Trem de passageiros: até a década de 1980, era o mais eficiente meio de transporte de pessoas entre os municípios da região. Poderia ser do tipo expresso, quando viajava durante o dia com maior velocidade, ou do tipo noturno, que viajava apenas à noite. Os vagões dos trens de passageiros eram divididos em primeira e segunda classes, de acordo com o valor das passagens. Havia também os vagões onde funcionava o restaurante que garantia a alimentação dos passageiros nas viagens longas.
Trem misto: transportava simultaneamente passageiros e cargas – em vagões separados, mas compostos no mesmo trem.
Trem cargueiro: transportava exclusivamente cargas, que podiam ser de todo tipo, como minério de ferro, soja, açúcar, carvão mineral, grãos, milho, farelo de soja e produtos siderúrgicos.
Trem pagador: transportava o pagamento dos ferroviários ao longo da linha férrea. Com grandes malotes de dinheiro, levava os salários dos funcionários e era recebido com grande animação na cidade.
“Eles abarrotavam o carro com muito dinheiro, porque começava a pagar saindo de Belo Horizonte e ia até Uberaba pagando o povo. Depois da década de 1950, mais ou menos, a gente passou a receber pelo banco porque começaram a ter muitos assaltos.”
Depoimento de Ary Alvarenga, ferroviário aposentado.
Tipos de trabalho
Com a chegada da ferrovia em Divinópolis, transformaram-se também as relações de trabalho. Antes, o povoado se organizava principalmente em torno do trabalho rural, com atividades agrícolas e pecuárias focadas na subsistência e no comércio restrito. A inauguração da estrada de ferro contribuiu fortemente para o processo de industrialização da cidade e aumentou consideravelmente a força de trabalho operário assalariada. Especificamente na ferrovia, havia quatro grandes espaços de trabalho interligados, onde os ferroviários exerciam suas funções. Eram eles: a oficina, a via permanente, o tráfego e a tração.
A Oficina
A Oficina tinha como principal atribuição fornecer o suporte técnico para o transporte ferroviário. Nela se fabricavam vagões e peças de reposição, assim como realizados serviços de reparação. Depois dos anos 1930, já possuía variadas seções de trabalho nas quais atuavam profissionais diversos, além de sediar treinamentos de mão de obra especializada. Desenhistas, torneiros, caldeiros, bombeiros, carpinteiros, soldadores, mecânicos, serradores e marceneiros eram alguns dos ofícios típicos da oficina. Dentre os primeiros chefes da história da oficina, aparecem nomes como Aquiles Lobo, Manoel Carregai, Sideney Martins, Pedro Silva e Oswaldo Fernandes. A energia elétrica era fornecida pela Usina Hidrelétrica do Bracinho.
Via Permanente
Os ferroviários encarregados de trabalhar na via permanente eram responsáveis pela manutenção de toda a extensão da linha férrea. Tratava-se de um serviço exaustivo, em que os trabalhadores se dividiam para capinar o mato, apertar parafusos, remover barreiras para a passagem dos trens, fazer a limpeza de valas, manter os trilhos bitolados e nivelados, cobrir o leito da linha com pedras, substituir trilhos desgastados, roçar as margens da linha e qualquer outro trabalho que envolvesse a garantia de boas condições para o tráfego de trens. Para exercer o trabalho, era necessário que os trabalhadores de linha morassem na estrada, em casas construídas pela RMV, o que os deixavam, muitas vezes, distantes de suas famílias.
“Fui maquinista por 24 anos. Divinópolis foi a cidade em que passei a maior parte da minha vida de trabalho. Comecei a carreira como auxiliar de maquinista dando o suporte necessário, auxiliando nas manobras, revistando a locomotiva, fazendo a limpeza e tudo mais que fosse preciso. Sinto saudade do silêncio das estradas à noite, das bonitas paisagens que via e de conduzir grandes trens pelos caminhos afora.”
Depoimento do ferroviário aposentado Nilson Lucio Gonçalves de Matos.
O Tráfego
O controle do tráfego era feito por meio da administração das estações e do movimento dos trens coordenados pelo departamento de transportes da RMV. Dentre as várias estações, a de Divinópolis era considerada de primeira classe por estar localizada em um entroncamento importante do Oeste de Minas e por ter grande movimento de passageiros e cargas. Por isso, em Divinópolis existia uma variedade maior de cargos e funções para que se conseguisse dar conta da quantidade de trabalho. Telegrafistas, guardas-chaves, conferentes, manobreiros, bilheteiros, chefes de trens, baldeadores e agentes de estação são alguns dos principais ofícios do Tráfego.
“Meu bisavô e avô de minha mãe, Ângela, se chamava José Raimundo Calazans. Ele era um Agente de Estação em Divinópolis por volta da década de 1940. Naquela época, o cargo era visto com muito prestígio na cidade e a reputação se estendia para a família. Por estar em uma função de muita responsabilidade, toda a família deveria dar exemplo e agir corretamente para não prejudicar a imagem do ferroviário.”
Depoimento de Talita Calazans, bisneta de ferroviário.
A Tração
Essa área de trabalho era responsável pelo movimento dos trens, a sua conservação e manutenção. Diferenciava-se da oficina geral por se dedicar apenas aos pequenos reparos, indispensáveis para a circulação dos trens de ferro. Os consertos mais pesados eram encaminhados para a oficina. Caldeireiros, soldadores, funileiros, eletricistas, torneiros, escaladores, foguistas e maquinistas são exemplos de ofícios de tração. Esses trabalhadores ficavam nos chamados depósitos e destacamentos, onde realizavam inspeção e limpeza geral em toda sua estrutura, além de fazer o reabastecimento de água, lenha, carvão, areia, entre outros.
Telégrafo
O cargo de telegrafista era essencial na ferrovia. Ele era responsável pela comunicação dentro do sistema ferroviário, que se dava por meio de aparelhos equipados com o código Morse. Era com o telégrafo que se informavam os horários de trens, as ordens de serviço, as concessões de licença para circulação, entre outras importantes informações. A segurança do tráfego, portanto, dependia do bom andamento do trabalho do telegrafista.
Apito da Esplanada
Esse som faz parte do dia a dia de todo divinopolitano e é lembrado a todo tempo quando se fala da oficina, da ferrovia e do bairro Esplanada. O apito é um som baixo que sobe gradativamente até ficar mais agudo (uma nota Lá, na clave de Sol). Conta-se que músicos da cidade utilizavam o apito para afinar seus instrumentos. Desde 1916 até os anos 1970, o apito da Rede soava onze vezes ao dia. A sirene servia para sinalizar as partidas e chegadas dos trens e os horários em que os ferroviários deveriam entrar e sair da oficina. Além disso, era utilizada para prevenir os moradores ribeirinhos contra ameaças de enchente, anunciar o fim de greves e o início de celebrações religiosas. Ela soava e ainda soa também para comunicar o falecimento de algum ferroviário.
Em 25 de outubro de 1996, às 17h, a sirene parou de soar, mas a comunidade ficou insatisfeita com essa decisão. Após manifestações populares, a sirene foi reativada em 1º de setembro de 2000. Atualmente, o apito pode ser ouvido dez vezes ao dia: 6h30, 6h45, 6h55, 7h, 10h55, 11h, 12h15, 12h30, 16h55 e 17h, além de ocasiões extraordinárias como os falecimentos de trabalhadores da ferrovia. Durante a pandemia da covid-19, em 2021, a sirene foi utilizada para marcar o toque de recolher necessário à época para a garantia do distanciamento físico e prevenção à epidemia. A partir de um decreto municipal, de 2019, o toque da sirene das oficinas da Rede Ferroviária foi registrado como patrimônio cultural imaterial de Divinópolis.
“Eu ficava nervoso, ficava triste quando ouvia o apito tocar pra ir embora pra casa. Eu queria sempre continuar no trabalho pra ver o resultado pronto o quanto antes.”
Depoimento de Henrique Dimas, supervisor de caldeiraria aposentado.
“Meu marido Ary até hoje se emociona toda vez que escuta o apito. Várias vezes o vejo com os olhos marejados ao ouvir o soar constante. No nosso casamento, sem ninguém combinar nada, assim que a cerimônia acabou, a ferrovia apitou e nos beijamos ao som do apito do trem.”
Depoimento de Letícia Alvarenga, esposa de Ary Alvarenga, mecânico aposentado.
Casa de Milagres de Divinópolis
Conhecida como uma das maiores e mais bem montadas em toda a América do Sul, as oficinas, também chamadas de “Casa de Milagres”, foram amplamente reconhecidas pela produção de rodas inteiriças em ferro fundido regelado, com ênfase no ano de 1940, em que foram produzidas 416 rodas de alta resistência. Nesse processo de fabricação das rodas, os ferroviários criaram uma técnica própria que passou a ser utilizada por diversos outros setores industriais.
“Já fui operador de guindaste de locomotiva e responsável pela equipe de socorro de Divinópolis. Nós ganhamos reconhecimento como a melhor equipe de socorro do país.”
Depoimento do ferroviário aposentado Mário Paixão.