Pelos trilhos de Cajuru circulavam trens de carga, de passageiros e o misto. O de carga trazia e levava diversos tipos de mercadorias.
“O trem de passageiro tinha a primeira classe, segunda classe e tinha um vagão que era restaurante. O vagão de primeira classe era estofado; a cadeira era macia. O outro, segunda classe, era de cadeira de pau. Não me lembro se o vagão de segunda classe tinha acesso ao restaurante, mas o de primeira classe tinha.”
José Nilson Guimarães, morador de Carmo do Cajuru.
A maria-fumaça
As locomotivas mudaram muito com o tempo. Primeiro, tínhamos a maria-fumaça, feita de ferro, geralmente pintada na cor preta e movida a vapor. De maneira simplificada, ela funciona assim: a madeira é queimada em uma fornalha, gerando calor. Esse calor é transferido para uma caldeira onde ficava a água. Quando a água é aquecida, se transforma em vapor. Esse vapor, ao se acumular no domo, cria uma pressão que depois é liberada. A força dessa liberação movimenta os cilindros, impulsionando a máquina e permitindo que ela se mova. Assim, era preciso muita madeira e água para fazê-la andar; por isso várias estações tinham estoque de lenha e uma caixa-d’água para “dar de beber” à maria-fumaça.
As locomotivas elétricas
A máquina a vapor foi substituída pelas locomotivas elétricas. Em 1953, a linha que ligava Belo Horizonte a Divinópolis foi eletrificada, ou seja, foram colocados postes ao longo da linha com fios que passavam por eles e entravam em contato com um tipo de gancho preso à locomotiva. A energia usada nessa linha vinha da Usina do Gafanhoto. No dia 7 de janeiro de 1953 a primeira máquina fez testes, percorrendo o caminho de Divinópolis até Azurita, ou seja, passando por nossa cidade!
“Eu me lembro quando começaram a passar um fio aqui em cima da linha; foi uma novidade aqui em Cajuru. O cabo de cobre ia até Belo Horizonte. Foi quando vieram as locomotivas elétricas. Ah, foi um sucesso total, porque trem que não fazia barulho, não soltava fogo, nada disso… Ela era silenciosa.”
José Nilson Guimarães, morador de Carmo do Cajuru.
A máquina diesel-elétrica
No ano de 1982 foi tirada a eletrificação das linhas ferroviárias e passou-se a utilizar uma máquina diesel-elétrica, por serem consideradas mais econômicas. Nesse tipo de máquina, o motor principal movido a diesel aciona um gerador elétrico. Esse gerador produz eletricidade, que é usada para alimentar os motores, que movem as rodas da locomotiva. Não há conexão direta entre o motor a diesel e as rodas da locomotiva. Basicamente, é como se a locomotiva fosse um veículo híbrido que possui sua própria fonte de energia, projetada para funcionar em locais onde não há eletrificação ferroviária. Os componentes essenciais desse sistema elétrico incluem o motor a diesel, o gerador principal (que atualmente é um alternador), os motores que impulsionam as rodas e um sistema de controle, que inclui um regulador para motor a diesel, um regulador de carga e interruptores para os motores de tração. Em termos simples, a eletricidade gerada pelo alternador é direcionada aos motores que movem as rodas, e isso é feito por meio de engrenagens de redução que conectam os motores às rodas.
Horário do trem passar
Ao longo do dia passavam vários trens de carga; as pessoas não se lembram bem dos horários deles. No entanto, a frequência dos trens de passageiros ou mistos ficaram na memória de muita gente! As idas a Belo Horizonte sempre despertavam curiosidade e empolgação. Era comum que os cajuruenses fossem à capital para, além de estudar, fazer compras, negócios ou apenas dar uma voltinha. Alguns se lembram com muito carinho e saudade desses passeios. Os horários do trem eram também a forma de muitas pessoas marcarem as horas. Era ouvir o apito e sabia-se que era hora do almoço, hora de voltar da roça ou de se arrumar para ir à escola.
Não perca o trem!
Os trens passavam por Cajuru em diversos horários, que mudaram ao longo dos anos. No entanto, algumas pessoas se lembram de pegar o trem noturno para ir a Belo Horizonte, de pegar o misto e descer em Angicos, entre outros.
~ 5h30: Trem noturno. Passava no horário ideal para ir à Belo Horizonte e chegar bem cedinho lá.
~7h: Trem misto. Muito utilizado para ir estudar ou dar aulas em Amoras, Angicos, Itaúna, entre outras cidades.
~ 11h: Trem sentido Divinópolis, para retornar das escolas de Amoras e Angicos a tempo de almoçar em casa.
~ 16h: Lá vem mais um trem.
~ 20h: Muitas pessoas o chamam de noturno também. Com sua chegada, as pessoas iam à estação para paquerar as moças e rapazes vindos de outras cidades, tornando-o uma grande atração.
“Eu tive o privilégio de viajar durante seis anos porque eu dava aula em Angicos, e a gente ia de trem. Depois fui estudar em Itaúna, e também a gente ia de trem.”
Maria Geralda de Souza Ramos, moradora de Carmo do Cajuru.
“Eu pegava o trem aqui, às 3h45, e chegava em Belo Horizonte, na estação, às 6h55.”
Pedro Paulo Maciel, morador de Carmo do Cajuru.
“Se não me engano, tinha um outro 23h00 ou 23h30, voltando de Divinópolis pra cá. Então, eu tinha um tempinho para namorar lá em Divinópolis.”
José Carlos Nogueira D’Alessandro, morador de Carmo do Cajuru.
“Eu gostava quando a gente vinha no noturno. Nele tinha um vagão restaurante. Aí vinha lá aqueles pratos gostosos. A gente comprava um prato e comia ali dentro do trem. O trem andando e a gente comendo.”
Cícero Nogueira Rocha, filho de Abílio Nogueira, ferroviário aposentado.
“Tudo era muito emocionante para a gente. E a primeira viagem mais longe que eu fiz foi para Belo Horizonte, em 1963, com o meu pai. O meu pai foi comprar um carroção; o fabricante era um italiano, e a fábrica dele era lá no bairro Carlos Prates. E eu fiz essa viagem no trem que passava às 5:30 da manhã, então para mim foi o máximo.”
Célio Antônio Cordeiro, morador de Carmo do Cajuru.
“Eu fui criada numa casa em que no fundo do quintal passava a linha de trem. Eu pegava esse trem pra ir e voltar todos os dias. Eu ouvia o apito dele na curva, e aí eu saía correndo da minha casa e conseguia pegar o trem. Teve uma vez que eu perdi, mas, geralmente, dava tempo.”
Sandra Bechelane Meireles, moradora de Carmo do Cajuru.
“Os horários do trem serviam de relógio, né? O trem das 10 era o horário em que minha mãe começava a fazer o almoço. O trem que passava 15:10 marcava o horário de largar o serviço. Era quando meu pai falava: ‘Gente, já é hora da gente largar o serviço e voltar para o curral de novo’. O da manhã passava às 5:30, e aí meu pai: ‘Tá na hora da gente levantar e coar o café pro pessoal ir trabalhar’. Então até isso ficou marcado na mente da gente.”
Célio Antônio Cordeiro, morador de Carmo do Cajuru.
O que vinha e ia de trem
A chegada da ferrovia trouxe uma mudança significativa na maneira como os produtos lácteos da cidade eram comercializados. Anteriormente, a produção de manteiga e a maturação de queijo tinham um foco mais voltado para o consumo local. No entanto, em 1911, houve uma mudança expressiva com a comercialização em larga escala de leite para a capital mineira. Um dos principais compradores de leite de Cajuru na época era a Itambé, que adquiria aproximadamente 15 mil litros por dia.
“A cooperativa era do lado de baixo da linha, por ela se fazia o transporte de leite para Belo Horizonte, em latões de cinquenta litros. Vinha um vagão só para levar o leite da cidade. Era preciso jogar gelo por cima dos latões para chegarem em Belo Horizonte sem perder o leite.”
Ernane Reis Gonçalves, professor e morador de Carmo do Cajuru.
Lenha e Barbatimão
A partir da chegada do trem, a lenha também passou a ser muito mais comercializada na cidade. Carmo do Cajuru foi uma grande fornecedora de lenha para a linha férrea, dentre outros locais que necessitavam de madeira para seus serviços. Geralmente, a madeira era estocada ao lado da estação para ficar mais fácil o transporte para dentro dos vagões. Houve também aumento considerável da comercialização da casca de barbatimão, à época muito utilizada no curtimento de couro, devido à sua capacidade de produzir uma tinta vermelha que transformava a proteína animal em couro. Atualmente, as cascas de barbatimão são usadas na medicina popular para tratar problemas no estômago, ajudar a curar feridas e também por suas propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas e antioxidantes.
As panelas de ferro
Pela estação, também saíam produtos das fundições locais. O Doutor Gaspar, como era conhecido o senhor José Alves Nogueira Filho, ia com seu jipe lotado de panelas, que ficariam na estação e de lá seguiriam para toda Minas Gerais. Eram panelas de tamanhos diversos: pequenas, para o lar, e também panelões, para a produção de alimentos em grande escala.
O trem deixou saudades!
Não se sabe, até o momento, a data exata em que o trem de passageiros parou de circular em Carmo do Cajuru. A maior parte dos moradores se lembra disso ter ocorrido durante a década de 1980. Antes, ele era o principal meio de locomoção dos moradores da cidade. Afinal, era possível ir a Belo Horizonte diretamente! Para ir a Divinópolis usava-se muito a “jardineira”, um veículo semelhante ao ônibus, com algumas diferenças: eram equipados com bagageiros externos, localizados sobre a capota do veículo. O acesso a esses bagageiros era feito por meio de uma escadinha fixada na parte traseira do veículo. Contudo, havia um grande problema em usar a jardineira para ir até Divinópolis nessa época: as estradas, que eram muito precárias: em dias de chuva intensa sequer era possível passar por elas.
“Eu lembro dos primeiros caminhões que chegaram aqui. Aquilo foi chegando devagar pra transportar mercadoria, e o trem foi ficando pra trás. Vieram os ônibus, substituíram as jardineiras.”
José Nilson Guimarães, morador de Carmo do Cajuru.
“A gente tem saudade daquele tempo. Então, a gente tem de ver o pessoal mexendo na locomotiva, na maria-fumaça. Saudade dos nossos passeios a Belo Horizonte, Divinópolis e Itaúna! Era gostoso demais. Ia aquela turma de colegas fazendo farra. Às vezes até o chefe do trem gritava com a gente lá: ‘E aí essa falazada aí?’. E aí todo mundo respeitava, né?”
José Carlos Nogueira D’Alessandro, morador de Carmo do Cajuru.