“Saudades. Muitas saudades. Saudades que engasga.”
Walter Eustáquio, policial ferroviário aposentado.
“Aposentei, mas carrego a locomotiva no coração.”
Adélia Ferreira, ferroviária aposentada, auxiliar de serviços médicos e odontológicos do Hospital Ferroviário.
“Saudades do tempo. Era tão bom. É amizade, entendeu? O intercâmbio que a gente tinha entre os colegas, nas outras estações, em todos os lugares que a gente ia, né, deixaram saudade. Sempre a gente deixou um legado em todos os lugares que a gente ia. E como eu viajava muito, meu trecho era intenso, entendeu? Então eu conheci vários amigos, fiz várias amizades, várias pessoas, né? Então eu sinto muita saudade.”
Walter Eustáquio, policial ferroviário aposentado.
“Todo mundo tem um parente ou um amigo que foi da ferrovia, que é conhecido. A história da cidade passa pela ferrovia e vice-versa.”
Jaime Ganso, ferroviário, programador de logística aposentado.
“No dia em que eu completei bodas de madeira, eu estava entrando na ferrovia: foi o meu presente de cinco anos de casamento.”
Oseas Madson, ferroviário, maquinista aposentado.
“Eu sinto saudade dos amigos. Trabalhei 25 anos como professor e sete anos na ferrovia. E as amizades da ferrovia ficaram mais enraizadas, mesmo no curto tempo.”
Ildeu Rodrigues, ferroviário, marceneiro aposentado.
“Tá no sangue, no coração e corre nas veias. Eu sou apaixonado por ferrovia.”
Hugo Belchior, ferroviário, agente de estação aposentado.
“Minha vida foi a ferrovia.”
Hugo Belchior, ferroviário, agente de estação aposentado.
“Eu fui nascido e criado aqui ao redor, estudei na escola Carmela Dutra, nasci no Hospital Ferroviário. A ferrovia faz parte da minha história. Sem contar o parentesco que a gente tem. Ela deu oportunidade para toda minha família, assim como me deu oportunidade e eu abracei. Eu tentei entrar na ferrovia três vezes. Quando me chamaram, eu estava em um emprego em que eu ganhava o dobro. Larguei tudo e vim pra cá, porque esse era meu sonho.”
Marco Antônio Damas, ferroviário, agente de estação aposentado.
Registros da memória
O tempo passou, mas o amor prevalece. A ferrovia marcou a vida de milhares de pessoas. Em Araguari, seus funcionários têm orgulho de serem chamados ferroviários. Cada uma das pessoas que passou pelos prédios ferroviários, seja nas estações, no hospital, na tipografia, nas oficinas ou no almoxarifado, deixou um pouco de si. A história está viva nos corações dos ferroviários, e sua trajetória permanece na memória da cidade.
Adrenalina nas alturas
Em meus 30 anos como policial ferroviário, já vivenciei todo tipo de situação. Foi em uma das averiguações de segurança que tive de provar minha bravura e paciência. Andando pelo entorno da Estação de Alpercata, localizada no ramal de Ibiá-Uberaba, me deparei com um rolo de fios, utilizados para comunicação entre as estações, escondidos no meio do mato. Atento a qualquer movimentação, voltei pra estação para avisar os colegas de Araguari sobre o possível roubo em andamento. Voltei ao local com quatro agentes de segurança. Meus colegas e eu nos reunimos e decidimos montar uma emboscada e aguardar os criminosos voltarem para buscar os fios. No primeiro dia de tocaia, nada aconteceu. No segundo, nada ainda. Na madrugada do terceiro, em meio a chuva forte, os bandidos chegaram ao local armados; nos assustamos e começamos uma troca de tiros. Em meio aos disparos, meu amigo Ayres, um dos agentes de segurança, foi atingido no braço. Com a adrenalina nas alturas, atiramos na caminhonete dos bandidos para impedir a fuga. Conseguimos prender dois deles, enquanto outros três fugiram. O material foi totalmente recuperado.
Walter Eustáquio, policial ferroviário aposentado.
Por pouco a Estação de Araguari não explodiu
Trabalhando como agente especial de estação, fui um verdadeiro herói ao evitar o que seria um dos piores acidentes ferroviários da história de Araguari. Em uma noite, estava realizando o licenciamento de duas locomotivas, uma vinda de Uberlândia e outra de Patrocínio. A primeira locomotiva a solicitar liberação foi de a Patrocínio. O trem foi liberado para circular até o aparelho de mudança de linha (AMV), a sessão de bloqueio, e logo após entrou no pátio da estação de Araguari. Permaneci atento, esperando a chegada do segundo. Quando comecei a escutar os sons da locomotiva entrando na cidade, percebi que algo não estava certo. O barulho era alto demais para uma velocidade normal. Precisei pensar em uma rápida solução, já que o primeiro trem, vindo de Patrocínio, estava conduzindo 28 tanques de petróleo e sua calda foi estacionada próxima ao posto de abastecimento da estação. Uma colisão causaria uma grande explosão. Mesmo apavorado, chamei todos os meus colegas e falei para pegarem pedras na beirada da linha para atingir a locomotiva. Minha teoria era que o maquinista estava dormindo. O trem, ainda em alta velocidade, ultrapassou as barreiras de segurança, destruindo os AMVs. Ao passar em frente à estação, tacamos as pedras aos gritos. O maquinista acordou e conseguiu acionar os freios de emergência, poucos segundos antes de atingir a locomotiva carregada de petróleo. Passado o susto, fui escrever o relatório de serviço e descobri que o maquinista e seu auxiliar estavam realmente dormindo desde sua passagem nas estações anteriores a Araguari.
Hugo Belchior, ferroviário, agente de estação aposentado.
Nino acaba com a pose de Leontino
Trabalhar todos os dias ao lado das mesmas pessoas cria laços de amizade e familiaridade até mesmo dentro das oficinas de locomotivas. Entre as horas de trabalho, às vezes a gente precisava se distrair. A gente inventava muitas brincadeiras entre os ferroviários. Uma vez, Leontino, um dos meus colegas, saiu de férias para a casa de parentes em Santos (SP). Voltou dirigindo um carro comprado de seu cunhado. Chegou nas oficinas contando vantagem e desfilando em seu carro novo. Nino, vendo a pose de Leontino, resolveu pregar uma peça nele. Pegou um pouco de óleo queimado do maquinário, deitou-se no chão bem embaixo do carro de Leontino e passou o óleo no fundo do motor. Depois derramou uma boa quantidade no chão. Passado um tempo, Leontino chegou e viu o agito em torno do carro. A gente entrou na onda e começamos a lamentar com ele o vazamento de óleo de um carro tão novinho como aquele. Desesperado, Leontino rapidamente levou o carro para sua oficina de confiança. O mecânico simplesmente pegou um pano e limpou o óleo do fundo do motor. Leontino ficou incrédulo e, depois de algumas horas, se convenceu que se tratava de uma brincadeira. No outro dia, chegou na oficina querendo arranjar briga, saber quem tinha sido o autor da brincadeira, bravo, até! Mas depois de passado o nervoso, ele riu junto com a gente.
Magno Camargo, ferroviário, torneiro mecânico aposentado.
Um café diferente
Todos os dias era sagrado: nosso cafezinho às 9h30. Eu e meus colegas de oficina nos reunimos por quinze minutos para tomar o café da manhã na nossa sessão dos torneiros mecânicos. Cada setor das oficinas ferroviárias tinha suas sessões para o café e seus responsáveis pela preparação da bebida, mas a sessão das ferrarias não tinha ninguém para fazer. Roberto, um dos ferreiros, passou, então, a levar seu próprio café com leite para o trabalho. Ele aproveitava do forno elétrico de fazer molas para esquentar sua garrafinha. Roberto chegava todos os dias, punha sua garrafa em cima do forno e, às 10h45, ia para a nossa sessão para conversar. César, que trabalhava ao lado de Roberto, um dia decidiu brincar com o colega que religiosamente esquentava seu café no mesmo local. Ele pegou um pouco de óleo, usado para lubrificar o maquinário, colocou na garrafa de Roberto e nos avisou sobre a brincadeira. Quando o sino tocou, Roberto pegou sua garrafa, abriu e foi em nossa direção. No primeiro gole, cuspiu tudo. O susto foi tanto que tacou a garrafa no chão, esparramando o líquido pela oficina. Gargalhamos alto vendo a cena.
Magno Camargo, ferroviário, torneiro mecânico aposentado.
Maçarico em combustão
Quando eu era aluno da Escola Ferroviária Profissionalizante, vi várias situações tanto engraçadas quanto perigosas. Uma das mais marcantes foi um ato de heroísmo de um colega durante um incêndio. A escola profissionalizante nos preparava para a vida dentro e fora da ferrovia, então tínhamos contato com os maquinários e ferramentas utilizados no dia a dia dos ferroviários. Um dos aparelhos era a solda de oxigênio, composta por um maçarico com a combinação dos gases de oxigênio e acetileno, que entram em combustão e produzem uma chama de fogo. Ele deve ser manuseado com cuidado e com equipamentos de segurança específicos, que não eram fornecidos pela escola. Em uma das aulas, a solda de oxigênio foi mal utilizada, e todo o equipamento começou a pegar fogo. Nós entramos em desespero. Gritamos e corremos para fora da sala, com medo das chamas se espalharem. Um dos meus colegas, tomado de coragem, voltou à sala, tirou o tubo de oxigênio, desligou o aparelho e apagou o fogo. Depois pôs o aparelho nos ombros, caminhando para fora. Do lado de fora, ficamos boquiabertos: o aparelho que ele carregava com facilidade pesava toneladas. A força e coragem do aluno marcaram a escola profissionalizante.
Ildeu Rodrigues, ferroviário, marceneiro aposentado.
Correria para não faltar água
Com o pessoal da ferrovia já ajudei em alguns acidentes. Em um deles, assumi o comando para evitar a falha de água na cidade de Uberaba. Era madrugada quando um maquinista, conduzindo um trem carregado com álcool anidro, tombou sobre o córrego que abastecia Uberaba, causando contaminação. A substância pegou fogo com o impacto, mas, por se tratar de um fogo azul muito claro, não era facilmente visível. Fui acionado às pressas e para auxiliar na situação em Uberaba. Cheguei ao local, observei tudo e criei soluções temporárias. Primeiro, convenci o dono da chácara onde o trem havia tombado a fornecer energia para as equipes que trabalhariam no socorro. A questão da água, entramos em contato com empresas de suco de Limeira que nos forneceram vários caminhões pipa para abastecer a cidade. Os problemas não pararam por aí. Foi acionada uma grande equipe de apoio de Araguari, e coincidentemente Uberaba estava recebendo muitos visitantes por causa dos vestibulares, todos os hotéis já estavam reservados, todos lotados. A prefeitura nos ofereceu o estádio Uberabão, e aí tivemos que comprar vários colchões e conseguimos alojar o pessoal. Entrei em contato com um fornecedor para nos atender com alimentação de melhor qualidade e pela metade do preço. Tudo aconteceu em algumas horas! Foi muita correria.
Roberto Jordão, ferroviário, operador de telecomunicações aposentado.
ForróViário
Sempre fui unido com Jaime Ganso quando nós éramos presidente e vice da Associação Ferroviária Araguarina (AFA). Realizamos diversos eventos no clube, entre eles, o ForróViário. A festa foi um sucesso, realizada por dois anos seguidos. Cada vez mais empolgados com o evento, dei a ideia de trazer um famoso sanfoneiro de Uberlândia (Tostão) para tocar no forró. Jaime topou a ideia, e fomos atrás do telefone do músico. Conseguimos conversar com o sanfoneiro e combinamos o dia da festa, tudo combinado verbalmente, mas sem contrato assinado. Espalhamos cartazes pela cidade, vendemos todos os ingressos. No dia da festa, as horas foram passando e nada do músico. Aflitos e agoniados, ficamos atentos a qualquer movimentação. Comentei com o Ganso: “e se esse cara não aparecer, o que vamos fazer?”. Por volta das quatro horas chegou o caminhão com equipamento de som e, no horário combinado, o sanfoneiro se apresentou. Respiramos aliviados e aprendemos a assinar contratos. Fizemos uma promoção: as 30 primeiras mulheres entrariam grátis, e a fila foi formando, atraindo muitas pessoas.
Roberto Jordão, ferroviário, operador de telecomunicações aposentado.
Truqueiro
Minha querida mãe contava que, na época da mocidade dela, a moda era passear na estação: ver os trens chegando e saindo com os passageiros era o evento da tarde na cidade de Araguari. Com muitas pessoas indo e vindo a todo momento, alguns pedintes ficavam sempre por lá. Um deles usava um truque bem esperto para conseguir dinheiro dos passageiros do trem. Chegava sorrateiramente na janela do trem já prestes a partir e falava para os passageiros: “Meu pai está na mesa, por favor me ajudem!”. Os passageiros, comovidos, ajudavam o rapaz, acreditando que seu pai passava mal na mesa de cirurgia. Quando o trem começava a movimentar para partir, o homem agradecia e avisava: “Meu pai está na mesa, mas é na mesa de truco!”. E o trem seguia viagem.
Roberto Jordão, ferroviário, operador de telecomunicações aposentado.
Locomotiva invadida
Nos meus tempos de maquinista, indo de Uberaba para Ribeirão Preto, parei na Estação de Ituverava (SP). Estava aguardando outro trem cruzar o caminho para seguir viagem quando, à uma hora da manhã, tive minha locomotiva invadida por quatro homens. Carregava comigo apenas 26 reais, um dinheiro de emergência. Eles não ficaram satisfeitos; me agrediram, e acordei de manhã ainda no trem. Passados quatro meses, seguindo o mesmo trajeto para Ribeirão Preto, tive que parar entre Orlândia e São Joaquim da Barra. Havia caído uma barreira, quando, novamente, invadiram a locomotiva. Um homem armado entrou e eu não percebi nada por causa do barulho alto do trem. Estava encostado na minha poltrona, quase cochilando, quando senti algo frio na minha nuca: era a arma de fogo. Ele me prendeu na cadeira e vasculhou o trem. Saí de ambas as situações com vida, mas traumatizado.
Milson Silva, ferroviário, maquinista aposentado.
A bolsa que me arrumou problema
Um dia, voltando de Araçatuba para Três Lagoas, no meio do caminho, parei na cidade de Mirandópolis. Entrando no pátio da estação para fazer um cruzamento, observei de longe algo nos trilhos. Parei a locomotiva para as vistorias rotineiras e fui até o local do objeto. Chegando mais perto, vi que se tratava de uma bolsa vermelha. Logo pensei que alguém deveria ter deixado cair do trem ou teria sido roubado. A bolsa era pequena; estava em perfeitas condições, quase nova. Não tinha nada de valor dentro, sem carteira ou documentos, apenas continha doces e lenços. Não tinha para quem eu devolver, então decidi levá-la comigo. Cheguei em casa e deixei a bolsa em cima da mesa. Quando minha esposa chegou em casa, viu a bolsa e começou a brigar comigo. Ela me acusava de ter levado a bolsa de uma amante para a nossa casa! Eu não conseguia me explicar de tanto que ri. Quando tudo se acalmou e consegui contar a história, a bolsa se tornou uma brincadeira entre nós.
Milson Silva, ferroviário, maquinista aposentado.
Lado a lado
Lado a lado, de Oseas Madson
São paralelos e tão singelos
E recebem o impacto da tração
Na base de uma tricotomia eficaz:
O boleto, a alma e o patim,
Sustentam o deslizar dos rodeiros.
Dia a dia, lado a lado, ali estão,
Sem protestos, sem reclamações,
Sobre os trilhos vão passando,
As mais variadas composições.