foi pintada de laranja, seguindo a paleta da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Na sua reforma mais recente, o Conselho de Patrimônio decidiu pintá-la novamente nas cores azul e branca, para remeter ao desenho original. Há ainda relatos orais de que, em sua inauguração, as cores eram amarela e branca.

Telégrafo

O telégrafo era ferramenta de comunicação fundamental da Estação, usado diariamente pelos trabalhadores da ferrovia. Trata-se de um aparelho de comunicação que permite o envio de mensagens a longas distâncias por meio de eletricidade e do uso do código Morse. Os toques para seu funcionamento são típicos e formam o alfabeto a partir da combinação de pontos, linhas e espaços. Foi, durante muitas décadas, o meio mais rápido de conversação entre as estações e os seus funcionários.

A telegrafia era bastante difundida e adorada pelos moradores locais. Devido à grande quantidade de telegramas enviados, a cidade de Campos Altos contava até com um assistente para telegrafia. Mesmo depois de trabalharem nas ferrovias, muitos dos antigos agentes mantiveram essa paixão e treinam o uso do código até os dias de hoje.

PICA-PAU

Réplica de instrumento de treinamento que simulava o telégrafo. Era utilizado por aprendizes para treinar a prática do código Morse. O código, transmitido pelos telégrafos entre as estações, foi o meio de comunicação mais utilizado pelas ferrovias no século XX.

“Toda estação tinha um telégrafo. Ele transmitia e recebia mensagens. O telégrafo tem a fita, onde você via pontinhos e traços e as pausas. A fita você lia como se fosse uma partitura musical, um texto qualquer. Você começava com o código Morse no ouvido e, depois de um tempo, poderia estar afastado do aparelho e já entendia de longe. Muitas vezes, o profissional, o conferente lá da época, ele estava afastado da agência, estava lá na cozinha fazendo o almoço e, mesmo assim, conseguia ler as mensagens chegando no telégrafo de ouvido.”

Depoimento de André Luíz da Silva, maquinista aposentado.

Staff

Os staffs eram equipamentos utilizados junto aos telégrafos. A partir das mensagens transmitidas por meio destes, os guarda-chaves operavam os staffs para repassar as informações aos maquinistas. Tratava-se de um conjunto de equipamentos com bastões metálicos usados para o licenciamento dos trens. Cada estação comportava um conjunto de dois deles, que se ligavam eletricamente às plataformas adjacentes. Para liberar a circulação nos trechos, os agentes de estação se comunicavam com as estações seguintes por meio do telégrafo e os guarda-chaves giravam a manivela do complemento de staff e liberavam um bastão, que era entregue ao maquinista. Este levava a peça à estação seguinte e recebia um novo bastão, e assim por diante. Enquanto um bastão não era entregue, o sistema não permitia a liberação do outro, garantindo, assim, mais segurança na circulação das linhas.

Bandeiras e lampiões

Os meios de comunicação formam parte essencial do trabalho em uma ferrovia, garantindo a circulação de trens, tripulantes e passageiros de maneira segura e eficaz. Na estação de Campos Altos, não era diferente. Os códigos de cores vermelha, amarela e verde utilizados por agentes de estação por meio de lampiões e bandeiras auxiliavam na rotina de trabalho e permitiam que o trem percorresse o seu trajeto com tranquilidade.

“Os maquinistas sabiam se estavam liberados ou não quando iam passar com o trem pelo código de cores. O guarda-chaves ou o manobrador iam com uma bandeira, e ali a gente usava o sistema de bandeira verde, vermelho e amarelo. Quando o maquinista sabia que ia passar direto, o manobrador mostrava a bandeira amarela e o agente de estação, normalmente, já com licença, tudo prontinho, a bandeira verde. E, se fosse a vermelha, parava. Quando era noite, era lanterna e tinha um lampião também. O lampião, você olhava e tinha as cores dentro também: verde, vermelho e amarelo. Então, normalmente, quando vinha um trem em um cruzamento, a gente já mostrava a cor para eles.”

Depoimento cedido por William da Paixão, maquinista aposentado.

Outras ferramentas

Além dos meios de comunicação mais robustos, como o telégrafo, as ferramentas para a manutenção das linhas eram indispensáveis. As mais “brutais” eram antigas conhecidas dos trabalhadores de linha, como o garfo (ou cardã), usado para tirar os dormentes do trilho, e a alavanca. As ferramentas eram variadas e muito pesadas.

“Lá no trilho, não tem moleza, não.”

Depoimento cedido por Valdone Francisco da Silva, trabalhador de linha aposentado.

Tipos de trabalho e uniformes

“No primeiro dia que ganhamos os uniformes e as botinas, saímos por Campos Altos pra mostrar pra todo mundo as botinas novas. Lembro que todo mundo ficou olhando, falaram assim: ‘Esse povo da rede está chique demais!’”

Depoimento cedido por Antônio Lopes, mestre de linha aposentado.

Uniforme Trabalhadores de Linha

Os uniformes dos trabalhadores de linha eram, em geral, amarelos, com mangas compridas, acompanhados do uso de perneiras e sempre de botas e capacetes para segurança pessoal. Esses uniformes seguem na memória da maior parte dos antigos ferroviários e dos moradores da cidade. Os manobradores tinham o mesmo tipo de traje dos trabalhadores de linha, enquanto os dos eletricistas e mecânicos eram diferenciados.

Uniformes Chefes e Agentes de Estação

No geral, os chefes e agentes de estação estavam sempre bem trajados, com roupas sociais, camisas brancas, calças azul-marinho e quepes. A gravata também era muito usada, assim como os sapatos fechados. Os emblemas da Rede variavam, atualizando-se ao longo dos anos. Os chefes, auxiliares e agentes de estação utilizavam diferentes brasões em seus uniformes, que se modificavam de acordo com a função e tinham como objetivo diferenciar os trabalhadores conforme seu tipo de trabalho e lugar na hierarquia de funcionamento da Estação. Com o passar do tempo, o uso do brasão foi abolido pelos funcionários e somente o agente usava o item no quepe. Em pouco tempo, o uso do quepe também deixou de ser frequente, passando a ser utilizado pelo agente somente quando vinham trens especiais.

Tipos de passagem

As passagens eram vendidas na bilheteria da estação, destacadas uma a uma de um grande bloco quadrado. A passagem de ida tinha somente uma cor, enquanto a de ida e volta, duas cores: rosa e verde. Além disso, cada bilhete tinha um destino específico e as passagens eram conferidas, por meio de furos, durante as viagens de trem pelos fiscais.

“Os bilhetes eram uns cartãozinhos, cada bilhete tinha um destino. Então, era um quadrado grande assim, cheio de bilhetes, por exemplo, Bambuí, Formiga. Aí você ia lá, picotava o bilhete e vendia. E assim, às vezes, tinham algumas irregularidades, e pra isso tinham os fiscais pra ver se tinha alguém viajando sem passagem. Aí ele que ia picotando, o chefe de trem acompanhava ele, mas ele que ia picotando as passagens. Aí se tivesse alguém sem passagem, dava problema pro condutor. Aí você comprava, por exemplo, daqui pra Bambuí, ida e volta. Então na ida você o picotava aqui. E aí o sujeito, no dia de voltar, vinha com aquele bilhete sem picotar. Se você ficasse lá uma semana, ou o tanto que ficasse. Quando você voltava, aí picotava de novo a volta.”

Depoimento cedido por Laurici Olímpio de Oliveira, agente de estação aposentado.

Viagem bonita, mas longa

Na época, as viagens de trem eram muito diferentes das dos tempos atuais. As locomotivas não possuíam a tecnologia de hoje, o que fazia com que o trajeto fosse muito mais longo que o imaginado. Para se ter ideia, o trecho entre Campos Altos e Belo Horizonte durava cerca de 12 horas. As máquinas eram muito barulhentas e a viagem, mesmo confortável, tornava-se bastante demorada.

Não adianta, tem que esperar o trem passar

Antes da construção da passarela e do viaduto no cruzamento da linha férrea com as ruas do centro de Campos Altos, em 2010, a circulação entre os dois lados da linha paralisava completamente quando o trem passava. Nessa época, na cidade, as locomotivas demoravam longos períodos para atravessar o trecho, o que gerava grandes transtornos para os moradores.

“A gente esperava uns trinta minutos até que o trem terminasse de passar. Tinha casos de pessoas doentes, passando mal, precisando atravessar e precisava esperar pra conseguir socorro. O pessoal buzinava tudo. Era um fato, assim, não muito agradável, mas a gente até sente falta dessa época aí. De ver os carros, né? Parados, às vezes, aquela buzina, aí ficava ansioso. Esse trem não vai sair, né? Esperava demais! Aí, o pessoal, a hora que começava a buzinar demais, virava, era tipo assim, tipo uma chacota! O pessoal começava a buzinar demais, e a buzina pegava e buzinava toda vida, né? Como se diz, ah, agora sai, vamos ver se com essa buzinada sai, né? Era até engraçado.”

Depoimento cedido por Sebastião Alves Gaia Júnior, morador antigo de Campos Altos.

Jogo de malha

O jogo de malha era uma brincadeira típica dos ferroviários e muito presente no dia a dia da Estação de Campos Altos. Os pátios das estações eram as pistas perfeitas para o jogo acontecer e, por isso, centenas de partidas aconteciam nesses lugares. As malhas são chapas de ferro fundido que devem derrubar pinos circulares de madeira. Cada equipe começava com oito jogadores, quatro em cada extremidade da raia, e tinha direito a dois arremessos, quando a malha era jogada com o objetivo de acertar um pino posicionado no centro de um círculo no chão.

A raia da malha é o campo do jogo, com 40m x 1,30m. Para a execução da atividade, são necessários discos de aço ou ferro fundido, chamados de malhas, e pinos circulares de madeira. Cada equipe começa com oito jogadores, quatro em cada extremidade da raia, e tem direito a dois arremessos. O objetivo é jogar a malha e acertar um pino posicionado no centro de um círculo no chão. Os pontos são efetuados pela derrubada do pino e onde a malha cair dentro do espaço do jogo. Quanto mais próximo do pino a malha ficar, mais pontos o jogador leva. Ganha o jogo quem fizer o maior número de pontos.

“E ali tinha disputa entre os ferroviários, entre a gente da cidade. Era o jogo de malha que abafava ali. Ficava cheio de gente vendo.”

Depoimento cedido por Miguel Célio Patto Ramalho, filho de antigo agente de estação.

De trolinho rua abaixo

Pique-esconde, soltar pipa, jogar bolinha de gude e fazer guisado para as bonequinhas: essas eram brincadeiras típicas da segunda metade do século XX em Minas Gerais e que, em Campos Altos, também eram de praxe entre as crianças. A diferença é que, com a linha do trem, a Estação e a praça cortando a cidade, muitas das brincadeiras inventadas localmente acabavam envolvendo a temática do trem e de seus arredores. O “trolinho”, por exemplo, era uma tábua com quatro rodas que imitava um trenzinho. Havia variações do brinquedo, feitas com garrafas e cabos de vassoura. Brincadeiras no túnel também eram bem comuns. As crianças costumavam fazer expedições até o túnel, onde ficavam atravessando de um lado para o outro ou brincando de esconde-esconde.

Essa infância ao redor dos trilhos e de brincadeiras de rua, sem acesso a equipamentos tecnológicos, deixa na memória de muitos uma saudade sem tamanho.

Time de Ferroviários

Desde pelo menos a década de 1970, Campos Altos contou com times de futebol formados por ferroviários. Aos domingos, aqueles que não estavam na escala de trabalho, aproveitavam para ter um momento de lazer entre os colegas. Aconteciam amistosos entre os times ferroviários da região, como de Bambuí, Ibiá, Tapiraí e Araxá.

Os times eram criados pelos próprios funcionários da ferrovia. Na década de 1990, o maior rival de Campos Altos era o time de Bambuí. Dizem que as partidas eram espinhosas, mas sempre acabavam em resenha, com todo mundo assando uma carne e tomando cerveja no final.

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