Pode entrar, sá! Pode entrar, sô! Olá, eu sou Maria Taveira. Ninguém sabe exatamente quando eu nasci, mas fui batizada em 24 de abril de 1845 pelo padre José Fernandes Taveira, de quem meu pai, Joaquim, foi escravizado.
Antes da chegada dos colonizadores, a região era habitada por povos indígenas. Nas redondezas, pesquisadores descobriram fragmentos de cerâmica e identificaram essas peças com os povos Aratu-Sapucaí. Apesar de ser muito difícil definir quem eram os Aratu-Sapucaí, inclusive se eram um povo só ou vários, estudos afirmam que eles falavam línguas do tronco linguístico chamado Macro-Jê, viviam da agricultura e habitavam diversas regiões do Brasil, como Bahia, Sergipe, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo.
As aldeias de Boca da Mata
A história da cidade está muito ligada aos povos indígenas que habitaram a região. “Cajuru” vem de uma palavra indígena, Caá-Yuru, que significa “Boca da Mata”. A maioria das aldeias dos Aratu-Sapucaí estava nas proximidades de córregos de médio e pequeno porte. Essas aldeias ocupavam ambientes abertos e geralmente eram encontradas em áreas de mata em vez de cerrado. Tais indígenas viviam em aldeias que podiam ter formatos circulares, ovais ou em ferradura. O tamanho variava muito, entre 13 000 m² a 345 000 m². As habitações eram construídas ao redor de uma praça central, que podia medir entre 100 e 560 metros. Cada aldeia podia contar com 11 até 90 casas, de modo que chegavam a abrigar até 2 000 pessoas.
As primeiras sesmarias
Desde o século XVI vinham expedições dos bandeirantes paulistas a Minas Gerais em busca de ouro. Eles invadiram o território e assassinaram vários povos indígenas pelo caminho. Com o passar do tempo, mais gente chegava à região e ocupava terras públicas, então pertencentes à coroa portuguesa. O governo começou a doar essas terras, que foram chamadas de sesmarias, para quem se dispusesse a cultivá-las. Foi assim que surgiram as Sesmarias Empanturrado, Marimbondo e Cajuru.
De acordo com Oswaldo Diomar, “Empanturrado” foi a primeira da região. Ela pertencia a Antônio Rodrigues Pereira, que recebeu a carta de doação em abril de 1747. Em seguida, pertenceu ao alferes José Teles de Meneses. A segunda sesmaria, chamada Marimbondo, foi doada em 1755 e pertenceu ao capitão Manoel de Medeiros Rosa e à sua esposa, Faustina Rodrigues da Silva. Essas terras foram adquiridas de Domingos Fernandes Lanhoso, provavelmente um dos posseiros mais antigos da região, já que detinha terras ao norte do Empanturrado em 1747.
A sesmaria de Cajuru
Uma das sesmarias mais importantes para a formação da cidade é a que depois recebeu o nome de Cajuru, pertencente ao português Manoel Rodrigues Guimarães. Ele obteve a carta de doação em 7 de maio de 1766. Era a antiga fazenda da Serra Negra, localizada no caminho de Santo Antônio do Monte pela estrada de terra, a poucos quilômetros de Divinópolis. Posteriormente, essa fazenda foi comprada por Manoel Gomes Pinheiro. Segundo Oswaldo Diomar, ele teria chamado sua fazenda de “Boca da Mata” ou “Cajuru” por ela ficar na entrada de uma densa floresta. Essa propriedade se estendia desde as cabeceiras da Água Limpa, hoje conhecida como São José dos Salgados, até o Morro Grande, que acabou chamado de “Morro do Cajuru” e, hoje, “Morro da Cruz”.
Os escravizados
Nessas sesmarias, predominavam os escravizados como mão de obra. Eles estão registrados em vários tipos de documentos, como nos inventários e testamentos dos proprietários de terras. No inventário do alferes José Teles de Meneses e do capitão Manoel Gomes Pinheiro, por exemplo, eles são listados como bens móveis, a serem repassados para seus herdeiros. Tristemente, no nosso país, os povos negros já foram considerados mercadorias e por isso aparecem listados dessa forma nos inventários. Nesses documentos, podemos ver que a origem dessa população era classificada de maneira bem genérica, como Benguelas, Angolas, Monjolos ou Crioulos.
Benguela: pode se referir aos escravizados que saíram do porto de Benguela, cidade litorânea de Angola. Era um dos maiores portos de onde eram enviados escravizados de origens e etnias diversas para o Brasil. Assim, essa classificação não correspondia, necessariamente, ao local onde essa pessoa nasceu, mas sim o porto por onde ela foi levada ao Brasil.
Angola: classificavam-se dessa forma os escravizados retirados da porção sudoeste da África Ocidental, do antigo Reino do Congo e do território ocupado pelos portugueses no antigo Reino do Ndongo. Era considerado um dos principais mercados de escravizados que abasteciam o Brasil.
Monjolo: essa classificação era atribuída a um determinado grupo de escravizados, conhecidos como “Batequeses” ou “Tios”. Essa comunidade étnica originava-se na região atualmente conhecida como República do Congo.
Crioulo: eram os escravizados nascidos no Brasil, como os “mulatos” e “pardos”, pessoas mestiças cujas origens eram desconhecidas.
Aquilombamentos
Durante o período em que vigorou a escravidão, muitos escravizados buscaram formas de resistência. Uma delas foi por meio de fuga e fundação de quilombos, ou seja, comunidades estabelecidas em áreas remotas e muitas vezes de difícil acesso onde os fugitivos buscavam refúgio e liberdade. Os quilombos eram autossustentáveis: tinham sua própria organização social, econômica e política e, geralmente, eram liderados por chefes ou líderes reconhecidos. Ainda não foram encontrados registros de quilombos em nossa região, mas há, por exemplo, a comunidade Catumba, organizada em São José dos Salgados por escravizados libertos depois da Lei Áurea de 13 de maio de 1888. Segundo o professor Diomar, o fazendeiro Antônio Gomes Pinheiro doou uma porção de terras a seus ex-escravizados, e lá eles construíram suas casas. O povoado desenvolveu-se e até mesmo fundou uma escola.
O cemitério de Marimbondo
O cemitério de escravizados de Marimbondo é ponto de referência para a história da escravidão na cidade. Localizada às margens da estrada que segue da sede para Angicos, dentro da propriedade de Luiz Rabelo, a antiga fazenda pertencia ao capitão Custódio Nogueira Penido. Ele teria cedido uma área do seu território para que ali fossem enterrados os escravizados que trabalharam na fazenda. De acordo com a história oral local, porém, somente aqueles que eram reconhecidos por seu trabalho eram enterrados ali; os escravizados que se revoltassem contra sua condição de cativos eram jogados em valas.
Cultura de resistência
Os escravizados que foram trazidos de forma forçada para o Brasil carregavam consigo suas identidades e culturas. Em Cajuru, a riqueza cultural desses povos permanece forte, resistindo e se transformando até os dias de hoje. A cidade é conhecida por suas muitas irmandades negras, pelas festas ligadas à Nossa Senhora do Rosário, pelo Reisado (ou Reinado) e outras manifestações culturais afrodiaspóricas. Algumas já foram, inclusive, registradas como Patrimônio Cultural, tamanha sua importância.
Irmandades e festejos afrodiaspóricos
* Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Fátima * Irmandade de Santa Cruz de Bom Jesus do Angicos * Irmandade Nossa Senhora do Rosário * Irmandade de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário * Irmandade Nossa Senhora Aparecida do Rosário * Irmandade Folia de Reis São Francisco de Assis * Guarda de Catupé de Santa Efigênia * Irmandade de Santa Cruz de Santa Clementina.