A ferrovia operava de forma eficiente devido ao trabalho de profissionais de diferentes funções. Cada membro desempenhava um papel crucial para garantir o funcionamento da ferrovia, permitindo que o trem percorresse seu trajeto. As lembranças relacionadas ao trem são fruto do esforço diário desses ferroviários.
Tem um baile
No século XX, o número de acidentes de trabalho na ferrovia era muito alto. A linha da ferrovia próxima a Carmo do Cajuru tinha muitas subidas e descidas – um traçado bem propenso a velocidades altas e perda de controle dos trens. Infelizmente, alguns acidentes muito tristes ocorreram ao longo dos anos na cidade. Quando alguma intercorrência acontecia, o feitor recebia uma mensagem dizendo que havia um problema em certa altura da ferrovia e que ele deveria acordar as “Turmas”. O código era dizer: “Hoje tem um baile” em um lugar “tal”. Aí, ele já sabia que tinha ocorrido um acidente e que deveria se mobilizar para o socorro. Atualmente, com as novas normas de segurança e a priorização da proteção da vida no trabalho, o número de acidentes tem diminuído cada vez mais.
A labuta
O trabalho ferroviário muitas vezes exigia horas extras que não eram remuneradas, além dos salários atrasados e do trabalho em condições precárias. De forma oficial, a carga horária para os trabalhadores de linha era das 8h às 16h. Entretanto, não existia equipe no turno da noite, então, caso acontecesse qualquer acidente, as Turmas eram convocadas para resolver o problema. O Chefe de Estação e o Agente eram os únicos que trabalhavam na estação. Com isso, as jornadas de trabalho poderiam atingir a marca de 72 horas ininterruptas, ou seja, dois ou três pernoites para conseguir resolver os problemas que surgiam.
Muitos trabalhadores não recebiam nenhum tipo de uniforme e acabavam sem vestimentas adequadas para o trabalho. Como a empresa não ajudava no custo da compra de uniformes, em alguns momentos, com os comuns atrasos de pagamentos por parte da Rede, os trabalhadores acabavam sem recursos para adquirir vestimentas adequadas e usavam roupas e calçados desgastados e inseguros.
Ferramentas de comunicação
STAFF: Sistema de comunicação com dois aparelhos, cada um com bastões metálicos, conectados eletricamente entre estações vizinhas. Agentes na “Estação A” liberavam um bastão para o maquinista entregar na “Estação B”, garantindo exclusividade ao primeiro trem. Até que o bastão chegasse à “Estação B”, nenhum outro era liberado, evitando circulação de outros trens no trecho. Uberaba, século XX.
Lanterna: Era utilizada pelos guarda-chaves para comunicação. O verde autorizava o trem a prosseguir e o vermelho indicava proibição. Essas cores transmitiam informações vitais sobre o estado das linhas, garantindo a segurança ferroviária e coordenando o movimento dos trens.
Saúde em xeque
As más condições de trabalho a que os ferroviários se submeteram por muitos anos ao longo do século XX acabaram gerando diversos problemas de saúde nos trabalhadores. Entre as questões, os ferroviários desenvolviam, por exemplo, problemas musculares por carregarem muito peso ou por ficarem em pé durante muitas horas, além de problemas de pele, contaminada por produtos químicos em dormentes, como o creosoto. Os uniformes dos trabalhadores de linha não tinham mangas longas, então os braços ficavam expostos e acabavam sofrendo uma reação alérgica ou mesmo ficavam machucados devido ao uso intenso desses produtos. Muitos trabalhadores acabaram desenvolvendo, também, vícios como o alcoolismo e o tabagismo; também relatam consumo excessivo de café para suportar as longas escalas de trabalho.
“Um dia eu olhei o sapato do meu pai e vi que por baixo ele estava pisando na água; não tinha sola. Ele mantinha por cima o sapato e por baixo ele fazia uma emenda, para poder ir trabalhar – mas isso foi na época em que ficava muito tempo sem receber, porque a empresa não fornecia uniforme naquela época.”
Maria Silvânia Gonçalves de Almeida Ferreira, filha de Oswaldo Cândido de Almeida, ferroviário aposentado.
Os benefícios
Existiam alguns benefícios para os trabalhadores da ferrovia, como passe livre para trens em qualquer estação da mesma estrada de ferro, seja para trabalho ou para lazer. Esse passe livre também era concedido aos familiares dos funcionários da rede: todos recebiam uma carteirinha de identificação como dependentes. No entanto, algumas pessoas relatam que nem sempre os familiares conseguiam essa gratuidade.
“A gente da família tinha o passe livre, que era uma carteirinha. A gente mostrava a carteirinha, e eles já perguntavam em qual classe a gente queria ir: na primeira classe o banco era estofado, melhorzinho, e você podia sentar sozinho; na segunda classe o banco era de madeira, e você tinha que sentar acompanhada. Essas vantagens a primeira classe tinha, né?”
Geovânia Nogueira de Oliveira Nazaré, filha de Paulo Nazaré, ferroviário aposentado.
Acróstico
Fortes homens, bravos guerreiros!
Extremamente
Responsáveis
Realizaram com maestria e honra
Os trabalhos mentais e braçais
Vencendo o sol, a chuva, o frio, sob a luz das estrelas
Imbatíveis guerreiros cuja
Ambição maior era
Realizar bem as tarefas
Impedindo acidentes, salvando vidas
Onde passaram só deixaram rastros de
Saudades e gratidão!
Dentre meus conhecidos
Estão meu pai, Oswaldo Cândido de Almeida
Carlos Guimarães, Oswaldo Nogueira de Vasconcelos
Abílio Nogueira, Luís Nunes, meu cunhado
Rômulo Guimarães, Ronaldo Nunes
Meus padrinhos, Pedro Celestino e Senhor Queirós
Os aprendizes de papai: Gravatinha, José Maria de Almeida e José Maria Rodrigues…
Dedicação, compromisso
Organização… e muito mais.
Carisma, capacitação em dia,
Atenção,
Justiça,
União foi o legado deixado pelos
Responsáveis ferroviários
Uma profissão dos fortes que conheci… eterna gratidão e respeito
Poema de Maria Silvânia Gonçalves de Almeida Ferreira, filha de Oswaldo Cândido de Almeida, ferroviário aposentado.