A estação foi construída junto com a ferrovia e a inauguração do ramal. O prédio tinha três cômodos: à esquerda, o armazém de descarga para mercadorias que chegavam; no centro, o guichê de passagens; e à direita, o armazém de carga para mercadorias de escoamento.
Ponto de encontro
Apesar das mudanças, uma coisa é certa: a estação se tornou um grande centro, uma referência para a cidade! As pessoas iam até lá ver quem estava chegando, quem estava partindo ou apenas passando. Era um excelente local para conhecer pessoas novas e namorar um pouquinho. As pessoas iam à estação encontrar seus amores, passear em Belo Horizonte, curtir um baile em Divinópolis, trabalhar e estudar. O trem foi o meio de transporte mais usado por muitos anos!
“A gente ia à estação para namorar, e o trem era um prato cheio, porque passava muita moça bonita. Ele parava aqui de 5 a 10 minutos; dava tempo até de fazer amizades e pegar o endereço. Naquela época nosso ‘zap zap’ era a conversa, para depois escrever uma cartinha.”
Pedro Paulo Maciel, morador de Carmo do Cajuru.
“Minha irmã falou que as moças iam à estação para buscar os namorados, às vezes para arrumar namorado e conversar com os rapazes.”
Samira Bechelane de Melo, moradora de Carmo do Cajuru.
“Eu gostava de ir à estação ver as pessoas. Uma vez passou um circo com um elefante, quando eu tinha uns 15 anos. Eu adorava também ver o chefe de estação apitar para avisar sobre a partida do trem. Era bonito demais!”
Geraldo Habib Bechelane Maia, morador de Carmo do Cajuru.
As “vendinhas”
A estação também era repleta de pessoas vendendo produtos diversos: elas aproveitavam a parada do trem, se posicionavam do lado de fora e percorriam as janelas oferecendo seus produtos de uma ponta a outra do vagão; depois retornavam para pegar os pagamentos. Aí, então, vinha o problema – às vezes sofriam calote! Ah, mas do que as pessoas mais se lembram são dos quitutes vendidos por ambulantes. Há quem tenha provado sabores inesquecíveis.
“O pessoal pegava os doces pela janelinha e ia comendo. Quando o trem apitava para sair, aí que o pessoal ia pagar, mas alguns comiam dois ou três doces e pagavam apenas um. Como a gente recebia pela janelinha o que eles pagavam e não podia entrar no vagão, a gente recebia por apenas um doce. Só via que foi lesado quando chegava em casa.”
João Batista Cordeiro de Melo, conhecido como “Sarruta”, morador de Carmo do Cajuru.
“A gente ia ver o movimento e aproveitava e tirava algum dinheirinho. Eu levava pastel e era um negócio bom, porque se ganhava muito dinheiro com isso. O pessoal vinha varado de fome, então nisso você vendia laranja, vendia banana, o que você levasse você vendia.”
Pedro Paulo Maciel, morador de Carmo do Cajuru.
“O pastel mais gostoso que eu já comi na minha vida, até hoje, foi dentro do trem.”
Isa Lúcia Bechelane Maia, moradora de Carmo do Cajuru.
“Algumas pessoas pegavam os picolés do Seu Ladir, que era famoso, e levavam lá pra estação pra vender.”
Célio Antônio Cordeiro, morador de Carmo do Cajuru.
“Havia pessoas que vendiam pirulito em formato de cone, enrolado num papel, tipo papel manteiga. Eles eram todos encaixados em uma tábula, cheia de furinhos. Era só você tirar e desembalar do papel… Quando dava pra desembalar, pois era comum chupar o pirulito e ficar cuspindo o papel que ficava grudado nele!”
Edson de Souza Vilela, morador e prefeito de Carmo do Cajuru por três mandatos.
A criançada na Estação
A Estação ferroviária estava sempre cheia de crianças. Muitas, inclusive, ajudavam as famílias a vender doces produzidos em casa. No entanto, além de auxiliarem nas vendas, elas adoravam ficar ali vendo o trem passar, acompanhavam os jogos de malha dos ferroviários e faziam suas próprias brincadeiras.
“Quando a gente era criança aproveitava que os passageiros paravam na estação e íamos vender café e artesanato, como pulseirinhas. Então, havia um comércio ali também feito por crianças.”
Munir Guimarães Mansur, morador de Carmo do Cajuru.
“O Carlito vendia os doces da mãe dele. Aí ele tinha uma cantilena assim: ‘Compra doce, suspiro, canudo do leite da vaca…’.”
Ernane Reis Gonçalves, professor e morador de Carmo do Cajuru.
“Havia perto da estação um parquinho, com balanço e tudo. Quando a gente ia levar comida para o meu pai, principalmente aos domingos, ficava todo mundo brincando lá.”
Geovânia Nogueira de Oliveira Nazaré, filha de Paulo Nazaré, ferroviário aposentado.
“A gente gostava de andar em cima dos trilhos para aprender coordenação motora, sabe? Então, quando dava pra gente fazer isso, quando a gente sabia que o trem não ia passar, andávamos muito em cima dos trilhos.”
Maria Silvânia Gonçalves de Almeida Ferreira, filha de Oswaldo Cândido de Almeida, ferroviário aposentado.
As notícias vêm de trem
Além de transportar pessoas e produtos, as ferrovias eram também por onde iam e vinham notícias e mensagens. Havia uma máquina chamada telégrafo que era usada para enviar mensagens a distância, antes dos telefones e da internet. Na Estação de Amoras, havia um posto telegráfico e, na estação de Carmo do Cajuru, também havia um telégrafo. Além dos trabalhadores da ferrovia que o utilizavam para o controle do tráfego dos trens, muitos moradores também usavam a máquina para receber e enviar notícias de parentes que moravam longe. O telégrafo tem uma alavanca que, ao ser apertada, envia mensagens por fios elétricos.
O telégrafo
O telégrafo era um dispositivo que chamava a atenção das pessoas. Elas se interessavam pelo som produzido, tinham curiosidade sobre o significado dos sons e admiravam o trabalho dos telegrafistas. Apesar de aparentemente simples, seu uso exigia considerável aprendizado e ouvido atento. Essa invenção desempenhou um papel crucial na história das comunicações e foi um instrumento fundamental para a comunicação na ferrovia. Por meio dele os agentes de estação instruíam os maquinistas, evitando acidentes. Ele funciona da seguinte forma: sua alavanca, ao ser apertada, envia mensagens por fios elétricos. No lugar aonde a mensagem chega, há outro aparelho que registra a mensagem em um papel. Essa mensagem é transformada em sinais elétricos, como pontos curtos e traços longos, seguindo o código Morse. Os pontos e traços representam letras e números. A pessoa que recebe olha o código e o traduz de volta para letras e números.
“Antes a gente recebia telegrama pela estação, pelo telégrafo. O seu Rômulo, que era o telegrafista na época, recebia a mensagem, traduzia aquilo e datilografava. Eram mensagens curtas, pois se pagava por letras.”
Edson de Souza Vilela, morador e prefeito de Carmo do Cajuru por três mandatos.
“Quem queria passar alguma mensagem precisava ir ali na estação, na portinha do outro lado, onde ficava o telégrafo. O valor cobrado era por letras: tantas letrinhas pagava tanto.”
Munir Guimarães Mansur, morador de Carmo do Cajuru.
“Minha mãe trabalhava numa casa do lado de cima da estação, e eu gostava de ficar lá na janelinha que dava para a praça. Eu ficava lá dependurada, olhando e escutando o barulho do telégrafo, mas a gente não entendia nada.”
Geovânia Nogueira de Oliveira Nazaré, filha de Paulo Nazaré, ferroviário aposentado.
“O telégrafo era muito difícil. Poucas pessoas conseguiam trabalhar nele. Eu até cheguei a aprender bastante, mas depois eu falei: ‘Ah, não vou mexer com isso mais, não’. O senhor Osvaldo era excelente telegrafista: ele escutava de cá e sabia o que falava a mensagem. Trabalhei com muitos agentes desse jeito, pegava tudo de ouvido.” – Devarlino Miguel dos Santos, ferroviário aposentado. “Papai era o elo de comunicação – papai e os Correios, né? Então pelo telégrafo ele comunicava nascimentos, mortes… Além disso, ele comunicava com as estações todas, pois eram interligadas pelo telégrafo.”
Maria Silvânia Gonçalves de Almeida Ferreira, filha de Oswaldo Cândido de Almeida, ferroviário aposentado.
Os correios ferroviários
Os Correios foram outro meio importante de comunicação em Cajuru e também mantinham relações muito estreitas com a ferrovia. Afinal, cartas, jornais e até mesmo revistas em quadrinhos chegavam por meio do trem. Metade de um vagão inteiro era destinada às correspondências e nela vinha uma pessoa responsável pelo monitoramento, a fim de evitar extravios. Quando o vagão chegava, o agente dos Correios ia até a estação buscar as correspondências, que vinham em grandes malas lacradas, feitas de lona amarela. Só que o carteiro não realizava entregas porta a porta; era necessário ir até a agência dos Correios, que, inclusive, ficava localizada na própria casa da família do agente!
“A agência dos Correios era na minha casa, na rua Demétrio Coelho. Todo mundo ia lá buscar correspondência, pois o carteiro não saía entregando. Minha mãe era agente postal, e meu pai era o maleiro, carregador da mala com as correspondências. Para organizar a correspondência tinha um escaninho com o alfabeto. Chegava carta para a Ângela; colocava no A. Chegava carta da Berenice; colocava no B. Então, a pessoa ia lá buscar. Elas iam até lá e perguntavam: ‘Ó! tem carta pra mim?’; ‘Tem!’.”
Ernane Reis Gonçalves, professor e morador de Carmo do Cajuru.