Pode-se dizer que o evento que mudaria os rumos de Araguari foi a chegada do trem e, consequentemente, a vinda do ‘progresso’.
A primeira linha férrea do Brasil foi inaugurada em 1854 no Rio de Janeiro. A construção de ferrovias buscava facilitar o escoamento de produtos agrícolas e comerciais, além de possibilitar o transporte de passageiros. As linhas se expandiram pelo Brasil até chegarem ao Triângulo Mineiro. No final do século XIX, oito anos após sua emancipação, a instalação da ferrovia em Araguari representava mais que um meio de transporte: para os moradores, era a chegada dos ideais de desenvolvimento e progresso. No contexto do Brasil Imperial, as estradas eram precárias, o deslocamento era difícil e afetava a dinamicidade de que o comércio necessitava. O acesso por trem permitia o escoamento da produção agrícola local e a chegada de diferentes tipos de alimentos, objetos, instrumentos de trabalho, animais e cargas das mais diversas. A instalação da ferrovia foi uma conquista de integração e acesso regional e estadual. Destacou a cidade no cenário regional, gerou empregos e movimento.
“A primeira máquina de costura, a primeira máquina fotográfica, o primeiro chapéu de feltro, enfim, tudo de inovação que existia de industrial vinha pela Mogiana e era o escoamento da produção que as terras fertilíssimas do Triângulo produziam; produzia café, milho, feijão, arroz.”
Depoimento de Carlos Alberto Cerchi, historiador e escritor, presente no livro Estrada de Ferro Goiás: As fitas de aço da integração de Edmar César.
O trem chegou
O primeiro trem, da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, chegou à Araguari em 21 de abril de 1896, mas a estação só foi inaugurada em novembro do mesmo ano. Sua chegada expandiu o transporte de grãos como milho e arroz, estabeleceu conexões com importantes centros urbanos, como Campinas e São Paulo e, ainda, facilitou ligações com a região portuária de Santos.
De simples passagem a ponto final da Mogiana
A Mogiana tinha sua sede e início de linha em Campinas (SP), e pretendia levar seus trilhos até Catalão (GO). A princípio, Araguari seria apenas mais um ponto entre São Paulo, Minas Gerais e o sul de Goiás. No entanto, em 1897, a Companhia decidiu interromper as obras de expansão, e Araguari se tornou o ponto final da linha. Entendeu-se, naquele momento, que a extensão da linha até o sul de Goiás não seria lucrativa o suficiente para compensar o investimento. Por isso, a Companhia preferiu aguardar os resultados do trecho Uberaba-Araguari e depois decidir se continuaria com a expansão. No final, acabou decidindo abrir mão desse trecho e investir em outros ramais considerados mais lucrativos no noroeste de São Paulo (como o de Igarapava, aberto em 1905) e no sul de Minas. Assim, Araguari ganhou de forma imprevista a privilegiada posição de ponto final da Mogiana, tornando-se um importante entreposto no comércio com o sertão do Planalto Central brasileiro.
“A companhia Mogiana de Estradas de Ferro chegou aqui em Araguari em 1896. Ela começava em Campinas e vinha até Araguari, onde era a sua ponta de linha. Araguari não é uma cidade ferroviária, de vocação ferroviária, porque a cidade ferroviária, ela nasce da ferrovia, e Araguari já existia. Porém, foi através da ferrovia que tudo transformou e tudo mudou.”
Depoimento de Edmar César, pesquisador e ex-integrante do Segundo Batalhão Mauá.
As linhas que atravessaram Araguari
Linha de trem para escoar café
A Mogiana surgiu em 1872, ligando as cidades de Campinas e Mogi-Mirim, no estado de São Paulo. Seu nome está relacionado a seu primeiro destino final, Mogi-Mirim, utilizando-se das duas primeiras sílabas com o acréscimo de “ana”, expressão que denota a origem de um local, conforme explicam as historiadoras Juscélia Peixoto e Aparecida Vieira (2012). Nascia, assim, a Companhia Mogiana, cujo principal objetivo era possibilitar o escoamento do café produzido em São Paulo para outros lugares do Brasil.
O viaduto mais longo do Brasil
Seguindo o propósito comercial e com o intuito de adentrar o território goiano, a Mogiana chega a Minas Gerais em 1888, alcançando a cidade de Sacramento por meio da Estação de Jaguara. A opção por esse destino se deveu à proximidade das margens do Rio Grande, que divide os estados de Minas Gerais e São Paulo, utilizado para transporte de mercadorias pelo meio fluvial. Sobre o rio, foi construída a Ponte de Jaguara, com 425 metros de extensão total, que era considerada na época o mais longo viaduto do Brasil.
A expansão da Mogiana pelo Triângulo
Em 1889, a Companhia, já em solo mineiro, inaugurou mais um trecho da Mogiana, dessa vez até Uberaba, centro comercial já consolidado na região do Triângulo Mineiro. Em 1890, por meio do Decreto nº 862, foi liberada a concessão para o prolongamento dos trilhos até a cidade de Catalão (GO). Cinco anos depois, a linha alcançaria a cidade de Uberabinha (rebatizada Uberlândia em 1929) e, por fim, em 1896, chegaria até Araguari.
O sonho capturado por Araguari
A passagem da ferrovia por Uberaba foi garantida por meio de intensa mobilização política dos uberabenses – temia-se que a linha seguisse de Jaguara direto para Goiás, passando ao largo da cidade que, na época, era a mais populosa da região. Pouco depois da inauguração da Estação de Uberaba, em 1889, as obras de extensão dos trilhos foram temporariamente suspensas. Por quase seis anos, a cidade assumiu o posto de “fim de linha” da Mogiana, o que fomentou o comércio local, centralizou o escoamento da produção agrícola da região e estimulou a chegada de imigrantes. Essa euforia diminuiu quando, em 1896, a linha férrea se estendeu até Araguari, que assumiu a posição de entreposto comercial com as vastidões do Planalto Central e substituiu a cidade vizinha naquele estimado posto.
“Bom, a ferrovia não veio por causa de Araguari, mas foi por uma causa ligada a Campinas e São Paulo, pois eles tinham a intenção de explorar comercialmente a região. Eles já estavam explorando comercialmente São Paulo por causa do café, e como o café gerou um grande número de riqueza pra eles, eles tinham caixa pra expandir a ferrovia pro restante do país. […] Eles interromperam essa expansão em Araguari, pois coincidiu com o momento de declínio econômico da empresa, de crise econômica muito grande, que foi na virada do século 19 pro 20 e que culminou com a crise de 1929. Então, por conta disso, a Companhia Mogiana teve que parar em Araguari.”
Depoimento de Lucas Martins, arquiteto e assessor especial da FAEC.
A inauguração da Mogiana em Araguari
Em 15 de novembro de 1896, foi oficialmente inaugurada a primeira estação da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro em Araguari, no espaço onde hoje fica a Praça da Constituição. A instalação da ferrovia incluiu a cidade em relações comerciais com grandes centros econômicos, como São Paulo e o porto de Santos, fortalecendo sua participação no escoamento da produção local e regional. Para que os trilhos chegassem até a cidade, foi necessário erguer uma ponte sobre o então chamado Rio das Velhas (hoje Rio Araguari), na divisa entre os municípios de Araguari e Uberlândia.
“Inaugurou-se a Estrada de Ferro durante a nossa estada em Araguari. Imaginem que barulhada. Veio da roça não sei quanta gente para ver o bicho que lança fogo e tem partes com o diabo. Houve mesas de doces, brindes, muita cerveja. As senhoras em grande toalete, na estação, esperando a máquina que vinha toda enfeitada de bandeiras. Quando, porém, ela apitou, foi uma corrida por ali afora. Mulheres tiveram ataques, homens velhos juraram que nunca se serviriam de semelhante coisa, que urra feito bicho e tem fogo no corpo. Os moleques corriam de pavor, derrubando os tabuleiros de biscoitos. E enquanto isso a máquina entrava triunfante na pequena estação de Araguari. Durante muitos dias só se falou na tal invenção do capeta.”
Diário de Augusta de Faro Fleury Curado (p. 41), publicado em 1961 sobre as viagens do Rio de Janeiro a Goiás em 1896.
HINO DE INAUGURAÇÃO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA MOGIANA, ARAGUARI
A notícia publicada no jornal Botija Parda, titulada como “A vida em Araguari”, explora o momento da inauguração da estação ferroviária da Mogiana em Araguari, em que um hino de inauguração, escrito pelo jornalista Cherubino Santos, foi transcrito no jornal. 15/02/1981
“Vi este dia tão formoso
Já era o mais glorioso
Do brazil e o povo ingente;
Para nós torna-se agora
Mas brilhante a sua aurora,
Mais luminosa e fulgurante.
Sim este dia, Senhores,
Mostra agora mais fulgores
Ao povo de Araguari,
Pois da heroica Companhia
Mogiana, a ferrovia
Hoje inaugura-se aqui!
É justa, é justa a alegria
Que neste faustoso dia
Nos invade o coração;
Este colosso pujante
Traz-nos progresso constante,
Traz-nos civilização!
Salve, pois, força patente!
Salve, Companhia ingente!
Este povo vos bendiz,
Pois com denodo e constância
Vindo encurtando as distancias
Torná-lo rico e feliz.”
Um susto na inauguração da Mogiana
Houve um incidente na inauguração da estação de Araguari. Um trem especial trouxe até a cidade cerca de 200 convidados para a festa oficial da inauguração. No retorno para Uberabinha, o trem descarrilhou próximo à saída de Araguari, causando grande susto e ferimentos leves nos passageiros. Depois de algumas horas, a composição foi recolocada nos trilhos e seguiu a viagem de retorno sem novos incidentes. Suspeitou-se na época que esse descarrilamento tivesse sido provocado intencionalmente.
A mobilização que influenciou na definição da ponta de linha
Apesar de não haver documentos concretos, há hipótese de que o fato de Araguari ter se tornado a ponta de linha da Mogiana se deveu a mobilizações realizadas por lideranças políticas da cidade, que se organizaram com esse objetivo. Cabe destacar também que a ferrovia, apesar de muito importante, não foi a única responsável pela emancipação da Araguari. No entanto, a chegada da Mogiana foi um acontecimento definidor dos rumos da história da cidade.
A cidade que liga Minas a Goiás pelo trem
A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro possibilitou a interação com grandes centros econômicos, mas também definiu Araguari como a cidade mineira ligada por linha férrea mais próxima de Goiás. Isso foi crucial, pois praticamente toda a produção agrícola e pecuária de Goiás que era comercializada fora do estado era transportada pela Mogiana. Antes de sua instalação, os produtos eram escoados com dificuldade, transportados em lombos de animais e carros de bois. Com a chegada da Mogiana, Araguari se tornou o local por onde chegavam mercadorias, partiam matérias-primas e eram distribuídos todos esses bens que circulavam na região.
Como a Mogiana interrompeu os planos de extensão, o estado de Goiás se mobilizou para que outra empresa prosseguisse com o prolongamento dos trilhos. Araguari buscou influenciar os interessados para que essa nova linha férrea partisse de lá e formasse um entroncamento que ligaria três estados. Surgiria daí a Estrada de Ferro de Goiás.
A Estrada de Ferro de Goiás
“Então a Estrada de Ferro Goiás começou em 1909. A primeira estação foi no ponto final da Mogiana, porque uma ferrovia só começa onde termina outra ferrovia, ou então saindo do porto. Não é igual a arruamentos, ou rodovias que nascem em qualquer lugar. Ferrovia só nasce quando acabam a ferrovia, ou um porto, para assim dar continuidade.”
Depoimento de Edmar César, pesquisador e ex-integrante do Segundo Batalhão Mauá.
Araguari se torna ponto de encontro entre a Mogiana e a EFG
O decreto de 1890, que concedeu autorização à Mogiana para levar sua linha até Catalão, já previa a extensão dos trilhos rumo ao norte de Goiás. Uma nova ferrovia, com cerca de 800 km de extensão, ligaria Catalão à antiga cidade goiana de Palma (atual Paranã, em Tocantins). Em 1893, essa concessão foi dada à “Estrada de Ferro Alto Tocantins”, mas as obras não avançaram; a prometida extensão dos trilhos entre Araguari e Catalão foi adiada sucessivas vezes pela companhia paulista até que, em 1904, ela desistiu de explorar o trecho.
Em 1905, a Alto Tocantins foi reestruturada como “Companhia de Estrada de Ferro de Goiás (EFG)”. Seu ponto inicial foi deslocado de Catalão para Araguari e o final da linha foi para Goiás, antiga capital do estado. A nova empresa deveria criar, ainda, um ramal que atingisse “a parte navegável do Rio Tocantins” com ligação entre Catalão e a cidade de Formiga, no sudoeste de Minas Gerais; lá, a linha faria entroncamento com a Estrada de Ferro Oeste de Minas.
O primeiro acesso moderno ao Centro-Oeste do país
As obras de extensão dos trilhos da EFG, partindo da linha da Mogiana em Araguari, começaram em 1906. O trecho inicial, até a ponte rodoferroviária sobre o Rio Paranaíba (na divisa com Goiás), foi aberto ao tráfego em setembro de 1911. Na mesma data, inaugurou-se a primeira estação da EFG em Araguari, construída a poucos metros da estação da Mogiana. Assim, no início do século XX, Araguari tornou-se importante local de baldeação para os passageiros que vinham de São Paulo e do Rio de Janeiro para Goiás.
De cidade pacata a sede da Estrada de Ferro Goiás
Enquanto a linha da EFG se estendia lentamente rumo a Goiás, Araguari foi escolhida para receber a sede da empresa. Por isso, recebeu investimentos para construir um grande Complexo Ferroviário – contendo oficinas, Vila Ferroviária, hospital, escolas, tipografia, clube e uma nova estação, mais sofisticada e em formato de Palácio, inaugurada em 1928.
A Companhia Mogiana e a EFG transformaram Araguari em importante entroncamento ferroviário, impulsionando o desenvolvimento local e a geração de empregos, tanto na ferrovia quanto em seu entorno, seja em pensões, hotéis, comércios, armazéns etc. Houve um fortalecimento de serviços de saúde e de educação. A linha férrea facilitou ainda o escoamento de grãos produzidos pela atividade agrícola da região. O arroz era o principal produto, seguido do milho e do feijão. A partir da década de 1970, incrementou-se a produção de café. Nesse período teve início o declínio do transporte ferroviário e o crescimento rodoviário.
“A cidade de Araguari era privilegiada em possuir duas ligações férreas e uma delas federal, pois no ano de 1923, no Brasil, apenas 29.925.251 quilômetros eram cobertos por vias ferroviárias estatais em tráfego; o restante era explorado por empresas particulares. Esse número representava pouco, diante das grandes extensões de terra do país.”
Trecho retirado do livro A Ferrovia em Araguari das historiadoras Juscélia Peixoto e Aparecida Abadia.
O caminho em direção a Goiás
Após a instalação da Estrada de Ferro de Goiás (EFG) em Araguari, a linha férrea se estendeu rumo a Goiás. Na época da chegada da EFG, ainda não existia a cidade de Goiânia, que seria construída futuramente para ser a capital do estado. A capital do estado era então a cidade de Goiás, para onde se direcionaria a linha férrea.
Com a expansão da linha, em 1913 a EFG chegou a Goiandira, no sul de Goiás, e marcou a entrada no estado. Alguns anos depois, em 1935, alcançou Anápolis, importante cidade do estado vizinho, o que repercutiu sobre a atuação de Araguari dentro da EFG. A cidade do Triângulo, que facilitava o elo comercial entre São Paulo e Goiás, começou a perder sua função. Assim, outras cidades passaram a se destacar com a expansão dos trilhos.
Por fim, em 1950 os trilhos chegaram a Goiânia. Com isso, iniciam-se os rumores de que a sede da EFG seria transferida para a nova capital do estado – notícia que foi recebida com muita tristeza pelos araguarinos.
Protestos pela permanência da EFG
Em 1954, a população de Araguari, preocupada com os rumos que a cidade tomaria se a sede da EFG saísse do município, começa a se mobilizar contra a decisão. A comunidade araguarina passou a organizar reuniões e comícios e a constituir comissões para lutar contra a mudança da sede. Em fevereiro de 1954, aconteceu na Praça da Constituição um protesto seguido de comício em contestação à decisão do então diretor Mauro Borges de transferir a sede para Goiânia.
A mudança da sede da EFG para Goiânia
Mesmo diante de mobilização, foi expedida em março de 1954 a Ordem de Serviço que determinava a transferência da Diretoria da EFG para Goiânia. Esse foi o início do processo de mudança de sede, que se consumou em abril do mesmo ano. Estima-se que metade dos funcionários da EFG, cerca de 500 pessoas, foram transferidos para a capital de Goiás – sem a alternativa de permanecerem em Araguari.
O impacto para a cidade foi grande. Os investimentos que eram direcionados a Araguari por conta de sua sede foram reduzidos e, aos poucos, todo o complexo ferroviário foi se deteriorando. Os cargos mais altos, como engenheiros, foram deslocados para Goiânia, e a presença de atividades ferroviárias na cidade foi se enfraquecendo. Era o início do processo de regressão da ferrovia na cidade.
A EFG se incorpora à RFFSA
Em 1957, a Estrada de Ferro Goyaz é incorporada à Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). Na época, como em outras linhas férreas do país, era necessário reformar os trilhos, os vagões e o material rodante da ferrovia, que estava defasado. Isso exigia grande investimento financeiro. Com a intenção de modernizar os serviços e unificar os trilhos, a RFFSA cria, em 1963, a Viação Férrea Centro-Oeste (VFCO), que incorpora em seu trajeto a Estrada de Ferro Bahia, a Rede Mineira de Viação e a Estrada de Ferro Goyaz. A VFCO tornou-se, então, a mais extensa ferrovia brasileira, com 4 mil quilômetros de linha.
Ferrovia e preservação do patrimônio
A ferrovia faz parte da história brasileira; suas operações permitiram acesso a diversos lugares do país. Por meio dela, foi possível o transporte de alimentos, de animais e de diferentes bens a espaços antes de difícil acesso. A ferrovia promoveu o transporte de pessoas e possibilitou encontros. Proporcionou também emprego seguro, moradia, estudos e alimentação acessível a diversas famílias. Consequentemente, o avanço histórico e as transformações geradas pela implantação das linhas férreas são extremamente relevantes para a história do país. Conservar os espaços ocupados pela ferrovia, como as antigas estações de trem, são também meios de preservar essa memória.
O processo de derrocada das linhas férreas no país
As décadas de 1950 e 1960 representaram um marco para a derrocada da ferrovia no país. As políticas públicas passaram a ter como foco a malha rodoviária, e o setor privado nacional passou a investir na fabricação de automóveis e no transporte individual. Em vista disso, as atividades da ferrovia foram diminuindo e alguns funcionários começaram a ser demitidos. Esses fatores impactaram o setor dos ferroviários de Araguari e na preservação de suas estações.
“A partir do ano de 1964, até 1970, a RFFSA tentou melhorar seu funcionamento cortando gastos e buscando modernizar seus serviços, eliminando vagões sem condições de tráfego e cerca de 7.000 quilômetros de ramais foram considerados irrecuperáveis. Outras medidas tomadas foram a redução considerável do uso da tração a vapor e a baixa de 153.434 do número de empregados para 123.862. Fato relevante foi a constatação que o sistema de transporte de passageiros caía consideravelmente a cada ano, e, em contrapartida, o de cargas crescia devido a constantes melhorias.”
Trecho retirado do livro A Ferrovia em Araguari das historiadoras Juscélia Peixoto e Aparecida Abadia.
O triste fim da Estação da Mogiana em Araguari
A Mogiana construiu em Araguari uma estação pequena e relativamente simples, tendo em vista que a cidade seria apenas um ponto de passagem. Nos anos 1930, a estação foi substituída por uma maior e mais sofisticada, que funcionou até o final dos anos 1960, quando todo o tráfego de passageiros foi centralizado na estação da EFG (já então VFCO). Situado entre a Praça da Constituição e a Av. Batalhão Mauá, o prédio da estação da Mogiana ficou abandonado por anos, até ser demolido em 1979. O prefeito da época afirmou estar de licença no momento da demolição e que o ato teria sido autorizado pelo vice-prefeito. Com o passar do tempo, ninguém assumiu a ordem. Na ocasião da extinção dos bens, a Companhia Mogiana já tinha sido incorporada à Ferrovia Paulista S/A (FEPASA), em função de problemas econômicos. No processo de demolição não sobrou nenhum vestígio de sua construção. No local, foi construída a atual Av. Batalhão de Mauá.
“Neste desaparecimento do complexo da Cia Mogiana, os vestígios de sua passagem pela cidade quase que sucumbiram. Aferir a importância às ferrovias, direcionada às novas gerações, tendo como base a Mogiana, é tarefa difícil, pois os bens materiais foram suplantados. Preservar e promover novos usos são a maneira mais eficaz de recontar o passado e traçar metas para o futuro. As perdas foram muitas e irreparáveis, e o que restou foram as iniciativas de resgate na área da pesquisa e a divulgação dos documentos textuais e visuais acerca da história da Mogiana em Araguari, aliados a depoimentos orais de antigos moradores da cidade.”
Trecho retirado do livro A Ferrovia em Araguari das historiadoras Juscélia Peixoto e Aparecida Abadia.
Palácio dos Ferroviários
O local onde foi construída a Estação de Memórias de Araguari abrigava o antigo Palácio dos Ferroviários, antiga sede da EFG. Diferentemente da maior parte do patrimônio ferroviário nacional, o Palácio teve sua estrutura amplamente preservada. Passou por reformas nos anos 2000 e hoje abriga a sede da prefeitura de Araguari. Tem uma estrutura imponente e é um dos cartões-postais da cidade, com uma arquitetura eclética e de localização em um dos pontos altos de Araguari. Aqui funcionou a estação ferroviária até o ano de 1973, quando foi inaugurada a Estação Nova na Avenida Belchior de Godoy. Na ocasião, a prioridade foi criar um trajeto que passasse por fora da cidade e não interrompesse o trânsito, causando menos transtorno para os moradores.
O Palácio da antiga EFG escapou do fim
Após a criação da Estação Nova, o Palácio dos Ferroviários ficou abandonado por algumas décadas, sem finalidade própria, e chegou a sofrer depredações, época em que perdeu portas e janelas. No entanto, em 2006, a sede passou por uma grande reforma, e o local se tornou o espaço que abriga o centro administrativo da cidade, a prefeitura e outros setores, como o Museu Ferroviário. Além da estação, os vestígios da Estrada de Ferro de Goiás no município abrangem um amplo complexo, composto dos vários imóveis da extinta EFG.
Em 2008, o Palácio e seu complexo receberam, por fim, tombamento como Patrimônio Histórico de Minas Gerais pelo IEPHA e passaram a foram oficialmente reconhecidos como um espaço de grande relevância para a cidade. Atualmente, um projeto em andamento visa restaurar todos os imóveis do complexo para formar um local de congregação da comunidade: o Parque dos Ferroviários.